A demonstração de fraqueza de Putin

CNN , Nathan Hodge
9 mai 2023, 19:38

ANÁLISE Como o "Dia da Vitória" em Moscovo mostrou um presidente isolado, contra a História - e até criticado

Putin tentou projetar força mas o desfile do Dia da Vitória em Moscovo revelou apenas o seu isolamento

Para o presidente russo, Vladimir Putin, o desfile do Dia da Vitória deste ano na Praça Vermelha foi uma oportunidade para continuar a sua guerra contra a História. Mas conseguiu apenas sublinhar o seu isolamento geopolítico.

Num discurso perante as tropas, Putin traçou uma linha direta entre a sua invasão da Ucrânia e os sacrifícios da Segunda Guerra Mundial. Ladeado por veteranos sobreviventes daquilo a que a Rússia ainda trata como Grande Guerra Patriótica, o presidente russo apresentou-se como salvador e defensor de uma Rússia em apuros, alvo das “elites globalistas” do Ocidente.

“Hoje, a civilização está novamente num ponto de rutura”, disse Putin. “Mais uma vez, foi desencadeada uma verdadeira guerra contra a nossa pátria”.

Embora a Rússia não veja “nenhuma nação hostil no Ocidente ou no Oriente”, Putin sugeriu que forças mais obscuras estão a conspirar contra Moscovo.

“As elites globalistas ocidentais continuam a falar do seu excecionalismo, colocando as pessoas umas contra as outras e dividindo a sociedade, provocando conflitos sangrentos e golpes de Estado, semeando o ódio, a russofobia e o nacionalismo agressivo”, afirmou. “A nação ucraniana tornou-se refém de um golpe que conduziu a um regime criminoso liderado pelos seus senhores ocidentais. Tornou-se um peão dos seus planos cruéis e egoístas".

Apesar da pompa do desfile, Putin é uma figura cada vez mais isolada. Dmitry Astakhov/Sputnik/AP

Vale a pena analisar isto por um momento. Putin considera, desde há muito, que a Ucrânia não é uma nação legítima - ucranianos e russos, na sua opinião, são “um só povo” e o Estado ucraniano é uma construção artificial. Na sua visão conspirativa do mundo, Estados como a Ucrânia são meros vassalos, e Washington é que manda. E se uma cabala global obscura está a puxar os cordelinhos em Kiev, essa crença justifica aquilo a que a Rússia chama de a sua “operação militar especial” na Ucrânia.

Lembremo-nos de que foi uma verdadeira revolta popular - e não, digamos, a CIA ou George Soros - que levou as pessoas à Praça Maidan, em Kiev, para apoiar as aspirações da Ucrânia de aderir à União Europeia, levando à expulsão do presidente pró-russo da Ucrânia em 2014. E que os ucranianos de língua russa - e mesmo alguns cidadãos russos - também estão a lutar e a morrer do lado da Ucrânia.

Mas Putin é imune aos exercícios de verificação de factos. A memória coletiva da Segunda Guerra Mundial é a coisa mais próxima que a Rússia tem de uma religião de Estado, e o dia 9 de Maio - quando os russos comemoram a vitória sobre a Alemanha nazi em 1945 - é o dia mais sagrado. Para o público interno, o desfile do Dia da Vitória proporciona um paralelo visual entre os veteranos da guerra que terminou há 78 anos e os participantes atualmente da guerra da Rússia contra a Ucrânia.

O desfile deste ano foi um evento mais reduzido do que o habitual. Foto AP Alexander Zemlianichenko

De acordo com os média estatais, mais de 500 participantes da chamada “operação militar especial” da Rússia na Ucrânia participaram no desfile na Praça Vermelha, esta terça-feira. E no seu discurso, Putin apresentou-os como os herdeiros da vitória na Grande Guerra Patriótica. Não é de estranhar que os ucranianos estejam a reagir contra este tipo de encandeamento histórico.

Em comentários gravados em vídeo, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que tinha apresentado um projeto de lei à Verkhovna Rada - o parlamento ucraniano - para mudar as celebrações oficiais do dia da vitória de 9 para 8 de maio, e comparou a agressão da Rússia à da Alemanha de Hitler.

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“É no dia 8 de maio que a maioria das nações do mundo recorda a grandeza da vitória sobre os nazis”, afirmou Zelensky. “Não permitiremos que a vitória conjunta das nações da coligação anti-Hitler seja apropriada e não permitiremos mentiras como se a vitória pudesse ter ocorrido sem a participação de qualquer país ou nação.”

Zelensky também recebeu uma visita importante em Kiev, no mesmo dia do desfile do Dia da Vitória de Putin: a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que chegou com promessas de apoio contínuo da Europa à Ucrânia.

“A Ucrânia está na linha da frente da defesa de tudo aquilo que nós, europeus, prezamos: a nossa liberdade, a nossa democracia, a nossa liberdade de pensamento e de expressão”, afirmou von der Leyen. “A Ucrânia está a lutar corajosamente pelos ideais da Europa que hoje celebramos. Na Rússia, Putin e o seu regime destruíram estes valores. E agora estão a tentar destruí-los aqui na Ucrânia, porque têm medo do sucesso que vocês representam e do exemplo que dão, e têm medo do vosso caminho para a União Europeia”.

Na conferência de imprensa conjunta com von der Leyen, Zelensky conseguiu “fazer chover” um pouco no desfile do Dia da Vitória de Putin, salientando os progressos dispendiosos e incrementais da Rússia no campo de batalha.

Um único tanque T-34, da era soviética, lidera o desfile em Moscovo, em contraste com a grande variedade de equipamento militar em exibição nos anteriores desfiles do Dia da Vitória. Foto AP Photo Dmitri Lovetsky

“Eles [os russos] não conseguiram capturar Bakhmut”, disse, referindo-se à cidade do leste ucraniano que se encontra em estado de guerra e está muito danificada. “Esta era a última operação militar importante que eles queriam concluir até 9 de maio. E, infelizmente, a cidade já não existe. Está tudo completamente destruído. Por isso, precisam de alguma informação para apresentar como uma vitória, precisam de conquistar alguma coisa - alguma cidade - [mas] não conseguiram fazer isso”.

As celebrações anuais do Dia da Vitória na Rússia são supostamente um grande espetáculo público que se conjuga com uma ação de propaganda ao poder do Estado. O desfile deste ano mostrou algum do poderio militar da Rússia - com o sistema de defesa aérea S-400 e os lançadores de mísseis balísticos intercontinentais Yars, que fazem parte do arsenal nuclear de Moscovo - mas uma procissão maciça de tanques modernos, o orgulho do exército russo, esteve conspicuamente ausente.

E a visita de von der Leyen a Kiev realçou o isolamento de Putin em relação à Europa e ao Ocidente. Entre os visitantes de maior relevo presentes nas celebrações do Dia da Vitória de Putin encontravam-se um presidente sancionado pela UE (Alexander Lukashenko, da Bielorrússia), um homem forte da Ásia Central (Emomali Rahmon, do Tajiquistão) e o líder dinástico de um petro-Estado (Serdar Berdymukhamedov, do Turquemenistão).

Apesar de meses de combates, Zelensky salientou que as forças russas não conseguiram capturar Bakhmut.

Nos campos de batalha da Ucrânia, os reveses sofridos pelas forças russas na batalha “de carne para canhão” de Bakhmut não podiam ser mais contrastantes com a pompa e a circunstância na Praça Vermelha.

Este facto foi evidenciado por Yevgeny Prigozhin, o chefe do grupo de mercenários russos Wagner, que se insurgiu nas redes sociais contra a liderança militar da Rússia.

“Hoje, eles [os ucranianos] estão a rasgar os flancos na direção de Artemovsk [nome russo de Bakhmut], reagrupando-se em Zaporizhzhia. E uma contraofensiva está prestes a começar”, afirmou nas redes sociais esta terça-feira. “Eles dizem claramente que a contraofensiva será no terreno e não na televisão”.

O Dia da Vitória, acrescentou Prigozhin, pertence a uma geração passada.

“O Dia da Vitória é a vitória dos nossos avós”, disse. “Não conquistámos essa vitória, nem um milímetro.”

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