O ataque russo, registado em imagens tremidas de vários drones, é implacável e diário. Veículos blindados antigos avançam rapidamente por um campo marcado por crateras. Em plena luz do dia, um dos tanques é detido por drones ucranianos. Ainda assim, dois outros conseguem alcançar a linha de árvores e deixam soldados russos sem forma de se abrigarem na vegetação escassa de inverno. Poucos minutos depois, novos ataques de drones atingem os soldados isolados.
Outro tanque, parcialmente danificado na sua primeira investida, segue pela linha de árvores adiante. Avança para o próximo campo aberto, com alguns soldados aparentemente ainda agarrados ao seu exterior danificado. A cena, com toda a sua violência, tem uma estranha intimidade nos detalhes transmitidos ao vivo, mesmo que o horror a que assistimos esteja a cerca de 16 quilómetros de distância.
Quando o tanque chega à metade do campo, um enxame de drones descartáveis atinge-o novamente, fazendo-o parar e largar algum fumo. Por mais que os ucranianos eliminem em cada investida, reclamam que os poucos russos que avançam são rapidamente substituídos por outros dez.
A Ucrânia não consegue igualar os números de Moscovo nem a tolerância a baixas, que, segundo autoridades ocidentais, calculam-se até 1.200 mortos ou feridos diariamente ao longo das linhas de frente. A crise de pessoal em Kiev tem sido evidente em Pokrovsk há semanas, segundo os soldados posicionados na frente leste que falaram com a CNN. As tácticas brutais de Moscovo continuam a obter resultados consistentes.
“A situação é muito crítica”, afirmou ‘East’, o nome de código de um comandante de uma unidade de drones da 15ª Guarda Nacional da Ucrânia, que atua nos arredores de Pokrovsk. “Faltam-nos soldados de infantaria para lutar e resistir por tempo suficiente enquanto os drones fazem o seu trabalho. É por isso que vemos frequentemente o inimigo avançar descontroladamente em áreas vulneráveis”.
Os soldados em Pokrovsk relatam à CNN uma escassez tão grave de pessoal que temem que a Rússia consiga um avanço significativo. Também se queixaram de ter de usar drones para atacar unidades russas em avanço, devido à falta de infantaria para enfrentá-las diretamente.
Um comandante afirmou que Selydove, uma cidade estratégica nos arredores de Pokrovsk capturada pela Rússia em outubro, foi defendida com apenas seis posições ucranianas, o que, na sua avaliação, significava cerca de 60 soldados envolvidos na operação. E foram rapidamente cercados, superados em número e forçados a recuar (e isto com pesadas baixas).
É raro ouvir tropas ucranianas criticarem comandantes ou fazerem avaliações tão duras sobre a linha de frente quando falam com os jornalistas. No entanto, diversos soldados em Pokrovsk ofereceram uma visão sombria sobre a ofensiva russa atual e a suas próprias perspectivas para os próximos meses na região.
A iminente presidência de Donald Trump também traz uma certa ansiedade: os soldados mostraram-se cuidadosos para não ofender o próximo comandante-chefe dos EUA, mas estão preocupados com o futuro da sua luta. “Prefiro conter-me, pois falo o que penso”, admitiu um soldado. Outro temia que uma iniciativa de paz em janeiro, após a posse de Trump, pudesse chegar tarde demais.
"Não posso dizer exatamente quanto tempo nos resta, se é que temos algum tempo", lamenta Kashei, nome de código de um sniper de elite de reconhecimento da 15ª Guarda Nacional. “Agora [os russos] estão a empurrar as suas tropas para a linha de frente o máximo que podem. E então, em algum momento, todos terão de partir para um ataque. Os russos podem ir muito longe, num único dia, digamos”.
"O inimigo está a avançar porque não há pessoas a defender no terreno”, continua o sniper, adiantando que "ninguém quer ficar lá. As hipóteses de não voltar são muito altas”.
A equipa de drones analisa rapidamente a sua biblioteca de vídeos das últimas semanas, mostrando retiradas custosas e caóticas. Num dos momentos, três soldados ucranianos entram numa fábrica em Selydove, há cerca de um mês, informados de que o local está sob controlo ucraniano. No entanto, um deles é abatido por russos que ocupavam o prédio.
Outra cena mostra uma unidade ucraniana de drones a defender outra vila, quase sem o apoio de infantaria, cercada por tropas russas. As imagens mostram um soldado russo escondido nas proximidades, enquanto a unidade dispara um drone – normalmente enviado a quilómetros de distância para a linha de frente – a apenas 30 metros para atingir os russos que se aproximam.
O recrutamento traz os seus próprios problemas. Segundo um comandante, a defesa de Selydove foi reforçada com 300 novos recrutas, enviados diretamente para a linha de frente e na esperança que realizem o seu treino básico nas trincheiras. Erros de comando estão a aumentar, relataram vários soldados, mencionando um episódio em que uma unidade de soldados ucranianos foi atacada por drones na linha de frente após dois comandantes ucranianos, por engano, não os terem identificado corretamente.
Os erros são comuns no caos e horror de um campo de batalha, mas esta franqueza é rara entre tropas que, há um ano, falariam com um orgulho feroz sobre a contraofensiva ucraniana no verão, na região russa de Kursk.
“Não tenho ninguém. Estou completamente sozinho. Estou exausto”, lamenta Kotia, um outro atirador de elite de reconhecimento da 15ª Guarda Nacional, que fala sob o seu nome militar. “Amo o meu trabalho, mas precisamos que outros jovens também amem este trabalho. O nosso país está desperto, mas as pessoas não estão. Os homens estão a morrer aqui. Isto é uma porcaria”.
A perspectiva de negociações de paz começarem com a posse de Trump em janeiro traz pouco consolo. “Congelar esta guerra é uma faca de dois gumes”, alerta Kotia. “Vamos desistir das terras pelas quais os meus amigos morreram, ou continuar a tentar recuperá-las e perder ainda mais amigos? Se esses dois velhos [Donald Trump e o presidente russo Vladimir Putin] começarem a disputar egos, a Ucrânia estará no meio disso tudo. E isso não será agradável”.
East, o comandante de drones, revela que foi chamado para o terreno em agosto. “Durante todo esse tempo, nunca fomos aos campos de treino ou tivemos reposição de pessoal”, revela. Os russos, por outro lado, “estão constantemente a receber reforços, sempre treinados, com rotações e substituições de tropas. Ouvimos sempre sobre isso nas interceptações: eles têm reposições e rotações constantes”.
A intensidade do ataque russo contra Pokrovsk é sentida em várias direções. Um avanço russo concentra-se a sul, nos arredores da pequena cidade de Kurakhove, onde as tropas ucranianas que ainda restam correm o risco de serem cercadas por um movimento de “pinça” russo vindo do sul e do norte.
Outras unidades de assalto russas avançam rapidamente em direção a Pokrovsk, com grupos de infantaria, às vezes compostos por poucos soldados, a explorar aldeias e a procurar brechas nas defesas ucranianas, cada vez mais fragilizadas. Um comandante disse à CNN que as tropas na região de Pokrovsk receberam ordens para atirar em pessoas não identificadas à vista, temendo que fossem grupos de reconhecimento russos avançando.
A brutalidade do ataque russo também afeta o moral. Um vídeo de drone que circula mostra uma pequena casa nos arredores de Petrivka, uma aldeia próxima a Pokrovsk, no dia 13 de novembro. As imagens mostram um morador local, com uma camisa laranja vestida, a conduzir as tropas russas até um porão onde os soldados ucranianos estavam escondidos.
Um a um, os ucranianos são levados para a luz do dia e forçados, sob a mira de armas, a deitarem-se de bruços. O vídeo mostra, de seguida, um soldado aparentemente a disparar contra os ucranianos imobilizados, com a perna de um deles a contrair-se após os tiros.
O procurador-geral ucraniano informou na terça-feira que abriu uma investigação sobre o incidente como “um crime de guerra combinado com assassinato premeditado”, acrescentando que “em violação do direito humanitário internacional, os ocupantes fuzilaram os prisioneiros ucranianos com armas automáticas. O assassinato de prisioneiros de guerra é uma grave violação das Convenções de Genebra e é classificado como um crime internacional grave”.