Taiwan observa a China enquanto a China e o mundo observam a Ucrânia

CNN , por Brad Ledon
14 mar 2022, 08:37
Manifestantes contra a invasão da Ucrânia pela Rússia reúnem-se à porta do Gabinete de Representação da Rússia em Taipé, Taiwan, a 26 de fevereiro de 2022

A China está a acompanhar atentamente o que se passa na Ucrânia para avaliar a sua própria estratégia em relação a Taiwan, alertou o Ministro dos Negócios Estrangeiros da ilha.

“Enquanto observamos a evolução dos eventos na Ucrânia… também estamos a observar com atenção aquilo que a China pode fazer a Taiwan”, disse Joseph Wu numa conferência de imprensa, na segunda-feira passada.

Alguns analistas estabeleceram paralelos entre os desígnios russos na Ucrânia e o receio em relação ao futuro de Taiwan - uma ilha democrática autónoma que Pequim reivindica como sua, sem nunca descartar a possibilidade de tomá-la à força.

“O perigo está nos líderes chineses pensarem que a reação ocidental à agressão russa é fraca e incoerente, não causando qualquer impacto. Os chineses podem encarar isso como uma lição positiva”, acrescentou Wu ao discutir medidas adicionais que Taiwan está a tomar para ajudar a Ucrânia.

Questionado sobre estar preocupado que a crise na Ucrânia torne mais ou menos provável que a China faça uma jogada semelhante, Wu disse que o mundo assistiu a uma “expansão do autoritarismo”, frisando a declaração conjunta feita pela China e pela Rússia, no mês passado.

“O presidente Xi Jinping também falou sobre o rejuvenescimento da nação chinesa, incluindo o aumento do contingente militar à volta da China”, disse Wu.

A China recusou-se repetidamente a condenar as ações russas na Ucrânia e o Ministro dos Negócios Estrangeiros do país, Wang Yi, descreveu as relações entre Pequim e Moscovo como “sólidas”.

Democracias aliadas

Os comentários de Wu repercutiram as observações que tinha feito numa entrevista à CNN no ano passado, na qual caracterizou Taiwan como uma das ambições da China.

“Trata-se do autoritarismo chinês a tentar expandir a sua própria influência... muito além das suas fronteiras, até mesmo no hemisfério ocidental”, disse Wu em junho de 2021. “Querem impor o seu governo autoritário e uma ordem internacional autoritária”.

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky já avisou os governos ocidentais que a guerra da Rússia não vai parar nas fronteiras do seu país - e que um ataque às liberdades na Ucrânia afetará o resto do mundo.

“Estamos nesta zona de liberdade. E quando os limites dos direitos e das liberdades são violados e pisados, vocês têm de nos proteger. Porque nós somos os primeiros, mas vocês serão os próximos”, disse Zelensky à ABC News.

Zelensky pediu à NATO e ao Ocidente que apoiassem mais a Ucrânia, que já recebeu um aumento de ajuda militar nas últimas semanas, incluindo mísseis antiaéreos e antiblindados.

É o mesmo tipo de ajuda que os EUA fornecem há décadas a Taiwan, ao abrigo da Lei de Relações com Taiwan, que garante que Washington providenciará armas à ilha, à luz de uma possível agressão militar, mas não se compromete a defendê-la, como faria com os seus aliados da NATO, com o Japão ou com a Austrália.

Mas Wu, ministro dos Negócios Estrangeiros de Taiwan, disse na segunda-feira passada que as democracias do mundo se uniram em apoio à Ucrânia. “Tenho a certeza de que os chineses terão esse facto em consideração”, acrescentou Wu.

A China deixou claro que apoia o apelo de Moscovo de reduzir a expansão da NATO, com os analistas a observar que a China vê paralelos com a presença europeia na organização e a abordagem cada vez mais unida dos aliados dos EUA na Ásia - com Wang, o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, a condenar na segunda-feira a estratégia de Washington de criar “uma versão Indo-Pacífica da NATO” destinada a manter “o sistema de hegemonia liderado pelos EUA.”

“(A China e a Rússia) partilham dois interesses estratégicos principais”, disse Steve Tsang, diretor do SOAS China Institute da Universidade de Londres. “Uma delas é reduzir um pouco a liderança global norte-americana. A segunda é tornar o mundo seguro para o autoritarismo.”

Uma dinâmica diferente

Pequim rejeitou as comparações entre a situação na Ucrânia e as suas alegações sobre Taiwan, com Wang a reiterar que “Taiwan é uma parte inalienável do território da China, e a questão de Taiwan é um assunto interno exclusivamente da China.”

Enquanto isso, Taiwan quis garantir que o mundo soubesse que está do lado da Ucrânia. A presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, disse que a ilha sente “empatia” pela situação da Ucrânia, dada a sua experiência com “as ameaças militares e intimidações por parte da China”.

O governo de Taipé anunciou recentemente que iria doar 27 toneladas de material médico à Ucrânia, e centenas de pessoas reuniram-se em Taipé no domingo para mostrar apoio ao governo de Kiev.

Entre os manifestantes estavam ucranianos que vivem em Taiwan e legisladores taiwaneses. Acenaram bandeiras da Ucrânia e de Taiwan e empunharam cartazes que diziam “sem guerra” e “Taiwan está com a Ucrânia”.

Mas, no Pacífico, pode ser mais importante quem está com Taiwan. E, nesse caso, os analistas afirmam que a dinâmica é consideravelmente diferente.

“Se a China passasse a controlar Taiwan, mais do que qualquer outra coisa, isso ajudaria a estabelecer a hegemonia regional. Os líderes chineses entendem que, para os Estados Unidos, os riscos são diferentes e a reação seria provavelmente muito diferente”, disse David Sacks, investigador do Conselho de Relações Externas de Nova Iorque.

A chave para isso pode ser a postura de um dos mais importantes aliados militares de Washington, o Japão.

O país adotou uma linha firme em relação a Taiwan, nos últimos anos, observando que a situação à volta da ilha é importante para a segurança do Japão, segundo informações oficiais do Ministério da Defesa do Japão, divulgadas em julho.

Em entrevista à CNN, no ano passado, o Ministro da Defesa japonês, Nobuo Kishi, esclareceu a ligação. “O que está a acontecer em Taiwan está diretamente ligado ao Japão”, disse ele, observando que a ilha se situa na “linha de vida energética” do seu país.

“Noventa por cento da energia que o Japão usa é importada através das zonas ao redor de Taiwan”, disse Kishi.

“O que acontece em Taiwan pode, provavelmente, ser um problema para o Japão e, nesse caso, o Japão terá que dar a resposta necessária à situação”, disse Kishi.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang, relembrou Tóquio sobre a sensibilidade e importância de Taiwan nas relações entre China e Japão, dizendo que o assunto é “fundamental” para a confiança mútua.

“Se essa base for abalada, tudo o que estiver acima não conseguirá ficar de pé”, alertou. “Esperamos que o Japão honre os vários compromissos solenes... para evitar graves perturbações nos nossos laços bilaterais, no futuro.”

Simone McCarthy, da CNN, contribuiu com relatos de Hong Kong e Will Ripley e Eric Cheung contribuiu de Taipé, Taiwan.

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