Os ucranianos aprenderam a viver com os cortes de energia. Mas um inverno frio e escuro está a aproximar-se

CNN , Ivana Kottasová
28 ago, 08:00
Funcionários de uma loja de chocolates e de um café deitam gasolina num gerador de energia no centro da cidade ucraniana de Odessa durante o apagão de 16 de dezembro de 2022, quando uma nova onda de ataques mortais russos atingiu a Ucrânia, cortando a água e a eletricidade nas principais cidades e aumentando a pressão sobre a rede com temperaturas negativas (Photo by OLEKSANDR GIMANOV/AFP via Getty Images)

Quando centenas de mísseis e drones russos atacaram a Ucrânia na manhã de segunda-feira, a energia elétrica em casa de Victoria Novorzhytska foi a primeira a ser cortada. O abastecimento de água foi cortado imediatamente a seguir.

A jovem soube imediatamente que o dia se iria transformar numa luta. Trabalha a partir da sua casa em Zhytomyr, a oeste de Kiev, e a falta de eletricidade significa falta de trabalho.

Mas viver em guerra dá-lhe uma perspetiva diferente. “Não nos importamos com o facto de não haver eletricidade ou água, estamos mais preocupados com as nossas vidas”, disse Novorzhytska numa entrevista à CNN.

A Rússia lançou o seu maior ataque aéreo de sempre contra a Ucrânia na segunda-feira, atingindo infraestruturas energéticas em todo o país. Na terça-feira de manhã, foram lançados mais ataques, que causaram a morte de cinco pessoas e elevaram para 12 o número de mortos nos ataques desta semana.

O governo ucraniano e as principais empresas de energia do país não quiseram revelar a dimensão das perturbações causadas pelo ataque, mas é evidente que o corte de energia afetou milhões de pessoas.

A maior empresa privada de energia da Ucrânia, a DTEK, anunciou na segunda-feira cortes de eletricidade em várias regiões, incluindo Kiev, Odessa, Dnipropetrovsk e Donetsk.

Para os habitantes da periferia ocidental da capital, isto significou seis horas de escuridão seguidas de duas horas de eletricidade entre as 2 e as 4 horas da manhã.

Os cortes programados causam transtornos à vida das pessoas, mas pelo menos permitem-lhes planear as falhas de energia - para que os residentes de blocos de apartamentos altos não fiquem presos no exterior quando os elevadores não funcionam e para que as pessoas carreguem os aparelhos eletrónicos vitais enquanto a energia está ligada.

O facto de estes apagões já serem necessários no verão é particularmente preocupante. Esta situação poderá ser muito pior dentro de alguns meses, quando a procura de eletricidade tende a ser maior no inverno frio e escuro.

“A principal tarefa é atravessar o inverno e assegurar o fornecimento de energia às infraestruturas críticas, às pessoas e à economia”, declarou o primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal, aos jornalistas esta terça-feira.

O primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal, disse aos jornalistas na terça-feira que a tónica é agora colocada na reparação e reconstrução. “Estamos sempre a fazer isto, depois de cada bombardeamento russo são atribuídos milhares de milhões (e) o equipamento é trazido para a Ucrânia.”

Recarregar e ligar

Os ucranianos estão habituados a viver sob a ameaça constante de apagões. O ataque de segunda-feira destacou-se pela sua dimensão maciça, mas não foi invulgar em termos dos meios que Moscovo utilizou e dos alvos que escolheu. Há muito que as infraestruturas energéticas são afetadas pelos ataques russos.

Em Kiev, as autoridades criaram “pontos de invencibilidade”, tendas e outras áreas onde as pessoas podem carregar os seus aparelhos eletrónicos e utilizar a Internet durante os cortes de energia.

A CNN visitou vários pontos de invencibilidade na segunda-feira e todos eles estavam vazios. Muitas pessoas levam consigo powerbanks, transportando a fonte de energia de reserva juntamente com os seus outros bens essenciais: chaves, telemóvel, carteira.

Os frequentes ataques às infraestruturas energéticas também levaram muitas cidades ucranianas a investir em energia solar. O presidente da Câmara de Kiev, Vitaliy Klitschko, afirmou que a cidade tem subsidiado a compra de geradores e painéis solares por cooperativas de habitação e condomínios, para que possam ser independentes da rede de energia. O governo também concedeu reduções de impostos e subsídios para ajudar as pessoas a adquirir o equipamento.

A grande maioria dos estabelecimentos comerciais, desde as pequenas bancas de comida aos grandes centros comerciais, tem agora os seus próprios geradores, cujo ruído profundo é sinónimo de cortes de energia.

Maksym Holubchenko, um barista de 25 anos em Kiev, disse que o gerador do seu café evita que tenha de fechar sempre que há um corte de energia após os ataques russos. Atualmente, isso acontece cerca de uma vez por mês.

Na segunda-feira, Kiev estava quente e o termómetro na parede do café de Holubchenko mostrava 34 graus Celsius. O gerador não tem potência suficiente para cobrir as necessidades de um serviço normal no café, pelo que Holubchenko tem de fazer escolhas.

“No inverno, temos energia suficiente do gerador. No verão, temos de desligar o ar condicionado e... partes da máquina de café”,afirma.

O café tem tomadas prontas para os clientes que precisam de carregar os seus telemóveis e outros aparelhos, bem como utilizar a internet durante os cortes de energia.

Para Inna, de 87 anos, de Odessa, os atuais apagões trazem-lhe recordações da sua infância. “Já sobrevivi à Segunda Guerra Mundial, por isso tenho alguma experiência... Comprei algumas velas e desejo que ganhemos esta guerra o mais depressa possível. Com o mínimo de baixas. Isto tem de acabar”, disse à CNN.

A Rússia tem visado a rede de energia da Ucrânia desde a sua invasão em grande escala em fevereiro de 2022, mas este ano Moscovo começou a visar especificamente as instalações de produção de energia: centrais térmicas, centrais hidroelétricas e até instalações de armazenamento de energia.

Olha Matskiv, perita jurídica da Global Rights Compliance, uma ONG internacional que aconselha a Ucrânia na investigação e julgamento de crimes de guerra, disse que os ataques estão a “criar condições incompatíveis com a vida dentro da Ucrânia”.

“Esta é uma tática que o exército russo está a utilizar para drenar as reservas internas da Ucrânia, tanto humanas como financeiras, abrandando a economia do país, que não se pode desenvolver quando as empresas fecham por falta de eletricidade”, acrescentou.

O governo tem tentado fortificar a rede de energia da Ucrânia para que possa resistir aos ataques, primeiro envolvendo-a para a proteger dos estilhaços e depois utilizando defesas de betão armado que podem resistir a alguns ataques diretos.

O primeiro-ministro Shmyhal afirmou que as medidas estão a resultar. “Dezenas de mísseis atacaram subestações na segunda-feira e ontem perdemos uma quantidade muito pequena do nosso equipamento entre dezenas de ataques, graças à proteção”, disse aos jornalistas.

Acrescentou que a Ucrânia está a experimentar enormes estruturas de proteção, do tamanho de três campos de futebol americano, para cobrir centrais elétricas maiores.

“São extremamente caras e a sua viabilidade económica ainda não é clara. O custo de tal proteção para seis subestações é de 188 mil milhões de hryvnia (4 mil milhões de euros). Trata-se de uma quantidade incrível de dinheiro que os parceiros não estão dispostos a dar e que não consta do orçamento de Estado”, afirmou Shmyhal.

*Svitlana Vlasova, Daria Tarasova-Markina e Kosta Hak contribuíram para este artigo

Relacionados

Europa

Mais Europa

Patrocinados