Entre o silêncio de um refém e o ruído da guerra: Netanyahu sob fogo em três frentes

5 jul, 21:50
Benjamin Netanyahu

Primeiro, o silêncio cortante de um refém que quis dizer ao primeiro-ministro que foi “abandonado”, mas calou-se. Depois, a distribuição de comida em Gaza, onde a fome mata e o Governo israelita recusa responsabilidades. Por fim, a promessa de um cessar-fogo, presa entre as exigências de Hamas e os limites políticos de Benjamin Netanyahu. Três frentes abertas que expõem, em simultâneo, as fragilidades internas e o impasse externo de Israel

Gadi Mozes sobreviveu a 482 dias de cativeiro em Gaza. Aos 80 anos, voltou a casa — ou ao que resta dela — e esperou 636 dias por uma visita, este sábado, de Benjamin Netanyahu ao kibutz Nir Oz, um dos mais massacrados no ataque de 7 de Outubro de 2023. Quando finalmente teve o primeiro-ministro diante de si, preparou-se para lhe dizer: “Abandonou-nos”. Mas não o fez.

“Por educação”, justificou Mozes numa entrevista ao canal 12 israelita, entre pausas de exaustão e raiva contida. “Esperava que Bibi viesse muito mais cedo”, lamentou. “Pedi-lhe que reduzisse a burocracia. Disse-lhe que os seus funcionários estão a dificultar-nos a vida. Não libertam os fundos que prometeram para reconstrução.”

O mesmo governo que tarda em ressarcir Nir Oz é também o que se isenta das mortes causadas nos pontos de distribuição de comida em Gaza. Os relatos multiplicam-se: centenas de palestinianos foram mortos a tentar aceder a comida entregue através da nova fundação Gaza Humanitarian Foundation (GHF), apoiada por Israel e pelos Estados Unidos. Em resposta, o exército israelita diz que os seus soldados apenas disparam “tiros de aviso”. Nada mais.

Netanyahu, por sua vez, usa esses mesmos episódios para reforçar a narrativa da brutalidade de Hamas, culpando o grupo islamista por um ataque recente com granadas que feriu dois trabalhadores humanitários americanos. “O mundo inteiro deve condenar este incidente grave”, disse o primeiro-ministro este sábado. E aproveitou para agradecer a Donald Trump, que volta a desempenhar um papel-chave neste xadrez.

É também com Trump que Netanyahu se encontrará na segunda-feira em Washington, enquanto o seu gabinete de segurança decide, entre promessas e pragmatismos, se dá seguimento ao mais recente plano de cessar-fogo — mediado pelos EUA, Catar e Egipto. O Hamas respondeu positivamente à proposta, mas quer garantias de que qualquer trégua “levará ao fim da guerra”. Do lado israelita, Netanyahu insiste que o conflito só termina quando o domínio de Hamas em Gaza for “completamente desmantelado”. 

Dentro do seu governo, porém, cresce a pressão da ala mais radical — com ministros como Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich a ameaçarem demitir-se se houver qualquer concessão que implique o fim definitivo da guerra. A coligação de Netanyahu, sustentada por partidos ultranacionalistas e religiosos, está profundamente dividida sobre os termos de um possível cessar-fogo.

O plano prevê uma trégua de 60 dias: libertação faseada de reféns em troca de prisioneiros palestinianos, recuo das tropas israelitas para linhas definidas e negociações para um cessar-fogo permanente. Os detalhes continuam a ser afinados, mas os impasses repetem-se — ajuda humanitária e posições militares são os pontos mais difíceis.

Enquanto isso, a realidade em Gaza é catastrófica. Segundo o Programa Alimentar Mundial, “quase uma em cada três pessoas está a passar dias sem comer.” A malnutrição galopante ameaça 90 mil crianças e mulheres. “É o pior que já vi”, disse Carl Skau, diretor executivo adjunto da organização. “As pessoas estão a morrer só por tentar conseguir comida.”

Entre os que esperam, como o ex-refém Gadi Mozes, e os que morrem à espera, como milhares de civis em Gaza, Netanyahu caminha num trilho apertado entre a gestão da imagem e a erosão do tempo.

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