Putin está a tentar distrair-nos do que é óbvio (opinião)

CNN , Opinião de David A. Andelman
27 out 2022, 16:00
Vladimir Putin. Foto: Pavel Bednyakov, Sputnik, Kremlin

Nota do Editor: David A. Andelman, colaborador da CNN, duas vezes vencedor do Deadline Club Award, é cavaleiro na Legião de Honra Francesa, autor de “A Red Line in the Sand: Diplomacy, Strategy, and the History of Wars That Might Still Happen” e escreve no blogue Andelman Unleashed. Foi correspondente do The New York Times e da CBS News na Europa e na Ásia. As opiniões expressas neste comentário são as suas

O presidente russo Vladimir Putin está a esforçar-se ao máximo para alcançar dois objetivos imediatos. O objetivo do Ocidente deve ser impedi-lo. 
Primeiro, tenta distrair o seu país do que é ofuscantemente óbvio, nomeadamente que está a perder por muito no campo de batalha e a falhar redondamente no que toca a alcançar mesmo os objetivos mais remotos da sua invasão. 

Em segundo lugar e simultaneamente, Putin está a tentar desesperadamente ganhar tempo, na esperança que o relógio político e o início do inverno, na Europa, enfraqueçam a determinação e a energia das potências ocidentais que quase evisceraram o seu aparelho militar-industrial e destruíram a força armada da Rússia. 

Ambos os lados – a Rússia e a Ucrânia com os seus apoiantes ocidentais – estão a esforçar-se por dar a volta à situação antes do inverno, o que poderia acabar por decidir quem irá vencer o embate de forças mais titânico na Europa, desde a Segunda Guerra Mundial. Vale a pena aprofundar o que está em jogo, neste momento. 

Preocupações energéticas da Europa 

Em primeiro lugar, existe o Ocidente e a sua capacidade de continuar a alimentar a máquina de guerra ucraniana, que foi tão eficaz nesta batalha de David contra Golias. 

Esta capacidade de continuar depende de uma grande diversidade de variáveis – desde a disponibilidade de fontes de energia críticas e económicas no inverno que se aproxima, à vontade popular numa variedade de nações, frequentemente como prioridades contraditórias. 

Às primeiras horas de sexta-feira, em Bruxelas, as potências da União Europeia acordaram um roteiro para controlar os preços da energia que têm vindo a aumentar na sequência de embargos às importações russas e com o corte das fontes de gás natural por capricho do Kremlin. 

As medida incluem um limite de emergência no centro de transação do gás europeu de referência, o Dutch Title Transfer Facility, e permissão para as empresas de gás europeias criarem um cartel para comprar gás no mercado internacional. 

Embora o presidente francês, Emmanuel Macron, parecesse entusiasmado à saída da cimeira, que descreveu como tendo “mantido o consenso europeu”, reconheceu que havia apenas um “mandato claro” para que a Comissão Europeia começasse a trabalhar num mecanismo de limitação do gás. 

Ainda assim, mantêm-se divisões, com a maior economia da Europa, a Alemanha, cética quanto a quaisquer limites de preços. Agora, os ministros da energia têm de elaborar os detalhes com uma Alemanha preocupada de que esses limites incentivem um maior consumo, uma carga adicional sobre as fontes restritas. 

Os amigos úteis de Putin na Europa 

Estas divisões fazem todas parte dos melhores sonhos de Putin. As forças diversificadas na Europa poderão vir a revelar-se centrais para alcançar o sucesso do ponto de vista do Kremlin, que equivale a que o contingente não concorde nos aspetos essenciais. 

A Alemanha e a França já estão em desacordo em muitas destas questões. No entanto, num esforço para alcançar algum tipo de acordo, Macron e o Chanceler alemão, Olaf Scholz, agendaram uma conferência telefónica. 

E agora, chegou ao poder um novo governo, em Itália. Giorgia Meloni tomou posse no sábado como a primeira mulher primeira-ministra de Itália e tem tentado afastar a aura pós-fascista do seu partido. No entanto, um dos seus parceiros de coligação de extrema-direita expressou um profundo apreço por Putin.

Silvio Berlusconi, ele próprio quatro vezes primeiro-ministro de Itália, foi gravado numa reunião dos fiéis do seu partido a descrever, com contentamento, as 20 garrafas de vodka que Putin lhe tinha enviado juntamente com “uma carta muito carinhosa”, no seu 86.º aniversário.

Berlusconi, numa gravação de áudio efetuada secretamente, afirmou que tinha retribuído o gesto de Putin com garrafas de Lambrusco, acrescentando: “Eu conheci-o como uma pessoa pacífica e sensível”, no clip de áudio do LaPresse. 

O outro principal membro da coligação italiana no poder, Matteo Salvini, nomeado primeiro-ministro adjunto, no sábado, afirmou durante a campanha: “Não quero que as sanções [à Rússia] prejudiquem aqueles que as impõe mais do que os que são afetados por elas”. 

Ao mesmo tempo, a Polónia e a Hungria, almas gémeas de longa data de ultra-extrema direita, unidas contra as políticas liberais da UE que pareciam calculadas para reduzir a sua influência, desentenderam-se agora sobre a Ucrânia. A Polónia ficou profundamente ofendida com os sentimentos pró-Putin do líder populista da Hungria, Viktor Orban.

Os limites do “cheque em branco” da América 

Parecem estar em funcionamento forças semelhantes em Washington, onde o líder republicano da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, posicionado para se tornar Presidente da Câmara dos Representantes, se os Republicanos assumirem o controlo, após as eleições no próximo mês, disse a um entrevistador: “Penso que as pessoas vão estar no meio de uma recessão e não vão passar um cheque em branco à Ucrânia. Simplesmente não o farão”.

Entretanto, na segunda-feira, a influente convenção progressiva do Congresso composta por 30 membros apelou a Biden que abrisse conversações com a Rússia sobre o fim do conflito enquanto as suas tropas ainda estão a ocupar vastas áreas do país e os seus mísseis e drones estão a atacar o interior profundo.

Horas mais tarde, a presidente da convenção, Mia Jacob, enfrentando uma tempestade de críticas, enviou um e-mail aos jornalistas com uma declaração a “esclarecer” as suas observações em apoio da Ucrânia. O Secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, também telefonou ao seu homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba, para reforçar o apoio americano. 

Na realidade, embora os EUA tenham oferecido mais de 60 mil milhões de dólares em ajuda, desde que Biden tomou posse, quando o Congresso autorizou 40 mil milhões de dólares para a Ucrânia, no passado mês de maio, apenas os Republicanos votaram contra o mais recente pacote de ajuda. 

Em resumo, existem todos os incentivos para que Putin prolongue o conflito durante o máximo de tempo possível para permitir que várias destas forças no Ocidente entrem em ação. Um inverno longo e frio, na Europa, inflação persistente e taxas de juro mais altas, levando a uma recessão em ambos os lados do Atlântico poderão colocar uma pressão irresistível sobre os líderes já céticos para retraírem o apoio financeiro e militar. 

Este apoio em termos de armas, material e agora formação para as forças ucranianas tem sido a base de sustentação para os seus extraordinários sucessos no campo de batalha contra um exército russo enfraquecido, com escassez de material e mal preparado. 

Ao mesmo tempo, o Ocidente está a aumentar a pressão sobre a Rússia. Na última quinta-feira, o Departamento de Estado norte-americano divulgou um relatório detalhado sobre o impacto das sanções e dos controlos às exportações que estrangulam o complexo militar-industrial russo. 

A produção de mísseis hipersónicos russa quase parou “devido à falta dos semicondutores necessários”, dizia o relatório. Os aviões estão a ser canibalizados para peças sobresselentes, as fábricas que produziam sistemas anti-aeronaves fecharam e a “Rússia voltou-se para os stocks de defesa da era soviética” para reabastecimento. A era soviética terminou há mais de 30 anos. 

Um dia antes desta reportagem, os EUA anunciaram a apreensão de toda a propriedade de um dos principais agentes de aquisições russo, Yury Orekhov, e das suas agências “responsáveis por adquirir tecnologias de origem norte-americana para utilizadores finais russos… incluindo avançados semicondutores e microprocessadores”. 

O Departamento de Justiça também anunciou acusações contra indivíduos e empresas que procurem contrabandear equipamento de alta tecnologia para a Rússia em violação das sanções. 

Todas estas ações apontam para um aumento do desespero da Rússia para aceder a componentes vitais necessários para a produção de armamento de alta tecnologia, estagnado pelas sanções e os embargos ocidentais que começaram a estrangular o completo militar-industrial do Kremlin. 

Onde isto deixa a Rússia 

Esta pressão do Ocidente pode finalmente estar a produzir resultados reais. A lei marcial anunciada por Putin nos territórios ucranianos que agora a Rússia controla apenas parcialmente, ataques sobre alvos civis no interior da Ucrânia e um novo e inflexível comandante na Ucrânia, o General Sergei Shurokin, apelidado de “General Armagedão” pelos colegas, sugerem uma crescente frustração, a roçar o medo, de que o povo russo possa começar a notar o que já é ofuscantemente óbvio: Putin está a perder. 

É neste preciso momento que é essencial que a Ucrânia e os seus apoiantes ocidentais pressionem com tenacidade. 

Shurokin apareceu na televisão de Moscovo, na semana passada, a sugerir que o novo objetivo do Kremlin que, na realidade, já tem décadas, é forçar a Ucrânia a entrar na órbita da Rússia e impedi-la de aderir à UE e, especialmente, à NATO. Shurokin afirmou: “Só queremos uma coisa: que a Ucrânia seja independente do Ocidente e da NATO e seja amiga do estado russo”. 

Ainda assim, surgem radicais, como Pavel Gubarev, o líder de fachada da Rússia em Donetsk, que expressou a sua real intenção em relação aos ucranianos: “Não vamos para vos matar, mas para vos convencer. Mas se não quiserem ser convencidos, matamos-vos. Matamos tantos quantos tivermos de matar: 1 milhão, 5 milhões ou exterminamos-vos a todos”. 

Este deve ser o real receio de todos os que no Ocidente ainda estejam preparados para discutir o apoio a 100% à Ucrânia e ao seu povo.

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