São bem mais evoluídas que as suas versões anteriores e mandam uma mensagem clara a Moscovo, que arrisca ver parte do seu território cercado
A fronteira da NATO com a Rússia pode estar prestes a mudar e a tornar-se muito mais perigosa. A Polónia, os países Bálticos e a Finlândia estão a pensar em abandonar a Convenção de Ottawa para poder produzir, armazenar e utilizar minas antipessoais em combate. Só que estas armas são hoje muito diferentes do que eram quando foram proibidas e arriscam tornar a fronteira com a Rússia numa "terra de ninguém". Os especialistas em direitos humanos temem que este seja um retrocesso que pode deixar a humanidade mais perto do abismo, mas para estes países a mensagem para Moscovo é clara: o preço de entrar em território da NATO vai ser cada vez mais caro.
"É uma decisão justificável do ponto de vista militar. Estas armas são extremamente eficazes para travar colunas de inimigos que avançam no território. A decisão polaca serve para transmitir uma mensagem a Moscovo, sublinhando que, em caso de guerra, estas minas vão mesmo ser utilizadas contra o exército russo", afirma à CNN Portugal o tenente-general Marco Serronha.
A sugestão dos ministros da Defesa dos países Bálticos e da Polónia de abandonar a convenção de Ottawa, de 1997, que proibiu estas armas devido aos efeitos devastadores que tinham na população civil, abre as portas para a utilização destas armas no projeto Tarcza Wschód, ou Escudo do Leste em português, que está a fortificar a fronteira polaca com a Bielorrússia e com o território do exclave russo de Kaliningrado. Esta vasta rede de barreiras defensivas, que está a ser construída ao longo de 800 quilómetros pela Polónia e que se prevê estar concluída em 2028, já tinha vários tipos de fortificações físicas e sistemas de guerra eletrónica, mas agora vai contar com uma barreira bem mais letal.
O Secretário de Estado da Defesa polaco, Pawel Bejda, revelou esta quinta-feira um plano para impulsionar a produção de minas no país, sublinhando que, a curto prazo, o exército polaco precisa de "várias centenas de milhares, talvez até um milhão" de unidades. O elevado número de minas sugere que a Polónia se prepara para minar preventivamente várias regiões da fronteira com a Rússia e a Bielorrússia, com uma mistura de minas anticarro e minas antipessoal, de forma a travar possíveis avanços russos. A região russa de Kaliningrado, cercada pelo território polaco e lituano, pode mesmo ficar completamente cercada por via terrestre.
"A Polónia quer garantir que o passado não se repete e, para isso, vão criar um campo de minas ao longo de toda a fronteira. A Polónia é uma gigante planície que, tirando na altura das chuvas, é uma autêntica autoestrada para carros de combate e viaturas de infantaria. Os carros de combate podem atingir uma grande velocidade, por isso é que a fronteira vai ser fortificada", explica o major-general Isidro de Morais Pereira, especialista em assuntos militares.
E não estão sozinhos. As três nações do Báltico também estão a pensar em abandonar o tratado que limita a utilização de minas antipessoal e começar a fortificar a fronteira com a Rússia. O ministro da Defesa da Letónia, Andris Spruds insiste que "todas as opções estão em aberto" no que toca à criação de capacidades de defesa e de dissuasão do país e isso implica a criação de campos de minas na fronteira com a Rússia. A própria Finlândia não exclui a hipótese de se juntar a estes países.
"Podem ser criadas autênticas zonas de ninguém, repletas de minas, à semelhança do que existe entre as duas Coreias. É possível que toda a região seja isolada de forma a evitar que civis de ambos os lados ultrapassem a fronteira", sugere Marco Serronha.
As minas antipessoal modernas são bastante diferentes das utilizadas no passado e que levaram 164 países, incluindo a Ucrânia, a assinar a Convenção de Ottawa. Ao contrário das minas anticarro, que têm grandes dimensões, as minas antipessoal são bastante pequenas e são feitas de plástico ou de materiais compostos leves, o que dificulta a sua deteção por detetores de metal. As minas modernas, além de serem detonadas ao serem pisadas, podem ser equipadas com sensores avançados que permitem a detonação ao detetar a vibração, a proximidade ou até mesmo o som.
"As minas antipessoal de hoje são muito diferentes das que existiam quando a convenção [de Ottawa] foi feita. A vasta maioria são destruídas por sinal de rádio ou por programação. Quando estamos a defender, lançamos um campo de minas à frente do inimigo. Passados para permitir que o terreno minado possa ser utilizado em manobras ofensivas", descreve Marco Serronha.
Estas armas podem ser espalhadas no terreno de forma manual, por soldados ou engenheiros militares que posicionam os explosivos no terreno, camuflando-os com terra, vegetação ou detritos para que não sejam detectados pelo inimigo. No entanto, uma das formas mais populares de posicionar estes explosivos é através do lançamento por artilharia ou de lançadores de foguetes múltiplos. Estes sistemas disparam projéteis carregados com dezenas ou centenas de minas que explodem no ar e espalham as munições numa determinada área. A proliferação de drones no campo de batalha na Ucrânia também demonstrou que estes veículos podem ser bastante úteis para minar o terreno.
Hoje existem sistemas ainda mais evoluídos como as minas antipessoal "não persistentes" enviadas pelos Estados Unidos à Ucrânia, em novembro de 2024. Ao contrário das minas mais rudimentares, estas são equipadas com um mecanismo que permite a autodestruição ou a desativação após um período de tempo definido. Isto permite aos militares lançar um campo de minas à frente do inimigo para o obrigar a parar e, depois, poder desativar o terreno minado para poder contra-atacar.
"As minas antipessoal de hoje são muito diferentes das que existiam quando a convenção [de Ottawa] foi feita. A vasta maioria são destruídas por sinal de rádio ou por programação. Quando estamos a defender, lançamos um campo de minas à frente do inimigo. Passados para permitir que o terreno minado possa ser utilizado em manobras ofensivas", descreve Marco Serronha.
Apesar de serem bastantes úteis para travar os avanços do inimigo, os especialistas sublinham que estas armas não são infalíveis e podem ser contrariadas. Existem vários veículos militares especializados em desminagem. A Rússia tem o UR-77 Meteorit, que lança dois foguetes presos por uma linha carregada de explosivos que atravessa o campo minado. Quando detonada, a carga destrói todas as minas numa largura de seis metros e num comprimento de 90 metros, permitindo a passagem de veículos blindados ou de militares.
Mas os especialistas em direitos humanos temem que a decisão seja um retrocesso que poderá deixar a humanidade mais perto do abismo e da escalada armamentista. Para Iain Overton, diretor-executivo da organização Action on Armed Violence, a decisão destes países pode criar "um precedente" e encorajar outros países a "reconsiderar os seus compromissos", levando ao "ressurgimento do uso e armazenamento de minas", o que reverteria "décadas de progresso nos esforços humanitários".
"A eficácia do Tratado de Ottawa depende de uma adesão generalizada. Embora potências como a China, os Estados Unidos e a Rússia não tenham ratificado o tratado, o compromisso de outras nações tem mantido a sua força. No entanto, a retirada de países que enfrentam ameaças de segurança pode minar a credibilidade do tratado, potencialmente levando a um efeito dominó onde outras nações questionam a sua relevância e optam por sair, enfraquecendo assim a norma global contra o uso de minas terrestres", alerta Iain Overton.
Um dos exemplos mais recentes dos impactos das minas está à vista na Ucrânia. Durante a invasão, Moscovo utilizou repetidamente minas para dificultar ofensivas ucranianas com grande sucesso, o que permitiu à Rússia utilizar um número mais reduzido de militares para defender uma extensão maior de terreno. As forças armadas russas criaram extensos campos minados, particularmente nas áreas ocupadas, tornando a Ucrânia o país mais minado do mundo. Estima-se que cerca de 30% do território ucraniano (aproximadamente 174 mil quilómetros quadrados) esteja contaminado por minas e resíduos explosivos e que o processo de desminagem poderá demorar décadas e ter um custo de 37 mil milhões de dólares.
"A retirada do tratado por parte destes países pode levar à utilização de minas terrestres, que são armas intrinsecamente indiscriminadas. O seu uso aumenta o risco para as populações civis, não só durante os conflitos, mas também muito depois de estes terem terminado, uma vez que as minas não detonadas continuam a representar ameaças.
O resultado tem sido devastador. De acordo com os dados da ONU, entre fevereiro de 2022 e julho de 2023, 298 civis morreram, entre os quais 22 crianças, e 632 pessoas foram feridas por minas na Ucrânia. Segundo a organização Landmine Monitor, cerca de 85% das vítimas de minas são civis, particularmente agricultores que regressam aos campos para trabalhar nas terras que estão armadilhadas.
"As minas terrestres não distinguem entre combatentes e não-combatentes, levando a potenciais ferimentos ou mortes entre populações locais. Além disso, as minas podem tornar terras agrícolas inutilizáveis, interromper atividades económicas e impedir o acesso a serviços essenciais, exacerbando assim crises humanitárias nessas regiões", garante Iain Overton.