A invasão russa da Ucrânia não correu como planeado, mas o Putinismo continua em força

CNN , Análise de Nathan Hodge
25 ago 2022, 08:00
Guerra na Ucrânia. Foto: AP

ANÁLISE. Seis meses de guerra não criaram um grande impacto na imagem de Putin na Rússia. E as sanções não estão a ter o efeito provavelmente desejado

Já se passaram seis meses desde que o presidente russo Vladimir Putin deu início à sua invasão da Ucrânia, uma guerra que, por qualquer medida convencional, tem sido uma calamidade.

Milhões de ucranianos foram deslocados. A cidade de Mariupol foi quase apagada do mapa. E o ataque lançado a 24 de fevereiro mostrou a podridão moral no seio dos militares russos e o seu total desrespeito pela vida civil.

De acordo com os últimos cálculos do Pentágono, a invasão já custou à Rússia entre 70.000 e 80.000 soldados mortos e feridos. Embora essa estimativa seja elevada, é justo extrapolar que a Rússia provavelmente registou mais mortes em meio ano de guerra na Ucrânia do que as que os soviéticos perderam ao longo de uma década de guerra no Afeganistão.

Pessoas fotografadas no exterior de Izmailovsky Kremlin, em Moscovo, a 21 de Agosto.

Mas quaisquer comparações da Rússia de Putin com os dias de declínio da URSS são precipitadas. Houve de facto uma mudança na Rússia desde 24 de fevereiro, mas as brechas no edifício do Putinismo são difíceis de discernir. A maioria dos russos têm apoiado, ainda que não de forma explícita, a guerra, ou têm tolerado silenciosamente a sua campanha de restauração imperial.

As taxas de classificação do líder do Kremlin não foram afetadas pela guerra. Tanto a WCIOM como a agência de sondagens independente Levada-Center classificam regularmente Putin acima dos 80% desde 24 de fevereiro. Em junho, um inquérito da WCIOM revelou que 72% dos russos eram suscetíveis de apoiar a "operação militar especial" de Putin, o eufemismo oficial para a guerra na Ucrânia.

Como é que Putin está a conseguir manter as suas taxas de aprovação?

É tentador concluir que estes números só refletem o poder da propaganda estatal russa e a sua vertiginosa capacidade de construir uma realidade alternativa, na qual os navios de guerra russos não são afundados por mísseis ucranianos e as bases russas explodem por acidente.

Afinal de contas, o governo russo avançou rapidamente após a invasão para encerrar os restos da imprensa livre russa, introduzindo uma nova lei draconiana que impunha sanções penais severas à " falsificação" de informação, desacreditando as suas forças armadas.

Mas isso não significa que nenhuma informação esteja a ser divulgada sobre as perdas desastrosas da Rússia na Ucrânia. O site de notícias independente russo Mediazona, que foi rotulado como “agente estrangeiro” no ano passado pelas autoridades russas, documentou 5.185 mortes militares, com base em reportagens locais e publicações nas redes sociais.

As classes médias mais abastadas do país foram presumivelmente isoladas do impacto da guerra. Muitos dos mortos em combate são de regiões mais pobres da Rússia. O jornal Mediazona descobriu que estas regiões, intituladas “repúblicas étnicas” do Daguestão e Buryatia, apresentam o maior número de baixas documentadas. Em contraste, as baixas das duas cidades mais ricas e populosas da Rússia, Moscovo e São Petersburgo, têm sido relativamente baixas, segundo informações do mesmo jornal.

A popularidade de Putin é por vezes marcada por uma atmosfera de medo e conformidade. Segundo a OVD-Info, um grupo independente que segue detenções na Rússia, 16.380 pessoas foram presas ou detidas por ativismo antiguerra na Rússia, e 75 casos criminais foram abertos sob a lei russa de “notícias falsas”.

Não é de admirar que a invasão russa da Ucrânia tenha reavivado a discussão entre os estudiosos sobre se o regime de Putin deve ou não ser rotulado de fascista. Esta pode parecer em grande medida uma questão de taxonomia, mas ela aponta para uma realidade inequívoca: Depois de 24 de fevereiro, termos como “autocrático” ou “autoritário” são inadequados para descrever um estado que não tolera qualquer dissidência interna.

O presidente russo Vladimir Putin admira as tropas no desfile do Dia da Marinha russa, em São Petersburgo, a 31 de julho de 2022.

Será que a opinião pública vai mudar?

Dito isto, alguns observadores questionam-se até quando é que Putin pode contar com o apoio de amplos grupos do público russo no meio das sanções internacionais severas que isolaram a Rússia da economia global e reduziram drasticamente a oferta de importações. O investimento ocidental abandonou o país. Os setores da economia tais como a aviação, que há muito dependem dos aviões fabricados nos Estados Unidos ou na Europa, sofreram um grande impacto.

À semelhança do que Clare Sebastian da CNN referiu recentemente, Putin e os seus tecnocratas têm trabalhado durante anos para sancionar a economia russa, através da substituição de importações, desenvolvendo produtos próprios para substituir produtos importados, e desenvolvendo um sistema de pagamentos para evitar o isolamento financeiro.

A Rússia transformou o esquisito rebranding das marcas McDonalds e Starbucks em contos de resistência económica.

Porém, um estudo recente do Instituto de Liderança do Chefe do Executivo da Escola de Gestão de Yale apresenta uma imagem mais horrenda de todo este conflito.

Os autores do estudo argumentam que a Rússia não dispõe de infraestruturas que lhe permitam criar exportações de energia, tais como gás natural para a Ásia. Os fabricantes russos carecem de peças de fornecedores internacionais e as estatísticas oficiais russas estão a dar conta da gravidade do recuo económico da Rússia.

“Apesar dos delírios de autossuficiência e substituição de importações de Putin, a produção interna russa chegou a um impasse total, sem capacidade para substituir negócios, produtos e profissionais perdidos”, diz o relatório. “O esvaziamento da base de inovação e produção interna da Rússia levou ao aumento dos preços e à angústia dos consumidores”.

Ainda assim, o sistema financeiro russo não entrou em colapso, e a ansiedade dos consumidores não se manifestou em desordem política. Para a Ucrânia e os seus apoiantes, a conversa mudou para a busca de formas de infligir dor aos russos pelo seu apoio passivo a Putin.

“Estamos a preparar novas sanções contra a Rússia e a incentivar os cidadãos do Estado terrorista a sentirem a sua quota-parte de responsabilidade pelo que está a acontecer”, disse o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky num discurso recente. “A discussão sobre restrições de vistos na Europa para titulares de passaportes russos está a expandir-se todos os dias, mais países e mais políticos estão a juntar-se”.

Não é claro se uma interdição de vistos acabaria por mudar o comportamento russo. Alguns líderes europeus, nomeadamente o Chanceler alemão Olaf Scholz, têm-se mostrado relutantes em apoiar esta interdição. Ao discursar numa recente conferência de imprensa em Oslo, Scholz disse aos repórteres que os líderes tinham de ser “muito claros” sobre a questão da interdição de vistos, uma vez que as ações na Ucrânia são “a guerra de Putin” e “não a guerra do povo russo”.

E embora Putin tenha a última palavra, há também uma elite que o apoia e ajuda a realizar as suas políticas. Sejam quais forem as consequências económicas que enfrentem das sanções, os leais oligarcas de Putin ainda não quebraram as fileiras.

“A guerra de Putin com a Ucrânia já dura há 6 meses", escreveu o líder russo da oposição Alexey Navalny encarcerado, no que ele chamou de "reflexões de fúria" por detrás das grades. "Desde o primeiro dia, os líderes ocidentais afirmaram firmemente que os oligarcas e subornados de Putin enfrentariam sanções iminentes e não escapariam desta vez. Mas escaparam”.

É um retrato sombrio, e um que sugere que Putin, que já sobreviveu ao escárnio dos líderes mundiais, está disposto a fazer um longo jogo nesta situação. Talvez esteja a contar com o facto de que, nos próximos seis meses, os europeus estarão a pagar preços mais elevados pela energia, potencialmente aumentando a pressão sobre os governos para pressionar a Ucrânia a submeter-se a um acordo de paz. O Inverno está a chegar, mas os ucranianos também estão a lutar pela sua sobrevivência nacional.

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