Ex-comandante do grupo Wagner descreve a brutalidade e a incompetência na linha da frente

CNN , Muhammad Darwish, Katharina Krebs e Tara John
31 jan 2023, 22:00

Medvedev disse à CNN que não queria comentar sobre o que ele próprio tinha feito enquanto lutava na Ucrânia.

Um antigo mercenário do grupo Wagner diz que a brutalidade a que assistiu na Ucrânia acabou por levá-lo a desertar, numa entrevista exclusiva à CNN.

Os combatentes do grupo Wagner eram frequentemente enviados para a batalha com poucas indicações, e o tratamento dado aos recrutas relutantes era bárbaro, contou Andrei Medvedev ao repórter da CNN Anderson Cooper na capital norueguesa, Oslo, onde procura asilo após ter atravessado a fronteira ártica daquele país a partir da Rússia.

"Eles reuniam aqueles que não queriam lutar e matavam-nos à frente dos recém-chegados", alega ele. "Trouxeram dois prisioneiros que se recusaram a lutar e dispararam contra eles à frente de todos, enterrando-os mesmo nas trincheiras que foram escavadas pelos principiantes".

A CNN não pôde verificar a independência deste relato e o grupo Wagner não respondeu a um pedido de comentários.

O jovem de 26 anos, que diz ter servido anteriormente no exército russo, juntou-se ao grupo Wagner como voluntário. Atravessou a Ucrânia menos de 10 dias após a assinatura do seu contrato em Julho de 2022, servindo perto de Bakhmut, a cidade da linha da frente na região de Donetsk. O grupo mercenário emergiu como uma peça fundamental na invasão russa da Ucrânia.

Medvedev disse que reportava directamente aos fundadores do grupo, Dmitry Utkin e o oligarca russo Yevgeny Prigozhin.

Ele refere-se a Prigozhin como "o diabo". Se ele fosse um herói russo, “teria pegado numa arma e corrido ao lado dos soldados", disse Medvedev.

Prigozhin já tinha confirmado que Medvedev tinha servido na sua companhia, e disse que "deveria ter sido processado por tentar maltratar os prisioneiros".

Uma ONG criou um cartão de imprensa falso para ajudar Andrei Medvedev a fugir da Rússia. Foto: Darren Bull/CNN

Medvedev disse à CNN que não queria comentar sobre o que ele próprio tinha feito enquanto lutava na Ucrânia.

Faltava ao grupo Wagner uma estratégia tática, com as tropas a improvisarem os planos no terreno, disse Medvedev.

"Não havia realmente nenhuma tática. Apenas recebíamos ordens com a posição do adversário... Não havia ordens sobre como nos deveríamos comportar. Apenas planeávamos o que fazer, a cada momento. Quem iria abrir fogo, que tipo de turnos teríamos... Como é que isso se iria desenrolar no terreno, isso era problema nosso", disse ele.

Medvedev falou com a CNN de Oslo após ter atravessado a sua fronteira numa ousada deserção que, diz ele, o viu escapar à prisão "pelo menos dez vezes" e esquivar-se a balas das forças russas. Atravessou a Noruega atravessando um lago gelado, usando camuflagem branca para não ser visto, disse ele.

Disse à CNN que sabia, ao sexto dia do seu destacamento na Ucrânia, que não queria regressar para outra campanha depois de ter testemunhado tropas a serem transformadas em carne para canhão.

Começou com 10 homens sob o seu comando, um número que cresceu quando os prisioneiros foram autorizados a juntar-se, disse ele. "Havia mais cadáveres, e mais, e mais pessoas a chegar. No final, eu tinha muitas pessoas sob o meu comando", disse ele. "Não conseguia contar quantas. Estavam em constante circulação. Cadáveres, mais prisioneiros, mais cadáveres, mais prisioneiros."

Os grupos ativistas dizem que aos prisioneiros que se alistaram foi-lhes dito que as suas famílias receberiam um pagamento de cinco milhões de rublos (65.220 euros) caso eles morressem na guerra.

Mas, na realidade, "ninguém queria pagar essa quantidade de dinheiro", disse Medvedev. Ele alegou que muitos russos que morreram em combate na Ucrânia tinham "acabado por ser dados como desaparecidos".

Medvedev ficou emocionado em alguns momentos da entrevista, dizendo à CNN que viu atos de coragem em ambos os lados da guerra.

"Sabe, eu vi coragem de ambos os lados, do lado ucraniano também, e dos nossos rapazes também... Só quero que eles saibam isso", disse ele.

Acrescentou que agora quer partilhar a sua história para ajudar a levar Prigozhin e o Presidente russo Vladimir Putin à justiça.

"Mais cedo ou mais tarde, a propaganda na Rússia deixará de funcionar, o povo erguer-se-á e todos os nossos líderes... serão presos e um novo líder emergirá".

O grupo Wagner é muitas vezes descrito como o exército clandestino de Putin. Desde a sua criação em 2014, o grupo expandiu a sua presença a nível mundial e já foi acusado de crimes de guerra em África, na Síria e na Ucrânia.

Quando lhe perguntaram se temia o destino de outro desertor do grupo Wagner, Yevgeny Nuzhin, que foi assassinado em frente às câmaras com uma marreta, Medvedev disse que a morte de Nuzhin o encorajou a partir.

"Eu diria apenas que me tornou mais corajoso, mais determinado a partir", disse ele.

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