Cinco coisas que podem acontecer a seguir na Ucrânia

CNN
26 mar 2022, 09:00
Retirada de civis de Mariupol por separatistas pró-russos (Getty Images)

A guerra da Rússia na Ucrânia começou há mais de um mês, e o avanço das tropas em algumas cidades importantes, incluindo a capital Kiev, parece ter abrandado.

Embora haja uma imagem global crescente de que o ataque da Rússia à Ucrânia não correu conforme planeado, o país continua a usar o seu poderio aéreo para destruir cidades e atingir civis, numa tentativa de levar a Ucrânia à submissão.

Então, qual o rumo desta guerra? Eis cinco coisas às quais devemos estar atentos nas próximas semanas.

1. A Rússia pode intensificar a sua campanha de bombardeamentos

Civis em Mariupol, na Ucrânia, a 20 de março de 2022. Mariupol foi alvo de fortes bombardeamentos e ataques aéreos russos.

Os especialistas avisam que, quanto mais a Rússia sofrer no terreno, maior é a probabilidade de intensificar a campanha de bombardeamentos aéreos e o uso de outras armas “à distância”, que colocam em menos perigo os soldados russos.

São poucas as informações fidedignas ​​vindas da Ucrânia ou da Rússia em relação ao número de mortos, mas uma reportagem de um tabloide russo, na segunda-feira, sugeria que o lado russo tinha perdido quase 10 000 soldados e que outros 16 000 tinham ficado feridos.

O site do Komsomolskaya Pravda retirou os números no final do dia, alegando que só apareceram porque o site foi alvo de pirataria. A CNN não conseguiu verificar os números, mas a contagem de mortos está mais próxima daquela que as agências de informações dos EUA têm relatado.

Tamanhas baixas, se forem verdadeiras, explicariam tanto o abrandamento nos avanços terrestres como o aumento dos bombardeamentos aéreos de cidades-chave, bem como outros ataques à distância.

Um alto representante da Defesa dos EUA disse que a Rússia começou a disparar contra a cidade de Mariupol, no sul, a partir de navios no Mar de Azov.

“A Rússia ainda tem capacidades e reservas, e haverá um aumento na intensidade à medida que se esforça para trazer mais soldados”, disse à CNN Jeffrey Mankoff, investigador ilustre do Instituto de Estudos Estratégicos Nacionais da Universidade de Defesa Nacional dos EUA.

Uma recente atualização do Ministério da Defesa do Reino Unido disse que a Rússia estava a chamar tropas de todo o país, e até da frota do Pacífico. Também está a retirar combatentes da Arménia e de empresas militares privadas, sírios e outros mercenários, dizia.

Resta saber quanto tempo a Rússia consegue continuar com elevadas perdas de pessoal.

“Haverá mais tropas e outros equipamentos e ajuda, é claro, mas há um ponto em que será difícil sustentar esse tipo de ritmo operacional, principalmente os números sobre os quais temos ouvido falar, tanto em termos de vítimas como de perdas materiais, quando esses números ultrapassam a capacidade de reposição”, disse Mankoff.

2. Enquanto os olhos estão postos em Kiev, a Rússia pode tentar cercar os combatentes ucranianos a leste

Um militar ucraniano caminha entre os escombros do arrasado centro comercial Retroville, na capital Kiev, a 21 de março

Fala-se muito sobre a estagnação do esforço de guerra russo, mas saber se isso é ou não verdade implica saber quais eram os objetivos de Moscovo, à partida. E até isso é difícil de saber com certeza, já que a justificação pública do país para a invasão é propaganda clara - a “desnazificação da Ucrânia”, por exemplo.

É provável que a Rússia esteja, no mínimo, a tentar absorver partes do leste da Ucrânia. Zonas como Donetsk e Luhansk, que compõem a região de Donbass, são controladas por separatistas apoiados pela Rússia desde 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia, e embora as ambições da Rússia possam ir além de Donbass, é ainda provável que continue a ser um objetivo central, dizem os especialistas.

Embora haja muitos olhos postos nos avanços da Rússia em direção a Kiev, a maior parte do exército ucraniano permanece perto de Donetsk e Luhansk, onde estão agrupados como a Operação de Forças Conjuntas (JFO). O movimento das tropas russas sugere que estão a tentar cercar a JFO em três eixos, e é provável que seja esse o principal objetivo da Rússia. Isso torna-se claro ao analisarmos a sofisticação do tipo de tropas enviadas para lá, disse Sam Cranny-Evans, analista de pesquisa do Royal United Services Institute.

“As forças do Distrito Militar do Sul – que estão em Donetsk, Luhansk, Mariupol, Berdyansk e Melitopol - são os melhores militares do exército russo. Obtêm sempre resultados. Foram criadas para combater a NATO”, disse Cranny-Evans à CNN.

“Portanto, ao olharmos para as forças envolvidas no cerco a Kiev, ficamos a pensar que era um objetivo que a Rússia pensava que seria facilmente alcançado ou então, que a Rússia sobrestimou as capacidades dessas forças. Isso leva-nos à conclusão de que um cerco às tropas ucranianas da JFO faz parte do objetivo que a Rússia pretende alcançar. E os movimentos das forças russas parecem sugerir que é mesmo esse o caso.”

Ele acrescentou que os média ocidentais estavam tão focados nas perdas da Rússia e na atitude desafiadora da Ucrânia que acabaram por transmitir uma falsa noção da dinâmica da guerra.

"Se olharmos para estes mapas, vemos claramente que as forças russas avançaram muito para dentro de um país bastante grande. Assumiram o controlo de algumas cidades, portanto, há agora muitos mais cidadãos ucranianos a viver sob o domínio russo do que havia há três semanas”, disse Cranny-Evans.

“Independentemente do número de veículos russos que explodiram ou de quantos soldados russos foram mortos, também é muito provável que haja um número muito alto de ucranianos que sofreram um destino semelhante.”

3. Haverá mais conversa sobre negociações

Representantes russos, à esquerda, e representantes ucranianos, à direita, durante conversações a 27 de fevereiro na região de Gomel, na Bielorrússia

Um dos cenários possíveis é que a guerra na Ucrânia se possa tornar um conflito moroso. É provável que a Rússia tenha perdido um número importante de soldados, armas e equipamentos na guerra e, embora já se tenha envolvido em conflitos prolongados no passado, não quererá sair deste com as suas forças armadas completamente destruídas.

“As negociações são a única área em que as coisas parecem um pouco promissoras, porque tanto a Rússia como a Ucrânia disseram na semana passada que estão a avançar em direção a uma verdadeira discussão substantiva, em vez de a Rússia apenas apresentar um ultimato”, disse à CNN Keir Giles, um especialista sobre a Rússia do grupo de reflexão Chatham House, sediado no Reino Unido.

As autoridades russas afirmaram que as suas exigências incluem a Ucrânia abdicar das suas pretensões de ingressar na NATO, desmilitarizar-se e adotar uma posição “neutral”, como fizeram a Áustria e a Suécia. Mas as condições sobre o que isso significa para a Ucrânia teriam que ser negociadas.

O principal porta-voz do presidente Vladimir Putin, Dmitry Peskov, disse à CNN numa entrevista na terça-feira, que a Rússia também queria que a Ucrânia aceitasse que a Crimeia – anexada pela Rússia em 2014 - faz agora oficialmente parte da Rússia e que os estados separatistas de Luhansk e Donetsk “já são estados independentes”.

Inúmeros especialistas especularam que a Rússia tentará separar partes do leste da Ucrânia.

“Será uma decisão difícil, a menos que seja possível que a ajuda ocidental, tanto militar como humanitária, entre na Ucrânia em números suficientes para que o país possa genuinamente virar a maré contra o avanço russo”, disse Giles.

“Se for uma questão de quem pode aplicar os maiores recursos e aguentar mais perdas para prevalecer, a Rússia tem um histórico de infligir danos económicos substanciais a si mesma e de causar sofrimento à sua própria população, a fim de prosseguir com as guerras”, disse Giles, referindo-se às sanções que começam a afetar a economia russa.

Mas as autoridades dos EUA não estão tão otimistas que as conversações corram bem. O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse numa conferência de imprensa, na semana passada, que uma solução diplomática para a guerra era improvável, dizendo que as ações da Rússia “estão em total contraste com qualquer esforço diplomático sério para pôr fim à guerra”.

Também sugeriu que a Rússia intensificaria a guerra usando armas químicas.

4. Pode haver "deportações" em massa de ucranianos para a Rússia

Refugiados a transportar os seus bens pessoais deixam Mariupol. Enquanto alguns conseguiram sair, as autoridades ucranianas dizem que outros foram levados involuntariamente para a Rússia

A Rússia tem dito aos moradores da cidade de Mariupol, no sul, que estes devem sair, enquanto continua com os bombardeamentos aéreos agressivos que têm deixado a cidade em ruínas. Os soldados abriram aquilo a que chamam “corredores humanitários” para permitir a fuga de civis, mas dezenas de milhares foram levados para a Rússia.

A agência de comunicação social do estado russo, a RIA Novosti, informou que cerca de 60 000 habitantes de Mariupol chegaram ao território russo “em total segurança”. Os média russos mostraram filas de veículos aparentemente em direção a leste, até a fronteira, a cerca de 40 quilómetros de Mariupol.

Mas o município de Mariupol acusou a Rússia de obrigar os habitantes a irem para a Rússia contra a sua vontade. “Na semana passada, vários milhares de habitantes de Mariupol foram levados para território russo”, disse o município em comunicado.

O Presidente da Câmara de Mariupol, Vadym Boichenko, disse no sábado que “o que os invasores estão a fazer hoje é algo familiar para a geração mais velha, que viu os terríveis eventos da Segunda Guerra Mundial, quando os nazis capturaram as pessoas à força.”

Giles disse que havia preocupações de que essa história sombria se repetisse nas próximas semanas.

“A Rússia tem um histórico de represálias cruéis e selvagens contra civis em qualquer área, quando existe qualquer tipo de movimento de resistência. Já começou a deportar pessoas de Mariupol para zonas remotas da Rússia, algo que parece saído do manual russo do século XX sobre como lidar com estes problemas”, disse ele.

Giles referiu-se às “deportações” de centenas de milhares de pessoas dos estados bálticos da Estónia, da Letónia e da Lituânia, que a Rússia anexou à União Soviética no início da Segunda Guerra Mundial.

“’Deportação' é um eufemismo. Tem sido usado como um termo bastante inócuo para o que aconteceu a estas pessoas, que foram efetivamente escravizadas e deixadas a passar fome. Retiraram as mulheres e as crianças, as pessoas que, ao saírem de uma sociedade, a neutralizam”, disse Giles.

“Normalmente, enfrentam destinos bastante horríveis. Se conseguirem sobreviver, não regressam durante anos ou décadas.”

5. Mais milhões de ucranianos podem fugir, deixando o país desfeito

Refugiados ucranianos chegam à estação de comboios de Przemysl, na Polónia, a 20 de março de 2022

O destino da guerra é uma coisa, mas o destino da Ucrânia é outra. Tal como o poderio aéreo russo deixou algumas das cidades e vilas da Síria em escombros, certas zonas da Ucrânia começam a ficar com o mesmo aspeto.

Já deixaram o país mais de 3,6 milhões de ucranianos. A maioria mulheres e crianças, o que significa que também as famílias estão a ser destruídas. A guerra desencadeou o maior movimento de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Esses números aumentam a uma taxa de cerca de 100 000 pessoas por dia.

Se juntarmos o número de pessoas deslocadas internamente, 10 milhões de ucranianos já deixaram as suas casas. Isso é quase um quarto da população do país.

E o que as guerras passadas mostram é que, muitas vezes, os refugiados nunca regressam aos seus países de origem. Muitas vezes há pouco para onde voltar. Às vezes, a ameaça de mais uma guerra é suficiente para manter os refugiados afastados.

Isso é algo em que os negociadores terão de pensar em qualquer conversação futura. Mesmo que encontrem uma solução diplomática para acabar com esta guerra, uma questão que permanecerá é se é suficiente para evitar uma próxima, disse Cranny-Evans.

“Se analisarmos historicamente os regimes autoritários que têm um mau desempenho em ambiente militar, normalmente, não mudam depois para um comportamento positivo. Portanto, a questão pode ser, se os ucranianos disserem ‘Certo, nós vamos ser neutrais, mas vocês têm de sair daqui’, os russos podem dizer 'Não, têm de nos dar Donetsk e Luhansk.’ E a Ucrânia pode aceitar isso, talvez, com o objetivo de parar a guerra”, disse ele.

"Mas e se, por exemplo, daqui a 10 anos, a Ucrânia tiver avançado para uma modernização militar significativa? Ou se o próximo presidente russo quiser provar o seu valor e iniciar outra guerra? Há muitos cenários em que pensar no que diz respeito às consequências de pôr fim a esta guerra.”

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