É para interpretar com cinismo o que a Rússia anunciou sobre a redução da atividade militar na Ucrânia: a análise de um major-general

30 mar 2022, 09:00

Um dos últimos grandes desenvolvimentos na guerra na Ucrânia emergiu de uma frase vinda de Moscovo: o vice-ministro da Defesa da Rússia, Alexander Fomin, anunciou terça-feira que as tropas do país vão “reduzir significativamente” as atividades militares em torno de Kiev e Chernihiv como sinal de comprometimento com as negociações de paz. É para levar a sério?

O major-general Carlos Branco é taxativo: esta tomada de posição da Rússia é “fundamentalmente uma questão de pragmatismo”. “Significa uma adaptação à realidade estratégica e a constatação de que a Rússia não tem capacidade para resolver os problemas a nível militar nestas duas regiões se se quer envolver no Donbass."

O major-general considera também que esta decisão “vai servir” no futuro para canalizar tropas para a região do Donbass e questiona a veracidade da justificação que a Rússia apresentou para "a redução significativa" da atividade militar. “Os russos dizem que esta redução de atividade serve para criar confiança para a continuação das negociações. É evidente que não é para isso. Nesta altura não têm capacidade militar para combater em tantas frentes em simultâneo. Estabeleceram uma prioridade, Donbass, quando esse problema estiver resolvido veremos o que acontecerá.”

Mas porquê a redução nas zonas de Kiev e Chernihiv e não, por exemplo, em Kharkiv? Carlos Branco considera que a distância da Rússia pesou na decisão. “Kiev e Chernihiv são as zonas que estão mais afastadas e Kharkiv é por onde os russos mais rapidamente avançam e chegam à zona central do país, onde estão as unidades ucranianas no Donbass. É uma questão de lógica, que tem que ver com a distância e também com as características do terreno. Kharkiv está mais para leste, as forças que por aí entrarem progridem mais rapidamente.”

As ofensivas à capital e a Chernihiv partiram da Bielorrússia, onde milhares de efetivos militares russos foram colocados meses antes do início da invasão. Pode ter existido alguma conversação entre russos e bielorrussos para a retirada dessas forças? “Não, não há conhecimento de que isso tenha acontecido. É, acima de tudo, uma adaptação estratégica. Não tem que ver com discordâncias ou dissidências entre Moscovo e Minsk”.

Nas últimas semanas tem havido especulação em torno de uma potencial entrada da Bielorrússia no conflito, particularmente desde que a 19 de março o país retirou os seus diplomatas da Ucrânia, decisão semelhante à tomada pela Rússia pouco antes da invasão. No entanto, o presidente da Bielorrússia, Aleksandr Lukashenko, sempre negou qualquer intenção de se juntar à ofensiva russa.

As negociações de paz entre Ucrânia e Rússia, que decorreram em Istambul nesta terça-feira, trouxeram avanços inesperados rumo a um cessar-fogo. O lado ucraniano apresentou a sua proposta final sobre o que entende por neutralidade e aguarda agora resposta de Moscovo. David Arakhamia, que faz parte da equipa da Ucrânia, avançou que o país aceitaria o estatuto neutro caso houvesse um “acordo internacional” para garantir a sua segurança, do qual vários países fiadores seriam signatários, atuando num princípio semelhante ao do artigo 5.º da NATO - uma agressão a um é uma agressão a todos.

Esta reunião também deixou mais próximo um potencial encontro entre Volodymyr Zelensky e Vladimir Putin, segundo o conselheiro presidencial ucraniano Mykhailo Podolyak. “Agora temos documentos preparados que vão permitir que os presidentes se reúnam numa base bilateral”, disse, acrescentando que “é possível” que esse encontro se realize.

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