Esta frota misteriosa está a ajudar a Rússia a transportar petróleo para todo o mundo. E está a crescer

CNN , Julia Horowitz
3 mar 2023, 09:03
Extração de petróleo em Nefteyugansk, Rússia (Reuters)

Frota “sombra” terá já cerca de 600 navios, para transportar petróleo "fora do radar" das sanções. Mas há riscos - inclusive de segurança

O petróleo russo ainda está a encontrar caminhos para chegar a compradores de todo o mundo. Mas mesmo aqueles que passam os dias a seguir o seu movimento através dos oceanos enfrentam dificuldades para descobrir exatamente quem o transporta.

Com a escalada das sanções ocidentais contra a Rússia por causa da invasão da Ucrânia, mais navios se juntaram a uma frota existente de misteriosos petroleiros, prontos a facilitar as exportações de petróleo da Rússia.

Fontes internas da indústria estimam que a dimensão desta frota “sombra” seja de cerca de 600 navios, ou quase 10% do número global de grandes petroleiros. E os números continuam a subir.

Saber quem detém e opera muitos destes navios continua no entanto a ser um quebra-cabeças. À medida que o comércio de petróleo russo se tornou mais complexo ao longo do último ano, muitas empresas de expedição (shipping) ocidentais deixaram de prestar serviços. Mas novos e obscuros atores entraram em cena, alguns dos quais usando empresas de fachada no Dubai ou em Hong Kong. Alguns compraram barcos a europeus, enquanto outros exploram navios velhos que de outra forma poderiam ter ido parar ao ferro-velho.

“Está-se a ir mais fundo nas artes negras”, disse à CNN um executivo sénior de uma empresa de negociação de petróleo, referindo-se a esta opaca rede.

A frota-debaixo-do-radar aumentou a sua importância à medida que Moscovo tenta evitar trabalhar com empresas de shipping ocidentais, e à medida que o número de clientes na China e na Índia suplanta os da Europa, que agora estão proibidos de comprar petróleo russo por via marítima, bem como produtos refinados como o gasóleo. A entrega a clientes mais distantes requer barcos adicionais - e armadores dispostos a lidar com complexidade e risco legal acrescidos, especialmente depois de o G7 ter imposto limites de preços ao petróleo russo.

A expansão da frota-sombra vem salientar as mudanças dramáticas que a guerra da Rússia provocou no mercado mundial do petróleo. Na tentativa de continuar a operar, o segundo maior exportador mundial de crude redesenhou padrões comerciais que tinham décadas de existência e dividiu o sistema energético mundial em dois.

“Existe a frota que não está a fazer nenhum negócio com a Rússia, e depois existe a frota que está quase exclusivamente a fazer negócios com a Rússia”, afirma Richard Matthews, diretor de investigação da EA Gibson, um corretor internacional de navios. Apenas alguns navios, acrescenta, estão a fazer “um pouco das duas coisas”.

“Navios cinzentos" e “navios negros”

À medida que a Europa desmamou a sua dependência da energia russa, os clientes na Ásia fecharam mais negócios. A China aumentou as importações de petróleo russo para 1,9 milhões de barris por dia em média em 2022, mais 19% do que em 2021, de acordo com a Agência Internacional de Energia. A Índia aumentou as compras ainda mais acentuadamente, registando um aumento de 800%, para uma média de 900 mil barris por dia.

De acordo com a Kpler, uma empresa de dados e análises, as exportações de petróleo da Rússia para a China e para a Índia atingiram níveis recorde em janeiro, após a proibição europeia do petróleo russo por via marítima ter entrado em vigor. As exportações para a Turquia, outro cliente de topo, também continuaram a um ritmo acelerado. (A proibição de produtos petrolíferos refinados não entrou em vigor até fevereiro).

Petróleo russo vai para a Ásia em vez de para Europa
Exportações brutas para a China e para a Índia atingiram níveis recorde desde a invasão russa da Ucrânia, há um ano.

Gráfico: Julia Horowitz, CNN

 

Satisfazer estas encomendas requer barcos aptos para a viagem. A frota nacional russa não dispõe de navios suficientes. É aí que entra a “frota sombra”.

Matthew Wright, analista de carga sénior da Kpler, classifica os navios que transportam o crude russo em duas categorias: os “navios cinzentos” e os “navios negros”. Os navios cinzentos têm sido vendidos desde a invasão - principalmente por proprietários na Europa a empresas no Médio Oriente e na Ásia que não estavam anteriormente ativas no mercado dos petroleiros. Os navios negros, por outro lado, são veteranos das campanhas para evitar sanções ocidentais promovidas pelo Irão e pela Venezuela que recentemente mudaram para o transporte de crude russo.

“Há por vezes algumas provas de que eles têm vindo a disfarçar as suas atividades, desligando o seu transponder AIS”, diz Wright sobre os navios “negros”, referindo-se à tecnologia que ajuda a identificar e localizar navios.

Embora os países ocidentais tenham proibido a maioria das importações de petróleo russo, não há quaisquer regras que impeçam os navios ocidentais de fazer entregas a compradores como a China e a Índia, ou de prestar serviços como seguros - desde que sejam respeitados os limites de preços do G7. Os navios com proprietários europeus representaram 36% do comércio russo de crude em janeiro, de acordo com a Kpler.

Mas os riscos legais e reputacionais do não cumprimento dos limites máximos de preços são grandes. Ao mesmo tempo, a Rússia está ansiosa por deixar de trabalhar com empresas de expedição ocidentais. Isto levou ao desenvolvimento de uma nova corte, cuja maquilhagem é mais obscura - e cuja história é mais xadrezada.

“A frota negra que tem andado por aí a transportar petróleo venezuelano e iraniano a nível global, é algo que todos nós esperávamos que crescesse, e cresceu”, comenta Janiv Shah, analista sénior da consultora Rystad Energy.

Há uma razão para isso: enviar petróleo russo em viagens mais longas para a China ou Índia é menos eficiente do que enviá-lo para países próximos, como a Finlândia. A Rússia precisa agora de quatro vezes mais capacidade de transporte marítimo para o seu petróleo bruto do que antes da invasão, de acordo com a EA Gibson.

Como resultado, estima-se que 25 a 35 navios estejam a ser vendidos para a frota-sombra por mês, de acordo com outro executivo sénior de uma empresa de comércio de petróleo. A Global Witness, uma organização sem fins lucrativos, estima que um quarto das vendas de petroleiros entre finais de fevereiro de 2022 e janeiro deste ano tenha envolvido compradores desconhecidos, aproximadamente o dobro da proporção do ano anterior.

A procura poderá aumentar nos próximos meses se a China precisar de mais energia para impulsionar a sua recuperação económica.

Questões e riscos

Se uma percentagem maior da frota mundial estiver a ser utilizada para o petróleo bruto e produtos petrolíferos russos, isso “come” capacidade, aumentando os custos para todos os comerciantes de petróleo.

“Tem havido um aumento maciço de ineficiências na forma como o mercado de petroleiros funciona”, diz Wright, da Kpler.

Há também questões sobre quem gere, em última análise, a frota-sombra. Alguns suspeitam que uma parte das empresas de fachada que surgiram têm laços com “o Estado russo ou certos atores politicamente ligados”, segundo Sergey Vakulenko, antigo executivo de uma companhia petrolífera russa, agora scholar não residente no Carnegie Endowment for International Peace.

“A probabilidade de haver um grande derrame ou acidente cresce todos os dias”. Richard Matthews, diretor de investigação na EA Gibson

No fim-de-semana passado, a União Europeia impôs sanções à Sun Ship Management, uma subsidiária da Sovcomflot, a maior companhia de navegação russa. A UE disse que a empresa sediada no Dubai, e registada há uma década, tinha “operado como uma das principais empresas que gerem e operam o transporte marítimo de petróleo russo”, e que a “Federação Russa é o beneficiário final” das suas operações comerciais.

Além disso, peritos afirmaram que a frota-sombra pode estar a ajudar a Rússia a esquivar-se às sanções ou a vender o seu petróleo acima do limite de preços. E também está a tornar mais difícil discernir exatamente por quanto é que os barris da Rússia estão a ser vendidos. Especialistas, incluindo Vakulenko, encontraram provas em informações aduaneiras de que a Urals, a empresa referência do país, está a vender em portos chave por muito mais do que os preços oficiais indicam.

A segurança é também uma preocupação. Acredita-se que a frota negra tenha um grande contingente de navios com mais de 15 anos, idade em que as principais companhias petrolíferas normalmente os retirariam do serviço devido ao desgaste. Agora, mais navios destes estão a fazer viagens por todo o mundo.

“Existem todas estas embarcações antigas que provavelmente não estão a ter manutenção ao nível que deveriam ter”, afirma Matthews, da EA Gibson. “A probabilidade de haver um grande derrame ou acidente cresce todos os dias, à medida que esta frota cresce”.

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