A Finlândia está prestes a pedir para entrar na NATO. Eis porque isso é uma má notícia para Putin

CNN , Luke McGee
11 mai 2022, 09:30

ANÁLISE. A invasão da Ucrânia por Vladimir Putin saiu pela culatra em várias frentes. Mas uma das consequências mais desastrosas para o Presidente russo é a perspetiva cada vez mais provável de a Finlândia se juntar à NATO.

Espera-se que a nação nórdica anuncie o seu interesse na adesão à NATO esta semana, depois da sua Comissão dos Negócios Estrangeiros redigir uma resposta ao relatório de segurança do governo – que inclui a opção de ingressar na aliança. Depois disso, o parlamento finlandês realizará um debate extraordinário sobre a aprovação das recomendações do relatório de segurança.

Nessa altura, é muito provável que a NATO convide o país a pronunciar-se sobre a adesão à aliança.

Acredita-se amplamente que isso aconteceria muito rapidamente, já que a Finlândia já atende à maioria dos critérios e é altamente improvável que algum membro da NATO se oponha.

Várias sondagens de opinião recentes mostraram que pelo menos 60% dos finlandeses são agora a favor da adesão à NATO, um grande salto em relação a um pico anterior de cerca de 30%.

Se tudo acontecer como esperado, este país de menos de seis milhões de pessoas terá redesenhado o mapa de segurança europeu de uma forma que antes era inconcebível, o que pode ter consequências tremendas para a Rússia.

O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg

Antes de invadir a Ucrânia, Putin deixou clara a sua crença de que a NATO se aproximara demais da Rússia, pelo que deveria regressar às suas fronteiras dos anos de 1990, antes que alguns países vizinhos da Rússia ou ex-estados soviéticos se juntassem à aliança militar.

A Rússia partilha atualmente cerca de 1.200 quilómetros de fronteira terrestre com cinco membros da NATO, de acordo com a aliança. A adesão da Finlândia significaria que uma nação com a qual a Rússia partilha uma fronteira quase 1.300 quilómetros se tornaria formalmente alinhada militarmente com os Estados Unidos.

Não só isso seria uma má notícia para o Kremlin, como a soma da Finlândia seria uma grande vantagem para a NATO. Apesar da sua população relativamente pequena, a Finlândia é séria uma potência militar, que está alinhada não oficialmente com o Ocidente há décadas. Os seus militares usam há décadas equipamentos comprados aos Estados Unidos que são compatíveis com os aliados da NATO, o que significa que podem facilmente juntar-se a missões da NATO, se assim o desejarem.

Membros europeus da NATO. A amarelo claro, os que se juntaram à aliança antes de 1991. A amarelo escuro, os que se juntaram depois. 

Ideologia de "sobrevivência"

Muitos acreditam que a única razão pela qual a Finlândia não se juntou à aliança antes da crise na Ucrânia foi simples pragmatismo.

"A segurança finlandesa sempre foi baseada em dois conceitos: primeiro geografia e história; segundo idealismo e realismo", disse Alexander Stubb, ex-primeiro-ministro da Finlândia, à CNN.

"Num mundo ideal, queremos cooperar com a Rússia, da qual não podemos deixar de ser vizinhos geográficos. Mas também sabemos pela história que a maior ameaça realista à nossa segurança nacional é a Rússia. Com o tempo, a realidade de que a Rússia está disposta a criar o caos na nossa região ficou ainda mais clara, pelo que ingressar na NATO torna-se a opção pragmática", disse.

Historicamente, a Finlândia navegou por essas realidades concorrentes, satisfazendo as preocupações de segurança da Rússia, por mais irracionais que possam ser, ao mesmo tempo em que mantém altos gastos com defesa e um exército permanente compatível com os aliados ocidentais.

"Sempre foi doida a ideia de que um país ocidental invadiria a Rússia, mas tentámos minimizar essas preocupações aumentando o comércio e cooperando noutras áreas", disse Charly Salonius-Pasternak, investigador líder em segurança global do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais.

O responsável acrescenta, no entanto, que além de políticas como o recrutamento - todos os homens finlandeses podem ser convocados para o serviço militar - e os altos gastos com defesa, os políticos finlandeses têm consistentemente vendido ao público a ideia de que o modo de vida idealista da Finlândia deve ser mantido a todo custo.

"A ideologia padrão da Finlândia tem sido a de sobrevivência. Nos últimos 100 anos, tornámo-nos um país forte e soberano com altos padrões de vida. Tivemos de sacrificar terras para manter a paz", disse Salonius-Pasternak. “Portanto, é de importância vital que o nosso modo de vida sobreviva, seja pela diplomacia pragmática ou adotando uma postura mais dura contra a nossa maior ameaça”.

Não há dúvidas de que a adesão da Finlândia à NATO seria um grande golpe para Putin. Não só significaria aqueles quase 1.300 quilómetros extra de fronteira partilhada com a aliança, mas simbolicamente iria mais longe ao unir a coligação anti-Putin, que surgiu desde a invasão da Ucrânia. Países que antes eram neutros estão agora a fornecer financiamento e armas à Ucrânia, e Putin é um pária internacional com menos aliados a cada dia que passa.

Isso também expandiria a influência da NATO no norte da Europa até o Ártico, uma área que está a tornar-se cada vez mais importante geopoliticamente, devido aos seus recursos naturais, localização estratégica e inúmeras reivindicações territoriais - incluindo da Rússia, da Finlândia e dos EUA.

A Suécia, vizinha da Finlândia a oeste, também está a considerar entrar na aliança - e a adesão da Finlândia tornaria isso ainda mais provável, já que os dois países estão numa jornada semelhante desde o início da crise na Ucrânia.

Resposta russa

Claro, há preocupações sobre como a Rússia pode reagir à Finlândia a expressar o seu desejo de juntar-se à NATO.

Martti Kari, que antes atuou como chefe assistente de inteligência de defesa da Finlândia, disse à CNN que a Rússia já está a iniciar uma campanha de desinformação contra ela. "O tema principal é que a Finlândia é um país nazi, porque lutámos contra a União Soviética na Segunda Guerra Mundial ao lado da Alemanha nazi", afirmou.

Ele prevê que a Rússia poderia violar o espaço aéreo da Finlândia e interromper as suas atividades no mar, incluindo o transporte marítimo, além de aumentar as suas operações de inteligência contra o país.

Håkon Lunde Saxi, professor associado do Norwegian Defense University College, acha que qualquer movimento para a adesão da Finlândia à NATO "provavelmente resultaria num aumento militar russo ao longo da nova fronteira da NATO com a Rússia, o que por si só não seria benéfico para a Finlândia ou para a segurança europeia."

Sanna Marin, primeira-ministra da Finlândia

Contudo, ele acredita que os benefícios superariam de longe as "possíveis consequências negativas de uma presença militar russa um pouco maior ao longo da fronteira com a Finlândia".

Apesar das preocupações sobre o que aconteceria no período interino, em que a Finlândia não seria protegida pela adesão à NATO, mas estaria em negociações, vários funcionários disseram à CNN que esperam que os membros da aliança, principalmente o Reino Unido e os EUA, garantam a segurança finlandesa nesse processo.

Claro, nada é certo até que a Finlândia dê o primeiro passo para declarar a sua intenção. Mas com a aprovação popular, apoio político e a Rússia a dar todos os motivos para outro dos seus vizinhos se juntar ao seu odiado rival, há poucas dúvidas de que a aposta de Putin para diminuir a influência da NATO na Europa saiu espetacularmente pela culatra.

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