Israel depende dos EUA para a sua sobrevivência. Mas duas "debilidades" americanas, bem como os interesses de Washington D.C. na região, fazem com que Israel seja a parte mais forte da relação e tornam muito improvável o fim da ajuda militar americana
Israel está a caminhar a passos largos para uma invasão terrestre do Líbano, algo que fez pela última vez em 2006. Uma intensa campanha de ataques, iniciada com a explosão simultânea de milhares de pagers e walkie-talkies de militantes do Hezbollah, preparou o terreno para os violentos bombardeamentos iniciados esta segunda-feira, que já provocaram mais de 500 mortos e cerca de 1800 feridos.
Para além destas vítimas, milhares já abandonaram o sul do Líbano rumo às regiões mais a norte, como a capital Beirute.
Do outro lado do mundo, o maior aliado de Israel vai desesperando com a perspetiva de mais um passo na escalada desta fase do conflito. À CNN Internacional, altos funcionários da administração americana garantiram que Washington D.C. está a trabalhar “fervorosamente” para evitar que Telavive lance a invasão terrestre e entre em guerra com o Hezbollah.
“Estamos mais perto do que nunca de entrar numa guerra regional” desde o ataque do Hamas a 7 de outubro, disse uma das fontes. Contudo, tal como aconteceu com a invasão a Rafah, no sul da Faixa de Gaza, em maio deste ano, não é de esperar que o governo de Benjamin Netanyahu e as instituições que compõem o setor da Defesa de Israel, como as IDF e a Mossad, deem ouvidos aos EUA.
Para o major-general Carlos Branco, especialista militar da CNN Portugal, que serviu a Organização das Nações Unidas (ONU) numa das missões de pacificação no Médio Oriente, centrando-se particularmente em países como Israel, Líbano e Síria, uma provável invasão do Líbano enquadra-se no principal objetivo do governo israelita: infligir uma “derrota decisiva” ao Irão numa eventual guerra. “Contudo, não tem capacidade para o fazer sozinho”, observa o major-general, que diz que Israel precisa dos EUA para atingir este objetivo.
Uma hipotética resposta do Irão a uma invasão do Líbano atrairia as forças americanas para o conflito, que passariam de “apoiar uma postura defensiva de Israel”, situação que deixa Netanyahu insatisfeito, para serem parte ativa da guerra.
"Quando Netanyahu vai ao Congresso não é para obter apoio, é para dizer o que vai ser feito"
O primeiro-ministro israelita, diz Carlos Branco, não tem feito “mais nada senão provocar o Irão e os seus proxies” desde que visitou o Congresso norte-americano em julho. Estes ataques, como o que matou Ismail Haniyeh, líder político do Hamas, em Teerão, são também um teste ao comprometimento dos EUA com Israel que, apesar de algumas ameaças e dedos em riste, continua inabalável.
O major-general nota que Netanyahu está a aproveitar duas "debilidades" da liderança americana para prosseguir a sua agenda. A primeira, afirma, é a “ausência” de um presidente na Casa Branca. “Os Estados Unidos não têm presidente. É um homem débil que lá está”, considera, sublinhando ainda que “a política externa dos Estados Unidos está nas mãos de [Antony] Blinken, [Lloyd] Austin e [Jake] Sullivan”.
A segunda fraqueza são as eleições presidenciais e a “extraordinária influência” que o lóbi israelita, que atua através de organizações como a AIPAC (American Israel Public Affairs Committee), tem sobre os principais políticos norte-americanos. E essa influência justifica-se com uma razão: o financiamento. “São os Estados Unidos. Quem tem mais dinheiro, ganha”, diz o especialista.
Estes dois fatores, explica Branco, fazem com que Israel seja a parte dominante na relação com os EUA.
“Os Estados Unidos não têm leverage nenhum sobre Israel. Quando Netanyahu vai ao Congresso não é para obter apoio, é para dizer o que vai ser feito”, explica. “Os Estados Unidos são a grande potência, mas relativamente a Israel não têm liberdade estratégica. Israel é que comanda.”
Apesar de ser o grande aliado e ter fornecido 69% do armamento israelita comprado ao exterior entre 2019 e 2023 (dados do Stockholm International Peace Research Institute), desligar a ficha do financiamento anual de 3,4 mil milhões de euros em armamento é impensável. Em entrevista à revista israelita +972, Daniel Levy, ex-mediador do conflito entre Israel e os palestinianos e apoiante da solução de dois Estados, explicou porquê.
“Esta é também a guerra da América. Israel não poderia ter feito isto sem todas as armas que a América forneceu. A menos que a política americana e a leitura do seu próprio interesse nacional mudem, não há razão para pensar que isto vai ser significativamente diferente”, afirma.