A próxima escalada de Putin pode ser um ciberataque direto aos EUA

CNN , Stephen Collinson
22 mar 2022, 21:35
Vladimir Putin (AP Images/Andrei Gorshkov)

A conclusão mais preocupante do aviso do presidente Joe Biden de que há “informações em desenvolvimento” de que a Rússia está a ponderar a opção de ciberataques é que as agências de espionagem dos EUA têm estado, até agora, irrepreensíveis nas suas previsões acerca das manobras de Vladimir Putin.

Houve sempre a possibilidade de que o líder russo pudesse tentar impor represálias diretas ao governo dos EUA e aos americanos pelo seu apoio aos ucranianos e pelas sanções incapacitantes à Rússia após a sua brutal invasão.

Putin poderia virar os seus serviços secretos ou gangues criminosos contra departamentos do governo dos EUA, hospitais, infraestruturas essenciais e serviços públicos. A abertura de uma frente de ciberguerra, ou pelo menos a sua sugestão, seria uma medida consistente com a estratégia de escalada de Putin, a qual tem-no levado a brandir sabres nucleares, a atacar civis ucranianos de forma aterradora e a usar mísseis hipersónicos de última geração.

Mas a questão principal é saber se o líder russo arriscaria um conflito cibernético total com Washington, que, tal como a CNN reportou na semana passada, tem uma capacidade considerável que pode superar o arsenal russo e concretizar, de forma rápida, ataques devastadores contra infraestruturas russas fundamentais.

Numa declaração escrita na segunda-feira, Biden afirmou que estava na hora do sector privado, que possui a maior parte das principais infraestruturas do país e que nem sempre tem levado em conta os avisos do governo, fortalecer imediatamente as suas defesas online.

De seguida, transmitiu pessoalmente uma mensagem ainda mais arrepiante durante uma reunião com empresários em Washington.

“A magnitude da capacidade cibernética da Rússia é bastante significativa e está a chegar”, advertiu o Presidente. “Ele ainda não fez uso dela, mas faz parte do seu manual”, disse Biden sobre Putin.

Anne Neuberger, assessora adjunta de segurança nacional da Casa Branca para as tecnologias cibernéticas e emergentes, disse na segunda-feira que depois de ter sido detetada uma “atividade preparatória” por parte da Rússia, o governo realizou reuniões classificadas com empresas e sectores que podem estar vulneráveis a ciberataques. Mas também afirmou que não havia nenhuma prova de qualquer ameaça específica. A Casa Branca tem alertado consistentemente para uma potencial frente de guerra cibernética na invasão russa da Ucrânia desde o seu início há mais de três semanas, muito para além das suas diretrizes regulares aos governos estatais e locais e às grandes empresas e indústrias.

Os motivos de Putin para atacar os EUA

Como sempre acontece com as declarações do governo baseadas nos serviços de informação - e especialmente numa área tão sensível como uma potencial ciberguerra - há muito por saber relativamente à ameaça potencial, ao momento escolhido para o anúncio de Biden e às mensagens que este procurou enviar à Rússia com o comunicado na segunda-feira.

Mas Putin tem fortes razões para querer atingir os Estados Unidos e infligir sofrimento aos americanos. As sanções internacionais sem precedentes estão a ter um efeito devastador na economia russa. Quanto mais tempo permanecerem em vigor, mais irão prejudicar os russos comuns. O sector bancário russo está isolado do mundo, e o país tornou-se um pária internacional.

As forças de Putin, entretanto, não conseguiram concretizar o ataque relâmpago a Kiev que era esperado. Um impasse militar pode forçar Putin a escalar a crise para aumentar a sua própria influência geopolítica junto de poderes externos. E pelas suas ações ao longo de muitos anos, o líder russo tem dado todos os sinais de que acredita já estar a travar uma guerra de baixa intensidade contra o Ocidente. Na verdade, os serviços secretos russos usaram campanhas de pirataria informática e influência nas eleições de 2016 e 2020 nos EUA, de acordo com os serviços secretos americanos.

Putin pode também estar à procura de vingança pela torrente de armas antitanque e antiaéreas que estão a ser introduzidas na Ucrânia por parte do Ocidente, e que estão a ser usadas para matar russos numa extraordinária guerra por procuração na Europa contra Moscovo. Assim, o avanço para uma investida direta e não-militar contra os Estados Unidos pode não parecer tão improvável para Putin como para outros.

Um longo registo de ciberguerras

Os ciberataques, ainda que configurassem uma escalada perante as circunstâncias atuais, não seriam uma tática nova da Rússia.

Há quase um ano, Washington culpabilizou os serviços secretos russos pelo ataque aos servidores federais da SolarWinds em 2020 e pela eliminação de dados relativos ao sector público e às sanções impostas. Um grupo criminoso originário da Rússia, chamado “DarkSide”, foi considerado responsável por um ciberataque com pedido de resgate ao oleoduto transamericano Pipeline Colonial no ano passado.

Durante uma cimeira em Genebra no verão passado, Biden disse a Putin que certas áreas das infraestruturas essenciais deveriam ser consideradas fora dos limites para ataques cibernéticos e definiu 16 entidades específicas, incluindo os serviços de energia e água.

No recém-publicado Relatório Anual de Avaliação de Ameaças, os serviços de informação dos EUA alertaram para o facto de a Rússia estar a desenvolver recursos para atingir cabos submarinos e sistemas de controlo industrial nos EUA e em outros lugares “porque comprometer estes tipos de infraestruturas reforça e demonstra a capacidade da Rússia de danificar infraestruturas durante uma crise”.

Os múltiplos públicos de Biden

A ideia de que Putin não se atreveria a iniciar um conflito cibernético com os Estados Unidos pode agora ser menos convincente, dadas as duvidosas tomadas de decisão do presidente russo na guerra até ao momento.

Putin ultrapassou várias barreiras do que se considera ser um comportamento aceitável com a invasão de uma nação soberana e independente. A sua ofensiva tem vindo a degenerar em terríveis ataques aéreos, de artilharia e de mísseis contra civis. Ao colocar a sua credibilidade nacional e internacional na guerra, Putin não se pode dar ao luxo de perder. Esta é uma das razões pelas quais os EUA têm alertado para a possibilidade de ataques químicos ou biológicos por parte das forças russas e porque existe uma profunda preocupação entre a comunidade de cientistas da esfera atómica de que os russos possam vir a considerar o uso de armas nucleares táticas de menor dimensão como uma doutrina militar aceitável. Putin poderá ver a ciberguerra como apenas mais uma arma mobilizável.

O poder do aviso de Biden - mesmo que os ciberataques não estejam iminentes - saiu reforçado pelo sucesso dos serviços de informação em expor e prever, até ao momento, as ações militares russas. Quando mais de 100 000 soldados russos se reuniram à volta da Ucrânia no início deste ano, algumas autoridades na Europa e até mesmo em Kiev desconsideraram os avisos de que Putin estaria prestes a invadir, com o pretexto de que tal iria contra os próprios interesses da Rússia.

O sucesso dos serviços secretos não só contrastou com os fracassos da comunidade na guerra do Iraque e antes dos ataques de 11 de setembro de 2001. Revelou igualmente a possibilidade de os Estados Unidos terem uma forte capacidade de espiar o regime russo. A referência de Biden relativamente a “informações em desenvolvimento” não especificadas acerca de possíveis ciberataques é a mais recente ocasião em que os EUA usaram dados estratégicos das agências de espionagem americanas para moldar as perceções da guerra nos EUA e no estrangeiro. Pode também entrar em jogo um elemento de guerra psicológica, uma vez que Putin, um ex-oficial do KGB, ficaria furioso com a possibilidade de os EUA terem entrado dentro das agências de espionagem russas.

Biden põe as grandes empresas em alerta

Há um debate entre os especialistas em ciberguerra sobre se Putin seria dissuadido pelo risco de os Estados Unidos poderem contra-atacar a Rússia com ainda mais força.

Um relatório detalhado da unidade de investigação da CNN na semana passada constatou que, embora tenha havido pequenos ataques a bancos e agências governamentais ucranianas, até agora não houve nenhum grande desastre de cibersegurança, como uma quebra geral de energia, um sistema de água envenenado ou uma cadeia de abastecimento danificada, nos EUA ou na Ucrânia, desde a invasão. Houve um consenso entre os quase 20 especialistas que falaram com a CNN de que, apesar de a Rússia estar bem posicionada para lançar ciberataques catastróficos nos Estados Unidos, não é provável que o faça. Os especialistas acreditam que Putin tem noção de que as capacidades cibernéticas do seu país não estão à altura das dos EUA.

E Biden ressaltou novamente na segunda-feira que os EUA responderiam vigorosamente a quaisquer intrusões, procurando reforçar o fator de deferência.

Ele prometeu “usar todas as ferramentas para impedir, interromper e, se necessário, responder a ciberataques contra infraestruturas essenciais”.

A declaração de Biden foi também um aviso claro para as empresas dos EUA fazerem um esforço renovado para se protegerem de ataques informáticos antes que seja tarde demais. Algumas empresas não possuem as mesmas capacidades do governo para se protegerem. O custo da cibersegurança é particularmente oneroso para empresas e fornecedores mais pequenos. Os ciberataques diários às empresas norte-americanas custam milhões de dólares. Mas houve uma sensação real de que a declaração de Biden pretendia ser um toque a despertar para o sector privado de que algo muito pior está a caminho.

Nas palavras do próprio: “Vocês têm o poder, a capacidade e a responsabilidade de fortalecer a cibersegurança e a resiliência dos serviços e tecnologias essenciais dos quais os americanos dependem”.

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