A Rússia é um "polvo" e está a tentar influenciar o Parlamento Europeu através da extrema-direita - e nem Portugal poderá escapar

29 mai, 21:25
O presidente da Rússia, Vladimir Putin (EPA/Lusa)

A investigação em curso sobre as tentativas russas de influenciar as eleições europeias veio tornar evidente uma ligação antiga. Mas o que torna o Parlamento Europeu tão apetecível para Putin? E que metas partilha com a extrema-direita?

Suspeitas de interferência russa nas eleições europeias. Foi por esse motivo que as autoridades belgas fizeram buscas na residência e no escritório de um funcionário do Parlamento Europeu, com ligações à extrema-direita.

E como é que tudo isto se liga? José Filipe Pinto, especialista em relações internacionais, usa a metáfora de um “polvo”, cheio de tentáculos, para explicar a forma como a Rússia procura aplicar a sua influência. E um desses tentáculos estaria a tentar embrulhar o Parlamento Europeu, em vésperas de eleições, para interferir nos resultados.

“A Rússia de Putin é tóxica e tenta influenciar sempre nos interesses do Kremlin. Só não atua quando está satisfeita [com as políticas] ou quando, não estando satisfeita, não encontra recetividade mínima nesses países”, observa.

Extrema-direita ao serviço de Putin?

E é aqui que entra a outra parte desta equação: a extrema-direita. Porque o regime de Putin e a extrema-direita, se não estão diretamente ligados, pelo menos têm um interesse em comum.

“Quando percebemos os objetivos da Federação Russa enquanto ator internacional, temos consciência de uma rivalidade geopolítica, em que cada lado procura descredibilizar os outros. Mostrando que nas instituições europeias grassa a corrupção, que não há um interesse na vida das pessoas, mas apenas a utilização das instituições para os seus agentes servirem os próprios interesses. Isso favorece a extrema-direita, que também aposta no descrédito das instituições”, resume José Palmeira, especialista em relações internacionais.

No centro da investigação estará Guillaume Pradoura, antigo assessor de Maximilian Krah, que era até há pouco tempo cabeça de lista da Alternativa para a Alemanha (AfD) e que teve de se demitir depois de polémicas declarações sobre as SS. Pradoura agora estava ao serviço de Marcel de Graaff, eurodeputado do partido neerlandês de extrema-direita Fórum para a Democracia.

Parlamento Europeu (AP)

O que tem Estrasburgo de tão especial?

E porque quer a Rússia controlar o Parlamento Europeu, localizado em Estrasburgo? “É um instrumento de guerra híbrida. Se controlar o Parlamento Europeu, de alguma maneira, posso criar um ambiente favorável para a tomada de decisões que me sejam favoráveis”, aponta Pedro Froufe, professor de direito europeu.

Ao interferir nessa instituição, acrescenta, é possível à Rússia “manipular, mesmo que seja parcialmente” correntes de opinião públicas e causas. E uma delas é óbvia: o apoio europeu à Ucrânia. E uma maior representação de extrema-direita neste hemiciclo teria um resultado, “encravar decisões”.

“O que Putin está a tentar é que os partidos populistas culturais ou identitários aumentem a sua posição no Parlamento Europeu. A Rússia pretende essencialmente que estes populistas se tornem uma força de bloqueio à Ucrânia”, reitera José Filipe Pinto.

Palavra de ordem: descredibilizar

Para José Palmeira, o financiamento de partidos de extrema-direita é um dos caminhos para a Rússia “atingir os seus objetivos de descredibilizar a União Europeia, fazendo crescer partidos que poderão ser mais favoráveis à posição da Rússia, logo menos favoráveis à Ucrânia”. 

“Há uma cartilha de informações que é promovida e apoiada pela Rússia. E que serve os interesses da extrema-direita”, atesta Pedro Froufe. E para ditar o jogo de forças, o Parlamento Europeu tem um aspeto determinante: a sua legitimidade “é a legitimidade dos próprios cidadãos”, que elegem os eurodeputados.

E, enquanto representantes dos cidadãos, haverá uma mensagem a cultivar: a de que há, diz José Palmeira, uma “descrença” na possibilidade de a Ucrânia vencer a guerra. Logo, de que o apoio que está a ser enviado não dá frutos. Quem fica a ganhar com tudo isto? A Rússia.

Mas há outro efeito para a Rússia de uma extrema-direita reforçada na Europa: “Se estes partidos conseguirem um terço dos lugares no Parlamento Europeu, vai dar-lhes vice-presidentes e domínios de comités.” Ou seja, influência nas iniciativas legislativas, não apenas na sua votação.

Marine Le Pen com Putin em 2017 (AFP via Getty Images)

Exemplos de uma ligação antiga

Quando se fala do financiamento russo à extrema-direita europeia, o exemplo que surge sempre à cabeça é o francês, com o Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen. Quando foi tornado público o financiamento russo, Le Pen argumentou que o sistema bancário francês lhe tinha fechado as portas. José Filipe Pinto explica que esse apoio de Putin foi importante para ajudar a legitimar a ocupação da Crimeia. Contudo, aquando da invasão russa mais alargada em 2022, Le Pen acabou por se posicionar do lado da Ucrânia. E o Kremlin arranjou novo aliado em território francês: François Fillon, aponta o especialista em relações internacionais. 

José Palmeira recupera um outro episódio: quando Donald Trump e Hillary Clinton estiveram frente a frente. Um relatório haveria de concluir que houve interferência russa neste processo eleitoral, com tentativas de denegrir a imagem de Clinton, favorecendo Trump, mais alinhado com os propósitos do Kremlin. É um aviso para o que pode aí vir, em vésperas de mais umas eleições presidenciais americanas, concorda o especialista.

E a Portugal, poderá chegar essa influência através da extrema-direita? Apesar de o Chega condenar a invasão da Ucrânia, José Filipe Pinto acredita que o regime russo pode tentar um tentáculo em Portugal.

“Se não houver a mínima recetividade, a Rússia desiste. Mas se perceber que há margem do Chega, que é um partido unipessoal, tentará influenciar de forma sub-reptícia André Ventura ou o seu círculo próximo.”

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