Morango, pão, multibanco, Oleini Oleini: é com palavras, perguntas e canções que os ucranianos desmascaram os infiltrados russos

2 mar 2022, 22:32
Fotografias de Nuno Luz, repórter da CNN enviado à guerra na Ucrânia.

Em Kiev ouvem-se relatos e rumores sobre a existência de infiltrados. E há técnicas que a população usa para se defender disto

Há uma técnica para todos os habitantes de Kiev, a capital ucraniana, desmascararem os “infiltrados” russos: fazer com que a pessoa suspeita pronuncie a palavra “palyanytsa”.

Em russo, é um morango. Em ucraniano, é um pão tradicional conhecido por todos. Basta pronunciar-se uma vogal de forma mais grave e acabou, será desmascarado. É um truque tão antigo quanto as guerras soviéticas.

Também nos postos de controlo com voluntários armados, o método tem uma versão modernizada: há exatamente uma semana que qualquer pessoa pode ser suspeita. Por isso, à mínima dúvida a questão que se impõe é: onde fica a agência mais próxima de um “Monobank”. Em Portugal seria o mesmo que lhe perguntarem pelo terminal de multibanco mais próximo… mas com uma particularidade: este banco online não tem nenhum.

Estes são dois exemplos, mas há mais. Em declarações à agência AFP, Pasha, um motorista de táxi de Kiev, já inventou a sua estratégia para “apanhar” possíveis infiltrados russos. “Começo a cantar: Oleini, Oleinii, e vejo se me acompanham ou não. É um sucesso 100% ucraniano e recente”, disse o taxista.

A 26 de fevereiro apareceram três corpos de homens com uniformes ucranianos mortos a tiro. De acordo com a AFP,  eram russos infiltrados no local. Desde a última quinta-feira que a vila de Irpin, a noroeste de Kiev e a poucos quilómetros do aeroporto militar Antonov, vive um pouco como o resto do país: em sobressalto. A população diz ter medo dos ataques das forças russas que se deslocam na floresta atacando civis sob disfarce. “Parecem ser de cá, como nós, mas começam a disparar contra os habitantes da localidade”, conta Andrïi Levanchouk.

Viktor Chelovan é um dos colaboradores do ministério do interior ucraniano e chefe da unidade de forças especiais “Lance” e garantiu à AFP que a população relata que os homens lidam diariamente com infiltrados. Segundo o comandante Chelovan, alguns grupos de "infiltrados" são formados por membros das "forças de operações especiais russas, que tentam destabilizar a vida quotidiana dos militares e civis”.

Ainda antes do início da guerra, já havia responsáveis por “ajudar a preparar a invasão” através da presença de organismos de serviços secretos e do GRU (inteligência militar russa). "A rede de espionagem russa foi criada há vários anos. Ainda não a eliminamos, ainda há trabalho a fazer", disse o conselheiro de segurança nacional Oleksiy Danilov ao "The Wall Street Journal", a 22 de fevereiro, dois dias antes do início da invasão russa.

Desde o início da ofensiva russa que o Ministério do Interior ucraniano inunda a imprensa com retratos de "infiltrados" russos capturados. Segundo Mykola Beleskov, analista militar do Instituto Nacional de Estudos Estratégicos da capital ucraniana, Moscovo está a tentar combinar “diferentes ataques, desde aéreos à utilização da mais pesada artilharia, que são essencialmente meios de apoiar uma progressão muito lenta das suas tropas".

Em Kiev, a população acaba por ver infiltrados em todo o lado. Ouvem relatos a dar conta de que essas pessoas ficam nos telhados e em certos edifícios. Esses rumores, recorrentes e impossíveis de confirmar, alimentam uma certa paranoia na população - que já tem tanto com que se preocupar.

"Neste bairro, acho que há talvez 10% de infiltrados", ou seja, os "traidores", os ucranianos pró-russos ou os saudosos da União Soviética e da "Grande Rússia", diz Ibrahim Ibrahim Shelia, um estudante de 19 anos que ficou na cidade para defender a pátria. "Parámos um carro suspeito. Estavam lá dentro quatro pessoas que tinham dois mapas marcados da Ucrânia, passaportes ucranianos caducados e os telemóveis em modo voo ou sem ligação à Internet."

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