Perguntámos o que esperar das negociações de cessar-fogo. E a meio surgiu isto: "A dignidade e a coragem dos ucranianos fez o Ocidente assumir as suas responsabilidades"

28 fev 2022, 01:10
Volodymyr Zelensky (Créditos: Getty Images)

Esta é uma análise às negociações de cessar-fogo previstas para esta segunda-feira entre a Rússia e a Ucrânia: o que esperar, o que será um bom ou mau resultado. O comentador da CNN Azeredo Lopes e o major-general Agostinho Costa fazem considerações que são de leitura essencial para se entender o contexto das negociações - mas também essenciais para se entender outro facto - como a Ucrânia está a mudar o Ocidente enquanto combate a Rússia

Kremlin mostrou-se disponível esta domingo para iniciar conversações para um cessar-fogo em Minsk, a capital da Bielorrússia. E chegou a enviar uma comitiva para a cidade de Gomel. Mas, apesar de querer negociar a paz, a Ucrânia não aceitou fazê-lo em território bielorrusso: o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky alegou que o país liderado por Alexander Lukashenko serviu de base para o ataque de Moscovo a Kiev e insistiu que o encontro deve acontecer num território que não seja hostil à Ucrânia, como Varsóvia, Bratislava, Budapeste ou Baku. O encontro foi finalmente marcado junto ao rio Pripyat, na fronteira com a Bielorrússia e perto de Chernobyl - território controlado pelos russos.

O local escolhido pode ser um factor a ter em conta nesta análise: inicialmente a Ucrânia queria um terreno neutro. "Faz algum sentido, a Bielorrússia é um país alinhado com a Rússia", considera o major-general Agostinho Costa, à CNN Portugal. "Mas entretanto mudaram a opinião e isso pode indiciar que o bom-senso tenha prevalecido - as partes orientarem-se para aquilo que é fundamental: as negociações", diz. "O importante é como cada uma das partes vê a negociação e perceber se os russos vão exigir a capitulação dos ucranianos, que é o mais provável", acrescenta. O major-general ressalva ainda assim que "a Rússia não está em condições de exigir uma rendição incondicional" - tem vantagem operacional, mas não ganhou a guerra. 

Para Azeredo Lopes, comentador da CNN Portugal, o objetivo das negociações só pode ser um cessar-fogo da parte da Ucrânia. "Tanto é assim que Zelensky admitiu que nem sequer se deslocaria à Bielorrússia porque considerava que não seria possível uma negociação enquanto a Rússia estivesse a atacar." Assim, refere o comentador, encontrou-se um ponto intermédio, mas a vários níveis: a Rússia não faz qualquer ultimato para iniciar as negociações -  houve uma altura em que só aceitaria negociar se a Ucrânia se rendesse e até apelou ao golpe (sugerindo que os militares russos tomassem o poder pelas próprias mãos); por outro lado, nos últimos dias houve mudanças significativas do lado ocidental, como o facto de a Alemanha ter acabado com o Nordstream 2. "Putin nunca terá imaginado isso. Foi como um ferro em brasa para a Rússia", sublinha Azeredo Lopes. Depois, a cada dia que passa, as sanções são mais intensas e com precisão cirúrgica. "O SWIFT é uma coisa muito importante, que vai custar muito à Rússia. E devemos isto aos ucranianos. A dignidade e a coragem deles têm-nos empurrado para assumirmos as nossas responsabilidades". 

Azeredo Lopes vinca que a posição de Putin está a ficar cada vez mais crispada, com declarações mais violentas ao longo de cada intervenção: "Quando um líder bélico como Putin, em relação à pequenina Ucrânia, começa a usar uma linguagem nestes termos, isto normalmente não é um sinal de força".

Do ponto de vista logístico, a Rússia tem estado em dificuldades. "Isso significa que, quando as negociações começarem, a Ucrânia estará numa situação menos desfavorável do que a Rússia pensaria", acrescenta Azeredo Lopes. "Os russos pensavam que a Ucrânia iria chegar, entregar as armas e pedir clemência. Diferentemente do que se esperaria, a Ucrânia não vai aparecer em Gomel como esmagada. Não parece estar a correr nada como Putin esperava."

Uma guerra como no Iraque

Por sua vez, Paulo Portas afirmou este domingo no seu habitual comentário na TVI (órgão do mesmo grupo da CNN Portugal) que "a Rússia chega à negociação com mais resistência do que alguns supunham" mas que isso é um prenúncio do que pode ser uma guerrilha longa para a Rússia. Numa altura em que as duas maiores cidades da Ucrânia estão sob ataque, Paulo Portas realça que a Rússia tem a vantagem militar e a dissuasão nuclear em alerta. 

Trata-se de uma opinião partilhada pelo major-general Agostinho Costa, que considera que se "caminha para uma guerra prolongada" porque mesmo que as operações militares convencionais pendam favoravelmente para os russos, "a verdadeira guerra começa a seguir e aí os russos enfrentarão - muito mais na parte Ocidental do que no Leste - uma guerra subversiva ao nível do que os americanos encontraram no Iraque".

"Eles estão a fazer uma guerra para atingir objetivos políticos e alguns são negociáveis, outros não são", refere ainda o major-general, que acredita que o grande objetivo russo é exigir a neutralidade da Ucrânia e a não entrada para a NATO, além da anexação da Crimeia e o reconhecimento da independência de Donetsk e Lugansk nos seus limites provinciais.

"Mas há sempre espaço para negociações": o que esperar

"Uma negociação excelente seria um cessar-fogo imediato ou nos prazos mais breves", diz Azeredo Lopes. Paralelamente, o comentador  da CNN refere que uma abertura para salvaguardar a independência da Ucrânia também é uma boa negociação: "Seria um resultado impensável há quatro dias. A Ucrânia ganhou tanto respeito que acho que o vai poder invocar nas negociações". Ainda assim, aponta Azeredo Lopes, "a Ucrânia vai ter de propor alguma coisa e, nos últimos dias, deu a entender neutralidade".

Por outro lado, para Azeredo Lopes "seria péssimo se as negociações encerrassem sem quaisquer avanços e a continuidade do conflito". A par disso, "seria mau a Ucrânia sentir-se obrigada a fazer cedências humilhantes", sobretudo a nível territorial. É uma consideração semelhante à do major-general Agostinho Costa, que acredita que "Putin não vai 'desreconhecer' a independência destes dois territórios". Ainda assim, "seria de uma insensatez e de um suicídio político a Rússia querer anexar a Ucrânia".

Apesar de todas as dificuldades, Azeredo Lopes sublinha que "há sempre espaço para negociações" e "quem atua no plano internacional tem de estar sempre disposto a isso". Ainda assim, "é impensável haver um recuo nas sanções à Rússia a médio prazo". "Acredito que os países ocidentais não tem margem para recuar".

O major-general Agostinho Costa argumenta na mesma linha: "A Rússia já está com sanções desde 2014. As sanções fazem parte da equação e, quando se lança uma operação destas, sabe-se que há um preço a pagar. Também não estou a ver a UE e o Ocidente a levantarem as sanções mesmo que cheguem a um acordo".

Relacionados

Europa

Mais Europa

Patrocinados