"A situação claramente vai piorar para nós": a rara admissão de um coronel russo na televisão estatal

17 mai 2022, 21:54
Mikhail Khodarenok

Em raras críticas públicas à condução da operação militar da Rússia na Ucrânia, um antigo oficial russo alertou na televisão estatal que a situação vai piorar: "O mundo inteiro está contra nós"

O 60 Minutes é o principal programa de entrevistas da televisão estatal russa, a Rossiya 1, e consiste em debates em estúdio que promovem as visões do Kremlin sobre vários temas - incluindo a designada "operação militar especial" de Vladimir Putin na Ucrânia, que sustenta que a ofensiva está a decorrer conforme planeado. Mas, esta segunda-feira, um dos comentadores pintou um quadro muito diferente do habitualmente difundido na Rússia.

"Primeiro vamos não beber 'tranquilizantes de informação', porque às vezes há informações espalhadas sobre um colapso moral ou psicológico das forças armadas da Ucrânia, como se elas se estivessem a aproximar de uma crise de falta de moral ou de um colapso", começou por afirmar o analista militar e coronel aposentado Mikhail Khodarenok, que rematou: "Para dizer com moderação, nada disso está perto da realidade."

Perante o restante painel de comentadores, o antigo coronel alertou que "a situação para nós claramente vai piorar" à medida que a Ucrânia recebe assistência militar adicional do Ocidente. Apesar da reação da apresentadora do programa, Olga Skabeyeva - que insistiu na tese de que as forças ucranianas não eram profissionais -, Khodarenok disse que a Ucrânia poderia armar um milhão de pessoas.

"Considerando que a ajuda europeia entrará em vigor e um milhão de soldados ucranianos armados podem juntar-se à luta, precisamos de encarar essa realidade num futuro próximo e precisamos de considerar isso nos nossos cálculos operacionais e estratégicos. Isto vai francamente piorar", reiterou.

"O mundo inteiro está contra nós"

Mikhail Khodarenok, que agora é analista e comentador regular na televisão russa, também comentou o isolamento mais amplo que o país enfrenta. "Vamos olhar para esta situação como um todo a partir da nossa posição estratégica geral", afirmou. "Não vamos lançar mísseis na direção da Finlândia - isso parece ridículo. O maior problema com a nossa situação militar e política é que estamos num total isolamento geopolítico. E o mundo inteiro está contra nós - mesmo que não o queiramos admitir."

O antigo coronel já tinha alertado - antes do início da invasão - que seria mais difícil travar uma guerra na Ucrânia do que muitos esperavam. Num artigo de fevereiro, Mikhail Khodarenok escreveu que "o grau de ódio (que, como sabe, é o combustível mais eficaz para a luta armada) na república vizinha em relação a Moscovo é francamente subestimado - ninguém vai enfrentar o exército russo com pão, sal e flores na Ucrânia". As afirmações de especialistas de que as forças russas vão derrotar a Ucrânia num curto período de tempo "não têm fundamentos sérios", disse na altura.

Os comentários que Mikhail Khodarenok fez agora na TV foram partilhados no Twitter pelo jornalista da BBC Steve Rosenberg e rapidamente se tornaram virais nesta rede social. Isto porque, segundo apontam vários utilizadores, é raro ouvir uma análise tão realista na televisão russa. Aliás, o Kremlin tem feito um grande esforço para controlar a informação que é disseminada à população - ao bloquear fontes de notícias russas independentes e ao garantir que a televisão, a principal ferramenta para moldar a opinião pública na Rússia, esteja a transmitir a mensagem oficial.

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