Mykhaylo, Yuriy e Oleksander: localização atual - Portugal; localização desejada - Ucrânia. "Só tenho medo se ficar cá com os braços cruzados"

26 fev 2022, 22:34
Mykhaylo Shemliy (Imagem: Facebook)

As imagens das filas de ucranianos a tentar fugir do país repetem-se em vários lugares da fronteira. Só mulheres e crianças podem sair porque a lei marcial instituída pelo presidente Zelenski diz que homens maiores de idade têm de defender o país - mesmo que não queiram pegar nas armas. Em Portugal, a mais de 3000 quilómetros do conflito, estes três ucranianos ponderam fazer o movimento contrário - entrar na Ucrânia e participar na guerra

Mykhaylo Shemliy - Misha para os amigos - veio para Portugal, com os pais, há 15 anos, mas o resto da família ficou em Lviv, no oeste da Ucrânia. Avós, tios, primos, "uns 20 ou 25", não é capaz de precisar, mas visita-os quase todos os anos e os convívios são sempre numerosos. O jovem de 22 anos diz que "a única coisa positiva [até agora] foi não terem sido atingidos pelos bombardeamentos", e enaltece o armamento e preparação dos militares ucranianos, pois de outra forma "metade do país já nem existia".

É cidadão português há cerca de cinco anos e foi apresentado como o cabeça de lista do partido Volt por Santarém, mas Misha não esquece as responsabilidades para com o país que o viu nascer. "Tenho amigos no Ministério da Defesa ucraniano e tenho estado sempre em contacto com eles", conta à CNN Portugal.

"O perigo é grande em qualquer distrito. Estamos a planear como iremos agir". Evacuar as mulheres e deixar os homens "para defenderem a pátria" poderá ser o primeiro passo. E Misha quer estar presente, participar na guerra e na diplomacia. "Vou ver como corre o dia de hoje e amanhã, mas estou pronto para comprar um bilhete de ida a qualquer momento". Se for preciso ir para a Ucrânia, já tem um plano: viajará de avião até à Cracóvia, na Polónia, e seguirá de carro a partir de lá. "Não posso ter medo. É um dever", garante.

Se a situação não estabilizar, poderá arrancar dentro de uma semana. Até lá, a sua prioridade é delinear uma "missão diplomática" em Portugal para acolher os civis que fogem da guerra.

"Só tenho medo se ficar cá com os braços cruzados. A minha consciência ia remoer-me até ao resto da vida", diz Mykhaylo Shemliy

Há mais emigrantes ucranianos dispostos lutar pelo seu país na linha da frente, vários até com experiência militar, garante. "Já estávamos a prever um cenário assim", explica. O assunto já era discutido entre os membros da comunidade ucraniana em Portugal "há muito tempo". E o que tem a família a dizer sobre isso? "As mulheres nem vale a pena avisar, porque ninguém quer deixar os filhos e netos irem para a guerra". Por outro lado, "se ninguém for, não haverá quem o faça", e os homens da sua família também lá estarão. 

"Estou só à espera de ser chamado"

"Há um mês fui informar-me nas redes sociais sobre grupos que se voluntariam para ir para a guerra", conta Yuriy Komdra sobre o momento em que decidiu lutar pelo seu país de origem. Com 50 anos,está em Portugal há mais de duas décadas. "Já preenchi um formulário com os meus dados. Estou só à espera de ser chamado". Depois da invasão da Rússia na quinta-feira, acredita que será apenas uma questão de tempo até ser chamado. "Se não me contactarem, contacto eu", sublinha.

Yuriy mudou-se para Portugal para juntar dinheiro durante um ou dois anos, mas foi criando raízes com a chegada da esposa e o nascimento do filho. "Ele já tem 18 anos, está a estudar e por enquanto temos a nossa vida aqui", explica. Mas grande parte da família ainda está na Ucrânia, em Lviv. Lá moram os seus cinco irmãos, tios e primos, "umas 50 pessoas", tantas que algumas delas nem conhece bem. Costuma visitar o país todos os anos durante as férias e já lá tem uma casa que construiu com o dinheiro que juntou em Portugal. "Quando me reformar quero voltar e ficar lá até ao fim dos meus dias", confessa.

Questionado sobre as melhores recordações que tem da Ucrânia, graceja: "Se tiver que responder nunca mais me calo". Lembra a Páscoa, as idas à paróquia e à igreja, que são sempre diferentes em Portugal. "Não sei explicar. É o meu país". Sempre que regressa traz a saudade consigo, que só aumenta com a idade. "Quanto mais velho fico, mais falta sinto".

Todas as manhãs acompanha a televisão ucraniana por satélite para se informar, e assim que a ligou esta quinta-feira foi como se o mundo tivesse desabado - os arredores de Lviv tinham sido bombardeados durante a madrugada. Apressou-se a contactar um dos irmãos, que aparentava estar "muito traumatizado". "Ouvia-se sirenes por todo o lado", descreve Yuryi. "Só me dizia «falamos depois»". 

Ainda ninguém sabe da sua vontade de ir para combate, apenas a mulher e o filho, que muito dificilmente acabaram por aceitar. "Quero mostrar ao meu filho que devemos defender a nossa pátria", diz, confessando ainda que nunca esteve na guerra e gostaria de se pôr à prova.

"Claro que me assusta, mas quem vai para a guerra diz que passa a ser um trabalho como qualquer outro."

Yuriy Komdra (Imagem: Facebook)

"Vou guardar o meu país e a minha família"

Oleksander fez 38 anos esta semana e dias depois viu a Ucrânia ser invadida. Prefere manter a sua identidade no anonimato, com receio de represálias. Mudou-se sozinho para Portugal há dez anos, motivado por "melhores salários" e pela vontade de ajudar os seus tios financeiramente. A partir daí não desistiu. "Consegui um certificado de residência, um contrato de trabalho, comprei uma casa e até abri o meu próprio negócio de lavagem de carros", conta orgulhoso à CNN Portugal.

Uma década depois, as suas conquistas tornaram-se secundárias em apenas um dia. Em contacto com os seus familiares, que vivem em Kmenytskym, no interior do país, não esconde a sensação de impotência e a enorme necessidade de os ajudar. "Se eu for para a guerra; vou guardar o meu país e a minha família", diz.

A decisão ainda não foi partilhada com a família. "É uma notícia muito pesada" para lhes transmitir antecipadamente. Está certo de que não irão concordar, mas se a Ucrânia precisar de voluntários para combater garante que vai. "Hoje ainda não foi preciso, mas não se sabe o dia de amanhã", remata.

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