"Eles odiavam-no". Como foi obedecer às ordens do novo comandante russo na Ucrânia

CNN , Por Sarah Dean
16 out 2022, 09:30
Coronel-General Sergey Surovikin, então comandante das forças russas na Síria, fala numa reunião no Ministério da Defesa russo, em Moscovo, a 9 de junho de 2017. (Imagem AP)

A guerra do presidente russo Vladimir Putin contra a Ucrânia tem sido devastadora e parece estar a fraquejar. Agora, há um novo general no comando, com a reputação de ser brutal.

Depois de a Ucrânia ter recentemente reconquistado mais território do que aquele que o exército russo ocupou nos últimos seis meses, o Ministério da Defesa russo nomeou, no passado sábado, Sergey Surovikin como o novo comandante-geral de operações na guerra.

Enquanto chefe de estado maior da Força Aérea russa, Surovikin desempenhou anteriormente um papel fundamental nas operações russas na Síria, durante as quais os aviões de combate russos causaram uma devastação generalizada em áreas controladas pelos rebeldes.

A CNN falou com um antigo tenente da força aérea russa, Gleb Irisov, que serviu sob o seu comando na Síria.

Irisov disse que Surovikin era "muito próximo do regime de Putin" e "nunca teve ambições políticas, por isso, executou sempre os planos exatamente como o governo queria".

Os analistas dizem que a nomeação de Surovikin não deverá trazer alterações na forma como as forças russas estão a levar a cabo a guerra, mas que é reveladora da insatisfação de Putin com as operações de comando anteriores. E também serve, em parte, para "apaziguar" a fação nacionalista e pró-guerra dentro da própria Rússia, segundo Mason Clark, especialista na Rússia no grupo de reflexão do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW).

O líder checheno Ramzan Kadyrov, que apelou a que a Rússia "tomasse medidas mais drásticas", incluindo a utilização na Ucrânia de "armas nucleares de baixa potência" na sequência dos recentes revezes, saudou a nomeação de Surovikin, que combateu pela primeira vez no Afeganistão nos anos 80, antes de comandar uma unidade na Segunda Guerra da Chechénia em 2004. O elogio de Kadyrov, que é um aliado-chave de Putin, é significativo, pois ele próprio é conhecido por ter esmagado todas as formas de dissidência.

"Pessoalmente, conheço muito bem o Sergey, há quase 15 anos. Posso sem dúvida dizer que é um verdadeiro general e guerreiro,  um comandante experiente, teimoso e visionário, que coloca sempre acima de tudo o patriotismo, a honra e o respeito", publicou Kadyrov nas redes sociais, na sequência da notícia da nomeação de Surovikin no sábado passado. "Todo o exército está agora em boas mãos", acrescentou.

O presidente russo, Vladimir Putin, recebeu no Kremlin a 28 de dezembro de 2017, membros das Forças Armadas russas que participaram nas operações na Síria, incluindo Sergey Surovikin.

"Eles odiavam-no"

Irisov, antigo subordinado de Surovikin, deixou a sua carreira de cinco anos nas forças armadas depois de uma comissão na Síria, porque as suas opiniões políticas entravam em conflito com o que viveu. "Claro que compreendemos quem está certo e quem está errado", disse Irisov. "Testemunhei muitas coisas, estando dentro do sistema".

Irisov começou então o que esperava ser uma carreira como jornalista internacional, como repórter militar na agência noticiosa estatal russa TASS. A sua esposa trabalhava lá e ele sentia na altura que era "a única agência noticiosa principal" que tentava cobrir as notícias de uma forma "imparcial", com "alguma oportunidade de liberdade de expressão", disse Irisov.

Gleb Irisov fotografado no início da sua carreira militar, durante o treino militar de inverno, perto de Moscovo, Rússia.
Gleb Irisov fotografado durante o seu serviço na Força Aérea russa, no exclave russo de Kaliningrado.

"Tudo mudou" a 24 de fevereiro de 2022, quando começou a invasão de Putin à Ucrânia e a TASS recebeu ordens do serviço de segurança do FSB e do ministério da defesa "de que todos serão processados judicialmente se não executarem o esquema de propaganda", disse Irisov.

Tinha família em Kiev, escondida em abrigos antibombas, e disse à CNN que sabia que "nada poderia justificar esta guerra". E também sabia, através dos seus contactos militares, que já havia muitas baixas nos primeiros dias da guerra.

"Para mim, foi óbvio desde o início", recordou Irisov. "Tentei explicar às pessoas que esta guerra levaria ao colapso da Rússia... será uma grande tragédia não só para os ucranianos, mas também para a Rússia".

Irisov fugiu de Moscovo com a sua mulher grávida e o seu filho a 8 de março de 2022, depois de se ter manifestado contra a invasão. Ele tinha-se demitido do seu emprego na TASS e assinara petições e uma carta aberta contra a guerra, disse à CNN. Depois de viajar pela Arménia, Geórgia, Turquia e finalmente México, onde contactaram a embaixada dos EUA para pedir ajuda, o casal esforça-se agora por começar uma nova vida na Virgínia Ocidental.

Gleb Irisov com a sua esposa, Alisa Irisova, na última fotografia que tiraram antes de deixarem a Rússia num voo com destino à Arménia, em março de 2022.

Enquanto serviu na base aérea de Latakia, na Síria, em 2019 e 2020, o jovem de 31 anos diz ter trabalhado em segurança aeronáutica e no controlo de tráfego aéreo, coordenando os voos com as companhias aéreas civis de Damasco. Ele diz ter visto Surovikin várias vezes durante algumas missões e falou com oficiais de alta patente sob o seu comando.

"Ele deixou muita gente furiosa, eles odiavam-no", disse Irisov, descrevendo como o general "direto" e "frontal" não era apreciado no quartel-general, devido à forma como tentou implementar a sua experiência de infantaria na força aérea.

Irisov diz saber que Surovikin tinha fortes ligações com o grupo militar privado Wagner, aprovado pelo Kremlin, que tem operado na Síria.

O Kremlin nega quaisquer ligações com o grupo Wagner e insiste que as empresas militares privadas são ilegais na Rússia.

Ganhou o título de "herói"

Surovikin, cuja carreira militar começou em 1983, tem um historial muito irregular.

Em 2004, segundo relatos dos meios de comunicação russos e pelo menos dois grupos de reflexão, repreendeu um subordinado de forma tão severa, que o subordinado se suicidou.

Um livro do grupo de reflexão Fundação Jamestown, sediada em Washington DC, diz ainda que durante a tentativa fracassada de golpe de estado contra o ex-presidente soviético Mikhail Gorbachov em agosto de 1991, soldados sob o comando de Surovikin mataram três manifestantes, o que fez com que passasse pelo menos seis meses na prisão.

A CNN contactou o Ministério da Defesa russo para comentar a nomeação de Surovikin e as alegações de que é um líder extremamente duro.

Num relatório de 2020, a Human Rights Watch classificou-o como "alguém que pode ter responsabilidade de comando por dezenas de ataques aéreos e terrestres a alvos e infraestruturas civis, infringindo as leis da guerra" durante a ofensiva a Idlib, na Síria, entre 2019-2020. Os ataques mataram pelo menos 1600 civis e levaram à deslocação de cerca de 1,4 milhões de pessoas, segundo a HRW, que cita números da ONU.

Vladimir Putin (à esquerda) brinda com o então primeiro-ministro Dmitry Medvedev, ao lado de Sergey Surovikin, depois de uma cerimónia de entrega de condecorações a militares que combateram na Síria, a 28 de dezembro de 2017.

Durante o seu tempo na Síria, o militar, agora com 56 anos, foi agraciado com o título de Herói da Federação Russa.

Em fevereiro deste ano, Surovikin foi sancionado pela União Europeia na sua qualidade de chefe das Forças Aeroespaciais "por apoiar e implementar ativamente ações e políticas que minam e ameaçam a integridade territorial, a soberania e a independência, bem como a estabilidade ou a segurança da Ucrânia".

Irisov acredita que existem três razões pelas quais ele foi agora colocado no comando na Ucrânia: a sua proximidade com o governo e Putin; a sua experiência polivalente tanto na infantaria como na força aérea; e a sua experiência a comandar desde o verão as forças russas nas regiões de Kherson, Zaporizhzhia e da Crimeia, no sul da Ucrânia. Estas são áreas que Putin está a tentar controlar "a qualquer custo", disse Irisov.

Apenas dois dias após a nomeação de Surovikin no sábado, a Rússia efetuou o mais pesado bombardeamento da Ucrânia desde os primeiros dias da guerra.

Surovikin está "mais familiarizado com mísseis de cruzeiro, talvez tenha usado os seus contactos e experiência para organizar esta cadeia de ataques devastadores", disse Irisov, referindo-se aos relatos de que os mísseis de cruzeiro têm sido algumas das armas utilizadas pela Rússia nesta última vaga de ataques.

Mas Clark, do ISW, sugere que a promoção do general é "mais uma questão de enquadramento para injetar sangue novo no sistema de comando russo" e "para mostrar o duro rosto nacionalista".

A sua nomeação "recebeu elogios generalizados de vários bloguers militares russos, bem como de Yevgeny (Prigozhin), que é o financiador do Grupo Wagner", disse Clark.

Ele acredita que o que está a acontecer agora é um reflexo do que aconteceu em abril, quando outro comandante, Alexander Dvornikov, foi nomeado comandante-geral das operações na Ucrânia.

"Da mesma forma, antes disso, também ele era comandante de um dos agrupamentos de forças russas e, na Síria, ganhou a reputação de ser um líder brutal, tal como Surovikin, o que lhe valeu a alcunha de 'Carniceiro de Alepo'", disse Clark.

Dvornikov foi também visto na altura como o comandante "que iria dar a volta à situação na Ucrânia e fazer o trabalho", acrescentou. "Mas um comandante sozinho não vai ser capaz de reverter o emaranhado do comando e controlo russo neste momento da guerra, nem o baixo moral das forças russas".

Andrea Kendall-Taylor, diretora do Programa de Segurança Transatlântica no Centro para uma Nova Segurança Americana, também disse à CNN esta semana que a nomeação de Surovikin "reflete a ascendência de muitas vozes mais radicais dentro da Rússia... apelando a Putin para que faça mudanças e para que traga alguém que esteja disposto a executar estes ataques impiedosos".

Clark explica que "pelo que vimos, é altamente provável que Putin esteja envolvido na tomada de decisões ao nível tático e, nalguns casos, que contorne os oficiais de alta patente russos, para interagir diretamente no campo de batalha".

Surovikin assinou pessoalmente os papéis de demissão de Irisov da força aérea, diz ele. Agora, Irisov vê-o ter a seu cargo as operações na brutal guerra de Putin na Ucrânia, mas o impacto que o general terá ou poderá ter ainda não é claro.

Segundo Clark, "não há uma boa opção do Kremlin se Surovikin não tiver sucesso na sua missão ou se Putin decidir que ele também não está à altura da tarefa". Não há muitos outros oficiais russos de alta patente e isso só irá levar a uma maior degradação do esforço de guerra russo".

Europa

Mais Europa

Patrocinados