Irão pôs mísseis a viajar 18 mil quilómetros por hora até Israel - agora tudo pode mudar no Médio Oriente

2 out, 07:00

Estados Unidos ajudaram na defesa de Israel e Emmanuel Macron já anunciou o envio de recursos militares. Do outro lado espera-se um posicionamento de países como a Rússia ou a China, mas a guerra escalou mesmo. Falta perceber se ainda dá para a arrefecer

O que fazer durante um ataque? Dançar. Foi uma resposta no mínimo alternativa, mas a embaixada dos Estados Unidos em Israel não quis deixar passar o momento, mostrando ao mundo que, enquanto em grande parte de Telavive se encontrava esconderijo onde dava - viu as imagens de dezenas de pessoas a esconderem-se debaixo de viadutos em plena autoestrada? -, havia outros lugares onde tudo corria normalmente.

Terá sido ali e em poucos sítios, já que todo o território de Israel ficou durante largos minutos em alerta, perante o lançamento inédito de 180 mísseis balísticos provenientes do Irão, alguns deles da classe Fatah-1, o primeiro míssil hipersónico fabricado por Teerão, e que fez a trajetória de cerca de dois mil quilómetros em escassos 12 minutos.

Em concreto, estes mísseis, que nunca tinham sido utilizados em contexto real, conseguem viajar a uma velocidade 15 vezes superior à velocidade do som. O mesmo é dizer que os Fatah-1 viajam a 5.145 metros por segundo, o equivalente a 18.522 quilómetros por hora.

"É um dos mais recentes mísseis balísticos [do Irão], e têm muito a perder por o terem utilizado", afirma Trevor Ball, antigo especialista em explosivos, em declarações à CNN. "Israel vai ter uma ideia das suas capacidades só por terem sido usados. Também pode ter acontecido uma falha, o que dá a Israel uma maior noção das suas capacidades", acrescenta.

"Os mísseis hipersónicos são muitos mais difíceis de detetar e de intercetar", diz à CNN Portugal o tenente-general Marco Serronha, assinalando que é na trajetória descendente que este projétil se torna especialmente complicado de abater.

Essa terá sido uma das razões que levaram a que muitos mísseis não tenham sido abatidos, até porque as imagens mostram que os sistemas de defesa funcionaram já muito perto das cidades. O militar indica que isso, aliado à rapidez do ataque do Irão, pode explicar um maior sucesso no ataque.

Mas que estragos terão feito estes mísseis? Essa é a dúvida que se coloca sempre, e que os dois lados não ajudam a clarificar. Tendo como grande parte dos alvos bases militares israelitas, nomeadamente três importantes complexos em Telavive, a Guarda Revolucionária do Irão anunciou que os mísseis lançados atingiram 90% dos seus objetivos. Já Israel, que até admitiu que alguns projéteis lançados atingiram o solo intactos nas zonas centro e sul do país, garantiu que não foram registados danos de maior.

Apesar disso, as imagens partilhadas nas redes sociais pelo exército israelita são claras: houve mísseis que caíram e fizeram grandes estragos. Mais elucidativas, até pelo caráter de imparcialidade, são as imagens gravadas ao vivo a partir da Cisjordânia, de onde se viu uma autêntica chuva de mísseis que caíram e rebentaram em catadupa no solo.

Neste mesmo vídeo é possível ver um dos conhecidos sistemas de defesa anti-aérea de Israel, possivelmente o Iron Dome, a funcionar num dos primeiros quatro mísseis. O problema é que muitos deles passaram as malhas defensivas, acabando por explodir em fúria e provocar um clarão que mostra claramente que o solo foi atingido em força.

Como explicou em direto na CNN Portugal o major-general Agostinho Costa, cada bolinha que desviada é um míssil intercetado, o que também significa que cada bola que passa é um míssil que cai no solo sem ser abatido.

 

Mas não foram apenas estes os mísseis utilizados num ataque que já se pensa ter sido duas vezes maior que o realizado em abril, na altura em resposta a um ataque israelita realizado contra o consulado iraniano na capital da Síria, Damasco. Dessa vez os Estados Unidos e até Israel foram avisados com alguma antecedência, pelo que se concluiu que a resposta foi mais uma demonstração de poder do que propriamente um ataque sério. Desta vez os Estados Unidos, como a Rússia, voltaram a ser avisados, mas esse aviso foi bem mais em cima da hora, o que confere um caráter de maior gravidade.

Voltando aos mísseis, a CNN confirmou, através da verificação de vídeos partilhados nas redes sociais e confirmados na redação, que também Shahab-3, mísseis balísticos, foram utilizados.

Falhanço de Israel?

Muito se disse que é do interesse do governo israelita, nomeadamente do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, prolongar ao máximo esta guerra. É que enquanto se mantiver como chefe do executivo, o responsável não terá de enfrentar a justiça num muito mal explicado caso de corrupção.

Agostinho Costa entende que Benjamin Netanyahu "não deve estar mesmo nada confortável", precisamente por causa do aparente falhanço das defesas israelitas, já que as tais "bolinhas chegaram ao sítio".

"É uma operação bem-sucedida, convém ver os vídeos que aterram no chão. Porque é que 90% dos mísseis passaram? Passaram porque o sistema Arrow 2 e Arrow 3 foram destruídos", indica o major-general, referindo-se a outros sistemas de defesa anti-aérea de Israel que, segundo o militar, terão sido anteriormente destruídos.

O problema, diz Agostinho Costa, é que houve "demasiados mísseis a aterrar em Telavive", principal cidade de Israel. O que foi destruído, aponta o major-general, foram algumas das bases militares, mas também um complexo da Mossad, a principal agência das secretas israelitas.

"Netanyahu pode vociferar à vontade, mas o contexto regional mudou", termina Agostinho Costa, deixando antever que esta foi apenas uma vaga do que pode ser uma resposta "muito pior", algo que o próprio Irão já disse, incluindo pelo seu líder supremo, o aiatola Khamenei.

Do que a CNN conseguiu confirmar no terreno, pelo menos três alvos foram identificados nos vídeos obtidos. Apesar de ser ainda muito cedo para perceber a verdadeira dimensão dos danos - a luz do dia e as imagens de satélite podem ajudar a desvendar -, é já possível perceber que os mísseis caíram mesmo junto à sede da Mossad, no bairro de Glolit, em Telavive, mas também nas bases aéreas de Nevatim e Tel Nof.

O que se segue?

Ainda a dimensão do ataque estava por apurar - em grande parte assim continua - e as Forças de Defesa de Israel já faziam contas. Primeiro ordenaram logo que as pessoas deixassem os abrigos e que o espaço aéreo fosse reaberto, isto minutos após o ataque, numa clara demonstração de que não há medo.

Mas mais do que isso, o almirante Daniel Hagari, porta-voz do exército israelita prometeu "consequências sérias" para o regime de Teerão. O chefe do Estado-Maior de Israel foi mais longe: “Vamos escolher quando decidir o preço e provar as nossas capacidades de eficácia e surpresa de ataque”, disse Herzi Halevi, falando em coordenação com a política de informações.

Também o primeiro-ministro de Israel prometeu que o Irão terá, a partir de agora, um preço a "pagar" pelo ataque, que Benjamin Netanyahu classificou como um "grande erro", mesmo que tenha garantido que o Irão "falhou".

"O regime do Irão não compreende a nossa determinação em nos defendermos e a nossa determinação em retaliar contra os nossos inimigos", disse o chefe do governo.

Do lado de lá pede-se apenas atenção. O Irão quer dar a coisa terminada, mas já avisou que vai escalar, caso seja preciso fazê-lo. O presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, afirmou que o ataque contra Israel foi levado a cabo "com base em direitos legítimos e com o objetivo de garantir a paz e a segurança para o Irão e para a região".

"Não entrem em conflito contra o Irão", escreveu o chefe de Estado do Irão.

A resposta a dar por parte de Israel, que já deixou claro que vai retaliar contra o Irão, mas que também vai continuar as operações no Médio Oriente - horas depois anunciavam-se novos bombardeamentos em Beirute, no Líbano, onde o Hezbollah está a ser dizimado por Israel -, parte muito do que os parceiros internacionais quiserem.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, confirmou que existem reuniões a decorrer para perceber o que se segue, dizendo mesmo que em cima da mesa não está a possibilidade de haver uma resposta, mas sim quão efetiva essa resposta vai ser. Isto depois de a Marinha norte-americana ter confirmado que três contratorpedeiros dos seus esquadrões estiveram em atividade na defesa de Israel.

Mais à frente está França, depois de o presidente Emmanuel Macron ter anunciado um reforço do apoio militar na região, prometendo o envio de recursos para o Médio Oriente já esta quarta-feira.

Ana Miguel Santos, especialista em Assuntos de Segurança e Defesa, admite que possa haver uma alteração no equilíbrio do Médio Oriente, até porque outros atores começam a ser seriamente envolvidos - vários destroços caíram na Jordânia, onde três pessoas ficaram feridas.

"Vai ser muito interessante perceber, a partir de agora, o posicionamento dos países ocidentais, que durante algum tempo estiveram muito focados em criticar Israel", assinala.

Agostinho Costa admite que Israel pode dar um passo em frente e atacar diretamente alvos iranianos, mesmo do poder político. O major-general lembra que este ataque surge em resposta às mortes dos líderes do Hamas e do Hezbollah, Ismail Haniyeh e Hassan Nasrasllah, pelo que esse ataque a figuras iranianas pode mesmo ocorrer.

"Está em jogo se a balança do poder tende para o Ocidente ou para os BRICS", afirma, pedindo que se aguarde para perceber a resposta de Israel.

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