Agora com supremacia aérea sobre grande parte de Teerão, Israel continua a desferir golpes no inimigo, que ameaça e lança mísseis, mas fica preso na sua própria fragilidade
Sirenes de um lado, sirenes do outro e Israel a levantar cada vez mais o véu sobre qual pode ser o objetivo último da sua vaga de ataques ao Irão. Depois de ter decapitado a cúpula militar iraniana e ter infligido fortes danos aos líderes do programa nuclear, as forças israelitas podem estar a preparar-se para um passo mais ousado e definitivo: a eliminação do aiatola Ali Khamenei.
Há muito que os analistas apontam que a mudança do regime iraniano é o objetivo final de Benjamin Netanyahu e do seu governo nacionalista, mas as palavras do primeiro-ministro israelita deixaram poucas margens para dúvidas.
Benjamin Netanyahu afirmou que há algo que “não vai escalar o conflito”, mas antes “acabá-lo”. O primeiro-ministro israelita referia-se precisamente à morte do Líder Supremo do Irão.
Tiago André Lopes, especialista em diplomacia e Médio Oriente, diz à CNN Portugal que não existe convulsão social suficiente para empurrar essa mudança de regime. O professor universitário dá o exemplo da Primavera Árabe, em 2014, com União Europeia e Estados Unidos a aparecerem para a judar a revolução, mas só depois de ela se ter iniciado popularmente.
"Essa ajuda foi por haver convulsão social, manifestação nas ruas. Não temos nada disso a acontecer no Irão. Não temos recolha de um sistema de galvanização anti-regime", sublinha, dizendo até que a situação aponta antes a um sentimento de união nacional contra um inimigo em comum, até porque já morreram centenas de pessoas desde a madrugada da última sexta-feira.
Tudo isto num dia em que “entrámos num ponto de não retorno”. E esse ponto é, segundo o secretário-geral SEDES Europa, o ataque conduzido por Israel contra a televisão estatal do Irão. Decorria a emissão com uma pivot em direto quando uma bomba caiu, cortando o sinal por momentos e deixando a estrutura fortemente danificada.
As forças israelitas viriam a afirmar que a televisão estatal tem um propósito militar e serve as Forças Armadas do Irão, justificando um ataque a um alvo que parecia civil à primeira vista.
“Chegámos a um ponto de não retorno. Ataques à comunicação social servem para cortar os canais de comunicação dentro do país e com o povo. Isso é um sinal de não retorno”, aponta Vítor Gabriel Oliveira.
E esse ponto de não retorno ganha ainda mais significado com o Irão a ameaçar Israel com o “maior e mais intenso ataque de sempre” a solo israelita, antecipando o envio de centenas de mísseis para território inimigo.
“Acredito que as próximas horas e dias serão decisivos”, acrescenta o secretário-geral da SEDES Europa, que vê a Europa pouco unida na resposta que está a dar à crescente tensão.
Dias decisivos sobretudo para o Irão, que parece estar a perder a guerra no terreno e na comunicação. Vai fazendo ameaças e ameaças, mas apresentando poucos resultados concretos. Pelo contrário, Israel anunciou ter “supremacia aérea” em grande parte da cidade de Teerão, continuando e insistindo em ataques e ataques aos diferentes alvos iranianos.
Faltará a capacidade para agir no subsolo, onde se pensa que estará grande parte da capacidade de produção nuclear do Irão, nomeadamente perto da cidade de Qom, mas aí só com a intervenção dos Estados Unidos é que se pode avançar, já que Israel não parece ter o armamento necessário para um ataque dessa dimensão.
Viragem para os inimigos
Para o Irão o problema parece ser de tal forma grave que Teerão estará a tentar de tudo para forçar Israel a parar. E o tudo não é militar, já que por aí parece não conseguir, mas antes diplomático. De acordo com o Wall Street Journal e a agência Reuters, o Irão virou-se para os piores inimigos para tentar impedir a continuação dos ataques.
Pediu ao rival regional, a sunita Arábia Saudita, que liderasse um pedido árabe aos Estados Unidos para pressionarem Israel a procurarem um acordo. Em troca, o Irão estará disposto a regressar à mesa de negociações sobre o nuclear. Simplificando, o Irão pediu a um inimigo (Arábia Saudita) que pedisse a um inimigo maior (Estados Unidos) para pressionar um inimigo ainda maior (Israel).
Tiago André Lopes admite que este pedido é um cenário de “desespero real” por parte do Irão. Deixando espaço para alguma dúvida, já que a informação foi avançada pelos jornais norte-americanos de forma oficiosa, o professor universitário lembra que Teerão “superou as expectativas” com a capacidade de desferir golpes o Iron Dome, o famoso sistema de defesa de Israel, não conseguiu abater.
Sobre a questão da supremacia aérea, Tiago André Lopes destaca que isso implica, desde logo, uma violação do Direito Internacional. “É estranho ver a União Europeia achar que é normal esta delapidação do Direito Internacional Público”, refere.
Já em relação ao canal diplomático, ele “existe e tem um nome: Estados Unidos da América”. “Se os Estados Unidos quiserem que as coisas serenem, têm a capacidade clara de chegar aos dois lados”, recorda, deixando uma outra questão em cima da mesa.
É que a palavra do aiatola Khamenei “é suprema”, pelo que o decreto de 2003 de que não há desenvolvimento de armas nucleares para utilização em contexto de guerra deve ser levado a sério. Na prática, enquanto o Líder Supremo não mudar essa ordem, o Irão não poderá utilizar armamento nuclear.
Tiago André Lopes recorda que não devem ser forças externas a fazer cair um regime, encontrando um paralelismo com o que os Estados Unidos fizeram no início do século, incentivando militarmente a queda de Saddam Hussein no Iraque com a justificação de que o regime tinha armas de destruição maciça, o que nunca foi comprovado.
“A queda de um regime não é algo que deva ser feito por forças externas”, frisa o especialista, lembrando que Israel se diz um Estado democrático e que o povo do Irão parece estar contente com a atual vigência.