ANÁLISE || Donald Trump deu um passo em frente e as forças norte-americanas na região preparam-se para um confronto. Do lado de lá, do Irão, faz-se o mesmo, com mísseis a serem preparados para uma eventual retaliação. Pelo meio anda Israel, que "vai ter de conseguir os dois objetivos", incluindo a queda do regime
A guerra no Médio Oriente ganhou esta terça-feira uma nova dimensão que parece apontar no sentido de uma escalada. Do lado de Israel e Estados Unidos já não há muito pudor em admitir que o Líder Supremo do Irão pode ser um alvo, enquanto do lado de lá já se preparam mísseis para alargar um conflito que parece não ter um fim claro à vista.
Como se duas hidras se tratassem, Israel e Irão vão decepando cabeças um ao outro, apenas para verem o inimigo renascer com novos membros. A diferença, claro, é que o primeiro parece ter mais e melhores cabeças, incluindo aquela que agora está a espreitar: a dos Estados Unidos.
No que parece ser uma ameaça séria, o presidente norte-americano garantiu que tem conhecimento de qual é o paradeiro do aiatola Ali Khamenei, sublinhando que essa localização é, para já, segura, mas deixando a entender que esse cenário pode mudar.
Parece pouco possível, então, que o Irão possa aparecer como um Hércules que derrota a besta, até porque já nem controla totalmente o que se passa no seu território. Depois de ter sido Israel a dizê-lo, o próprio Donald Trump anunciou que “nós” controlamos o espaço aéreo de Teerão. Ficou por perceber se o “nós” é Estados Unidos e Israel ou apenas Estados Unidos, mas é um pronome pessoal que incluirá sempre a maior força militar do mundo. E isso é uma novidade.
O tenente-general Marco Serronha admite que a terminologia utilizada por Donald Trump na sua Truth Social é uma indicação de que existe mesmo a possibilidade de uma intervenção norte-americana.
O especialista militar refere à CNN Portugal que, a acontecer, a participação dos Estados Unidos não poderá limitar-se ao lançamento de uma ou outra bomba. “Só a questão da solidariedade com Israel não será suficiente, mas se o Irão cometer o erro de bombardear infraestruturas das monarquias do Golfo Pérsico, isso será suficiente”, sublinha.
Marco Serronha entende que Donald Trump está solidário com os objetivos finais de Benjamin Netanyahu, incluindo a mudança do regime iraniano. “Israel vai ter de conseguir os dois objetivos. Se não houver queda do regime, julgo que 99% dos iranianos vão fazer de tudo para ter armas nucleares no futuro”, sublinha.
Caso contrário, Israel poderá ter um “sarilho no futuro” ainda mais grave.
Guerra alargada: porquê?
Foi a primeira de várias informações que vão apontando, mesmo que lentamente, para um agudizar da situação: primeiro a agência Reuters anunciou que os Estados Unidos vão enviar mais caças para o Médio Oriente e que os seus 40 mil soldados na região estão agora em alerta máximo; depois a NBC News avançou que Donald Trump está a considerar juntar-se ao Irão para atacar Israel; já depois o The New York Times garantiu que há informações norte-americanas que apontam que o Irão prepara já mísseis para uma resposta aos Estados Unidos.
Enquanto ignora as ameaças e as respostas que o Irão vai continuando a anunciar, Israel procura mesmo que os Estados Unidos se juntem à sua iniciativa. A lógica é simples de perceber: o Estado hebraico já conseguiu afetar gravemente o programa nuclear iraniano, de acordo com a Agência Internacional de Energia Atómica, mas continua sem capacidade para atingir a misteriosa infraestrutura de Fordow, cavada centenas de metros para dentro das montanhas, e onde o Irão tem parte do seu programa de enriquecimento de urânio.
Locais no Irão atingidos por ataques israelitas
Israel lançou uma operação que visa as instalações nucleares, militares e energéticas do Irão em todo o país.

Fontes: Instituto para o Estudo da Guerra com o Projeto de Ameaças Críticas da AEI, análise das redes sociais da CNN, Agência Internacional de Energia Atómica
Gráficos: Renée Rigdon, Lou Robinson, Soph Warnes e Annette Choi, CNN
Essa tarefa parece só poder ser executada pelos Estados Unidos. Apenas eles têm a chamada “bunker buster”, uma arma com mais de 13 mil quilos de explosivos desenhada especificamente para atacar alvos subterrâneos, sendo que nem há garantias a 100% de que esta bomba seja capaz de fazer o que Israel quer.
Para já, e de acordo com a informação fornecida por um responsável israelita à CNN, espera-se pelo presidente dos Estados Unidos para saber qual será a decisão. Os dois lados mantêm-se em conversações constantes, sendo que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, não quer pressionar demasiado Donald Trump. Espera antes que ele decida a seu tempo e com a sua consciência.
Ainda assim, e segundo uma outra fonte israelita que falou com a CNN, “toda a operação é baseada na premissa de que os Estados Unidos se vão juntar a dado ponto”.
Essa decisão terá sido um dos temas da reunião de emergência do gabinete de crise que Donald Trump reuniu esta terça-feira durante mais de uma hora.
Um país a fechar-se
Enquanto sabe se a guerra se alastra ou não, o Irão tenta fechar-se sobre si mesmo e garantir que o aparente descontrolo militar não se torna numa faísca para uma revolta civil.
Fora do país, o filho do monarca que liderou o Irão até 1979 já pede uma revolução popular. Reza Pahlavi publicou um vídeo na rede social X em que afirma que “a República Islâmica chegou a um fim e está a cair”.
“Só precisamos de uma revolta total para trazer, para sempre, um fim a este pesadelo coletivo”, acrescentou, pedindo ao povo que se “levante” para retomar o controlo do Irão.
جمهوری اسلامی به پایان خود رسیده و در حال سقوط است. آنچه آغاز شده برگشتناپذیر است. آینده روشن است و ما با هم از این پیچ تند تاریخ عبور خواهیم کرد. اکنون زمان ایستادن است؛ زمان بازپسگیری ایران. باشد که بهزودی در کنار شما باشم. pic.twitter.com/sXf9BWsZAH
— Reza Pahlavi (@PahlaviReza) June 17, 2025
Talvez para impedir que cheguem ao povo mensagens como esta, o regime iraniano avisou toda a população que deve deixar de utilizar aplicações como o Whatsapp, o Telegram ou outras. Para os aiatolas esse é o “principal meio [de Israel] para identificar e alvejar pessoas”.
“No seguimento de homicídios específicos, incluindo o assassínio de cientistas, informações apontam que o regime [de Israel] utiliza dados de telemóveis para rastrear pessoas no Irão”, avançou a televisão IRIB, mostrando sinais daquilo a que a CNN chamou "paranoia", nomeadamente com a presença cada vez mais evidente da Mossad no país.
Ainda que não se perceba exatamente qual a franja da população que ainda se mantém fiel ao regime, as imagens que se veem em Teerão são claras: milhares fogem e inundam as estradas que levam à saída da capital iraniana, agora que os seus céus são controladas pelo inimigo.
Marco Serronha lembra que é mesmo preciso um desgaste da estrutura que se assenta no fundamentalismo islâmico. O especialista militar avisa que "não é por matarem o aiatola que o regime vai cair", até porque há outros aiatolas prontos a assumir o cargo de um homem que já tem 86 anos e que, até por aí, já terá a sucessão planeada.
A bola fica, por isso, do lado dos iranianos, com vários grupos a poderem procurar aproveitar um momento de fragilidade do regime para tentarem fazer cair a República Islâmica.