Sofia Baptista, correspondente médica da CNN Portugal, está em contacto permanente com médicos na Ucrânia. E transformou numa carta um relato de Volodymyr Suskyi, médico que está em Kiev.
Cara Sofia,
Antes de mais peço que me desculpes por apenas conseguir escrever-te agora. Neste momento, estou no abrigo subterrâneo, ainda há pouco soaram as sirenes de aviso aqui em Kiev, nunca sabemos quando ocorrerá um bombardeamento. Daqui sairei directamente para o hospital.
Perguntaste como estão as coisas no hospital. Estamos todos a trabalhar sem parar, praticamente vivemos no hospital. Às vezes conseguimos ir descansar um pouco a casa. Estamos a assistir militares feridos e a fazer cirurgias urgentes a civis. Pode dizer-se que a situação, para já, está sob controlo. A mesma sorte não têm outros hospitais aqui de Kiev.
Em pouco mais de uma semana, tivemos nos adaptar-nos; todos os dias surgem situações com as quais nunca antes nos tínhamos deparado e temos que encontrar soluções rápidas. É uma medicina diferente que praticamos, mas, tal como antes, todas as vidas contam para nós.
Vou narrar-te um exemplo. Temos um doente em ECMO [1] há mais de 50 dias, aguarda transplante pulmonar. Infelizmente, o equipamento que fornecia o oxigénio para o hospital deixou de funcionar devido a uma explosão que ocorreu nas imediações. Ficamos sem oxigénio. Então, ligámos dois concentradores de oxigénio à ECMO – nunca tínhamos pensado em tal situação, mas não havia outra opção. A ECMO não podia parar – não podíamos perder aquele doente. A situação de fornecimento de oxigénio foi reposta passados dois dias, mas temos muito medo que o cenário se repita.
Cara Sofia, tenho de ir. Deixa-me apenas dizer-te que sinto a Ucrânia mais unida do que nunca. Estamos a dar o nosso melhor. Sentimos o apoio que nos tem chegado de todos vós.
Obrigado.
Volodymyr Suskyi, intensivista e anestesiologista
Março de 2022, Kiev, Ucrânia
[1] ECMO – extracorporeal membrane oxygenation (oxigenação por membrana extracorporal)
Texto por Sofia Baptista, Correspondente Médica CNN Portugal, a partir do relato de Volodymyr Suskyi.
Este texto não está escrito ao abrigo do novo artigo ortográfico.