Cresce a tensão: Trump quer os EUA a testarem armas nucleares "em pé de igualdade" com Rússia e China

CNN , Simone McCarthy, Brad Lendon​​​​​​​ e Betsy Klein
30 out, 17:53
Donald Trump (Saul Loeb/AFP/Getty Images via CNN Newsource)

Decisão foi anunciada momentos antes de uma reunião que visava restaurar a estabilidade mundial

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu esta quinta-feira começar a testar as armas nucleares dos EUA “em pé de igualdade” com a Rússia e a China, anunciando uma mudança potencialmente importante em décadas de política dos EUA numa altura de tensões crescentes entre as superpotências mundiais com armas nucleares.

Trump fez o anúncio momentos antes da sua tão esperada reunião com o líder chinês Xi Jinping em Busan, na Coreia do Sul, para o que tinha sido anunciado como conversações decisivas destinadas a restaurar a estabilidade após quase um ano de turbulência comercial e económica.

Numa publicação nas redes sociais, Trump afirmou que “os Estados Unidos têm mais armas nucleares do que qualquer outro país”, referindo a Rússia como segundo país e a China como “um terceiro distante”, mas que está a recuperar o atraso.

"Por causa dos programas de testes de outros países, dei instruções ao Departamento de Guerra para começar a testar as nossas armas nucleares numa base de igualdade. Esse processo terá início imediatamente", disse Trump.

A CNN contactou a Casa Branca e o Departamento de Defesa para comentar o assunto.

Não ficou imediatamente claro se Trump estava a referir-se a um teste de armas nucleares ou a um teste de um sistema de armas com capacidade nuclear. Desde a década de 1990 que nenhuma das três maiores potências militares do mundo efetua um ensaio de armas nucleares, tendo a China efetuado o seu último ensaio conhecido em 1996.

Os EUA efetuaram o último teste nuclear em 1992, quando iniciaram uma moratória voluntária sobre este tipo de testes explosivos. Um relatório de agosto do Serviço de Investigação do Congresso afirmava que seriam necessários 24 a 36 meses para que os EUA testassem uma arma nuclear depois de o presidente dar a ordem.

A aparente reviravolta política de Trump surge num momento fraturante da geopolítica mundial, em que uma rivalidade crescente entre as grandes potências dos EUA e da China tem ecos profundos da era da Guerra Fria. Entretanto, a guerra que a Rússia trava na Ucrânia aumenta o risco de um confronto mais vasto entre Moscovo e o Ocidente.

Washington tem estado a observar atentamente o facto de tanto a China como a Rússia continuarem a desenvolver e a testar armas avançadas capazes de transportar ogivas nucleares.

No início desta semana, o presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que o país tinha testado um novo míssil de cruzeiro Burevestnik com capacidade nuclear e um torpedo movido a energia nuclear, conhecido como Poseidon, que o líder russo se gabava de não ter rival, de acordo com os meios de comunicação social estatais russos.

A Rússia, com cerca de seis mil ogivas, e os Estados Unidos, com quase o mesmo número, representam 90% do arsenal mundial, segundo a Union of Concerned Scientists.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou esta quinta-feira que a Rússia “atuará em conformidade” se algum país se retirar da moratória sobre os ensaios nucleares.

“Há, de facto, uma moratória [de testes nucleares] em curso”, confirmou Peskov aos jornalistas, acrescentando que não tinha conhecimento de quaisquer testes nucleares realizados pela Rússia.

"Trump mencionou que outros países estavam alegadamente a testar armas nucleares. Até agora, não tínhamos conhecimento de que alguém estivesse a testar. E se a referência era ao teste do Burevestnik [míssil de cruzeiro], que é movido a energia nuclear, isso não é de forma alguma um teste nuclear", disse Peskov.

“Todos os países estão a desenvolver os seus sistemas de defesa”, acrescentou.

Acredita-se também que a China está a expandir rapidamente o seu arsenal nuclear e que poderá ter mil ogivas nucleares até ao final da década, de acordo com um relatório do Pentágono.

Nos últimos anos, a China construiu pelo menos três complexos para o lançamento de mísseis balísticos, de acordo com a Federação de Cientistas Americanos, e testou um míssil balístico intercontinental (ICBM) no Oceano Pacífico em 2024.

Durante uma parada militar em Pequim, em setembro, a China exibiu pela primeira vez a sua tríade nuclear - sistemas que podem lançar mísseis com capacidade nuclear por terra, mar e ar.

Quando questionado por um repórter sobre a razão pela qual decidiu anunciar os planos de testes nucleares dos EUA imediatamente antes da sua reunião com Xi, Trump disse que “tinha que ver com outros”.

“Parece que estão todos a fazer testes nucleares”, disse Trump, falando a partir do Air Force One. “Parámos [os testes] há muitos anos, mas com outros a fazerem testes, penso que é apropriado que o façamos também”.

Os EUA também testaram recentemente armamento nuclear, com a Marinha dos EUA a realizar, em setembro, quatro testes dos seus mísseis Trident lançados por submarinos.

Uma nova corrida ao armamento?

Os comentários de Trump surgem no final de uma viagem que começou com o presidente dos EUA a promover as suas capacidades pacificadoras na Malásia, onde participou numa cerimónia de assinatura de um acordo de paz sobre o conflito fronteiriço entre a Tailândia e o Camboja.

O presidente dos Estados Unidos tem-se apresentado como um “pacificador” e candidato ao Prémio Nobel da Paz, ao mesmo tempo que defende uma “paz através da força” para as Forças Armadas americanas.

Mas as últimas observações, se operacionalizadas, têm o potencial de alterar significativamente o status quo dos testes nucleares, caso os rivais americanos se aproximem dos EUA.

“Se por testes ele quer dizer testes de explosivos nucleares, isso seria imprudente, provavelmente não seria possível durante 18 meses, custaria dinheiro que o Congresso teria de aprovar”, diz Hans Kristensen, diretor do Projeto de Informação Nuclear da Federação de Cientistas Americanos, à CNN.

Kristensen advertiu que “certamente” encorajaria países como a Rússia, a China, a Índia e o Paquistão a retomar os seus próprios testes. “Ao contrário dos Estados Unidos, todos estes países teriam muito a ganhar com o reinício dos ensaios nucleares”, acrescentou.

Quando questionado se o mundo estava a entrar num “ambiente mais arriscado” em questões nucleares, Trump manteve o seu objetivo de desanuviar a situação.

“Gostaria de ver uma desnuclearização”, disse, apontando para os arsenais dos EUA, Rússia e China. “Estamos a falar com a Rússia sobre isso, e a China seria adicionada a isso se fizermos alguma coisa.”

Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China disse na quinta-feira que a China esperava que os EUA também mantivessem o “seu compromisso de suspender os testes nucleares e tomar medidas concretas para salvaguardar o desarmamento nuclear internacional e o regime de não proliferação, e manter a harmonia e estabilidade estratégica global”.

O momento do anúncio de Trump é também significativo pelas suas potenciais implicações na segurança regional na Ásia, uma região com numerosas potências nucleares, incluindo nações rivais como a Índia e o Paquistão, bem como a Coreia do Norte, que os analistas alertaram nos últimos anos que poderia estar a preparar-se para um novo teste nuclear.

A Coreia do Norte é responsável pelo mais recente ensaio nuclear do mundo, em 2017, e por todos os ensaios efetuados no século XXI. De acordo com as Nações Unidas, apenas três países - Índia, Paquistão e Coreia do Norte - testaram armas nucleares desde o tratado de proibição de testes de 1996.

Depois de testar mísseis de cruzeiro no início desta semana, Pyongyang afirmou que está a tomar medidas para endurecer a sua “postura de combate nuclear” - uma linha que não destoa das numerosas declarações belicosas do país que tem resistido aos apelos para desistir do seu arsenal nuclear.

Há sinais de que uma nova era de testes nucleares pode estar a chegar. A CNN noticiou em 2023 que os EUA, a Rússia e a China tinham todos construído novas instalações e escavado novos túneis nos seus locais de testes nucleares nos últimos anos, de acordo com imagens de satélite.

“Há realmente muitas dicas que estamos vendo que sugerem que a Rússia, a China e os Estados Unidos podem retomar os testes nucleares”, completa Jeffrey Lewis, professor do Centro James Martin para Estudos de Não Proliferação do Instituto de Estudos Internacionais de Middlebury, à CNN na época.

Kylie Atwood, da CNN, contribuiu para esta reportagem

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