Ucranianos cantam o seu hino e emocionam-se com o discurso de Zelensky no Parlamento: "Com esta sessão, parece que ficámos mais perto da Ucrânia"

21 abr 2022, 21:07
Assembleia da República recebe o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky (Miguel A. Lopes/Lusa)

Presidente ucraniano falou durante 15 minutos por videoconferência aos portugueses mas também aos muitos ucranianos que moram em Portugal. Nas galerias da Assembleia da República, cantou-se o hino ucraniano pela primeira vez

Quando termina o discurso de Augusto Santos Silva, as portas da sala abrem-se e começa a ouvir-se o hino da Ucrânia, tocado pela Banda Sinfónica da GNR. Todos os que estão na Assembleia da República se levantam. E das galerias ouvem-se as vozes, poucas mas fortes, dos ucranianos, de mão ao peito, a cantar o seu hino. Podemos não perceber o que dizem mas percebemos a sua emoção. No final, Valentyna limpa as lágrimas. Não terá sido a única.

Valentyna Tymchuk chegou às galerias da sala do plenário uns 20 minutos antes das 17:00, a hora marcada para a intervenção, por videoconferência, do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Tem a bandeira do seu país gravada na máscara de pano, uma blusa branca com os bordados típicos da Ucrânia e um saco cheio de laços azuis e amarelos que vende a um euro para conseguir dinheiro para a associação que dirige, chamada Coração Bondoso.

A associação foi fundada em 2014, após o início da guerra no Donbass: "Estamos em Portugal e muitos de nós já temos cidadania portuguesa mas lembramo-nos muito da nossa terra, falamos ucraniano e queríamos ajudar, de alguma maneira", conta Valentyna, que tem 57 anos e está em Portugal desde outubro de 2000, ou seja, há quase 22 anos. Nestes últimos oito anos, a guerra esteve sempre presente em todas as conversas e em todos os encontros dos ucranianos em Portugal, mas no final de fevereiro a situação ganhou uma nova dimensão: "Nos primeiros dias só chorava, chorava. Depois veio uma raiva enorme", conta Valentyna. "E depois começámos logo a trabalhar para ajudar." Valentyna agradece às suas patroas, que a libertaram das limpezas dias e dias seguidos para que se dedicasse a recolher bens para mandar para a Ucrânia, sempre em contacto com os familiares e com os amigos, sempre com o coração nas mãos. "A minha mãe tem 78 anos e não quis sair do país. Mas está bem, mora muito perto da Polónia", conta. "Ainda não acabou, ainda há muita coisa má a acontecer." E conclui: "Slava Ukraini".

Microfones, cães-polícia e a banda da GNR: tudo a postos para Zelensky

Valentyna nunca tinha estado no parlamento português. Olha em volta, curiosa, enquanto os deputados vão ocupando os seus lugares. "Avisaram-me que na televisão parece maior do que é, e é verdade", conclui, rindo-se. A seu lado sentam-se outros representantes de associações de ucranianos em Portugal. Muitos deles com as blusas bordadas, parecidas à de Valentyna. "Nunca imaginámos que viríamos aqui ouvir o nosso presidente", diz Nicolau Yareme, da Igreja Greco-católica ucraniana de Lisboa, olhando em volta. Os dois ecrãs-gigantes ainda estão a mostrar imagens dos parlamento. 

Na Assembleia, desde o início da tarde, sentia-se que havia algo importante para acontecer. Há ecrãs espalhados por todo o lado e um microfone foi colocado no meio da passadeira vermelha, para preparar os discursos após a cerimónia. Continuavam a fazer-se testes aos microfones e ainda havia cabos a serem arrastados de um lado para o outro. Às 15:20, a sala do plenário teve de ser esvaziada. Apenas lá ficaram os elementos da GNR e os seus cães, que durante cerca de 40 minutos inspecionaram todos os recantos - medidas de segurança extraordinárias devido à presença da embaixadora da Ucrânia e ao simbolismo da cerimónia.

Antes das 16:00 chegaram os 25 elementos da Banda Sinfónica da GNR, com os seus instrumentos. O sargento-chefe Vilela, que habitualmente toca clarinete mas que hoje foi nomeado como maestro, explica que ali não está a banda toda, "apenas um grupo reduzido que é escolhido para serviços marciais como este". Estão ali para tocar os hinos da Ucrânia e de Portugal no final da sessão. "Estivemos hoje a ensaiar o hino da Ucrânia. Já o tocámos algumas vezes porque somos a banda do protocolo do Estado e tocamos sempre que há a apresentação de um embaixador ou a visita de um chefe de Estado, por exemplo. Já não o tocávamos há muito tempo mas somos profissionais e rapidamente ficou pronto." Pelo sim, pelo não, os músicos trazem a pauta do hino da Ucrânia. Já do de Portugal não precisam, "todos o sabem de cor".

A banda ficou lá fora. Entretanto, cá dentro, começam a chegar os deputados e os convidados. Muitos dos deputados trazem ao peito um símbolo da Ucrânia - seja a bandeira ou um laço amarelo e azul. A sala vai ficando composta. Às 16:57 o burburinho dá lugar ao silêncio com a entrada do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, e do primeiro-ministro, António Costa. Está tudo a postos... exceto os deputados do Chega, que entram todos juntos poucos depois. São poucas as cadeiras vazias e, de entre elas, destacam-se os seis lugares deixados vagos pelos deputados do PCP, que optaram por não participar na cerimónia.

"Estamos com ele, estamos com cada ucraniano que ele representa"

17:01 e a imagem do presidente ucraniano aparece em duplicado, dos dois lado da estátua da República. Infelizmente na sala não ouvimos a sua voz, apenas a voz da tradutora que vai traduzindo para português o que Zelensky tem para dizer aos portugueses. Para ouvir Zelensky a falar em ucraniano é preciso colocar o auricular - é o que fazem muitos dos ucranianos presentes, porque preferem ouvir diretamente a mensagem do seu presidente, na sua língua. Depois do enorme aplauso de pé para Zelensky, que falou durante quase 15 minutos, segue-se o discurso de Santos Silva. E, finalmente, o emocionante momento em que se ouve o hino da Ucrânia e depois o de Portugal. Nos ecrãs, o presidente ucraniano também está de pé, em sentido, ouvindo os hinos. Até que a sua imagem desaparece. Termina a sessão.

Os deputados deixam a sala enquanto nas galerias se trocam abraços. "Sentimos uma grande honra por nestas circunstâncias tão difíceis para nós todos, para a comunidade, para cada ucraniano, o nosso presidente ter falado hoje aqui, no mais alto lugar de representação de Portugal", diz no final à CNN Portugal Pavlo Sadokha, presidente da Associação de Ucranianos em Portugal. "Estamos com ele, estamos com cada ucraniano que ele representa."

Um grupo de deputados da Iniciativa Liberal e Inês Sousa Real, deputada do PAN, sobem até ao terceiro andar para cumprimentá-lo, a ele em nome de todos os ucranianos, deixando palavras de apoio. Pavlo Sadokha agradece. "Também queremos agradecer a Portugal porque logo nas primeiras horas da agressão os mais elevados representantes de Portugal condenaram a invasão da Rússia e deram logo apoio à Ucrânia. Sabemos que Portugal e os portugueses estão com a Ucrânia e agradecemos muito."

Sobre o discurso de Zelensky, o representante da comunidade ucraniana em Portugal admite que "foi muito trágico ouvir o testemunho de todos aqueles acontecimentos". "Muitas daquelas coisas nós vamos percebendo através dos nossos contactos diretos com familiares e amigos na Ucrânia", conta, garantindo: "Vamos reforçar os pedidos do nosso presidente, com o apoio da nossa comunidade, com as nossas ações, com as nossas manifestações, cartas e todo o trabalho que temos feito".

Pavlo Sadokha explica o enorme simbolismo de ouvir o seu hino na casa da democracia portuguesa: "Nestes últimos dois meses, o hino nacional da Ucrânia tornou-se o hino mundial de luta pela independência e pela soberania contra o totalitarismo".  E reforça o quanto o discurso de Zelensky foi importante: "Com esta sessão, parece que ficámos mais perto da nossa Ucrânia, parece que estamos diretamente com o nosso presidente e o nosso povo". 

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