Rússia vai ser a nova Coreia do Norte? Como é que o setor das viagens está a responder à invasão da Ucrânia

CNN , Blane Bachelor
4 mar 2022, 09:30
Palácio do Grande Kremlin (Getty Images)

Do desporto profissional a Hollywood, da comida e bebida, uma vasta gama de indústrias anunciou boicotes, proibições e outras formas de retaliação contra a Rússia em resposta à sua violenta invasão da Ucrânia.

Agora, o sector das viagens começa também a tomar medidas.Os cruzeiros, incluindo empresas destacadas como a Carnival, operadores turísticos e várias organizações da indústria anunciaram planos para cancelar viagens futuras à Rússia e também para limitar a participação de entidades russas nos seus negócios.

Estes desenvolvimentos seguem no encalço da agitação continuada nas viagens aéreas, com a União Europeia, o Canadá e Moscovo a fecharem reciprocamente os seus espaços aéreos esta semana. Na terça-feira, no seu discurso sobre o Estado da Nação, o Presidente Joe Biden também anunciou que os EUA vão fechar os seus céus às aeronaves russas.

Sem grande surpresa, na Rússia, a indústria das viagens está a responder na mesma moeda. Na terça-feira, a Agência Federal do Turismo aconselhou os cidadãos a evitarem visitar países que tenham imposto sanções à Rússia e recomendou aos operadores turísticos que suspendam as vendas de viagens a esses países.

Entretanto, vários marcos turísticos e monumentos famosos têm brilhado com as cores amarela e azul da bandeira da Ucrânia, potenciando o impulso das manifestações massivas por todo o mundo. Numa escala menor, pelo menos uma das principais marcas de viagens – a plataforma de reservas Kayak – juntou as cores nacionais da Ucrânia ao seu logótipo digital.

O impacto que estas medidas terão no sector do turismo na Rússia, que arrecadou cerca de 84 milhões de dólares em 2019, ainda está por ver. Mas, por agora, alguns líderes da indústria dizem que uma demonstração de apoio unida ao nível da indústria é crucial.

"A maioria das corporações de turismo, incluindo a nossa, vê a sua missão como a de embaixador cultural mundial", disse por e-mail à CNN Catherine Chaulet, presidente e CEO da Global DMC Partners, uma rede de empresas independentes de gestão de destinos. "Em altura de guerra, é ainda mais importante partilhar a história, os valores e as vivências de quem é afetado. Mais do que nunca, o nosso papel atual é partilhar e proteger o que nos une, não o que nos divide."

Viagens canceladas

Rick Steves, o famoso autor de guias turísticos, foi um dos primeiros e mais destacados nomes da indústria a partilhar notícias sobre a sua empresa turística, Rick Steves' Europe, que cancelou todas as viagens com paragem na Rússia.

Steves anunciou a decisão numa publicação a 24 de fevereiro entitulada “Não Mais Camaradas”, onde escreveu: "A nossa missão na RSE é ajudar os americanos a conhecerem e compreenderem melhor os nossos vizinhos através das viagens. Mas quando levamos turistas a outro país, levamos também os seus dólares – dólares que iriam apoiar a agressão de Putin."

Outro prestador turístico destacado, a G Adventures sediada em Toronto, levou a sua resposta um passo mais longe. Além de cancelar as viagens com paragem na Rússia, a empresa de viagens de aventura não aceitará reservas de agências de viagens russas nem de clientes naturais da Rússia “no futuro próximo," disse à CNN Travel o fundador da G Adventures, Bruce Poon Tip.

"O objetivo das sanções, o objetivo de o mundo se unir é exercer pressão interna no país”, disse Poon Tip. "Portanto, enquanto empresas, devemos [todos] fazer o nosso papel."

Em 2019, a G Adventures tinha mais de uma dezena de viagens que incluíam paragens na Rússia. Todas elas foram retiradas do seu website. A empresa anunciou a notícia por e-mail aos funcionários e clientes na terça-feira à noite. "Eu sempre disse que as viagens podem ser o caminho mais rápido para a paz, por isso, parte-me o coração termos chegado a isto", escreveu Poon Tip no e-mail.

A BusinessClass.com, uma plataforma de pesquisa sediada em Oslo e que se especializa em viagens de luxo, anunciou também que vai bloquear todas as reservas e conteúdos vindos da Rússia no seu website, uma medida que o CEO Jason Eckoff apela que todos os seus colegas na indústria tomem. "Estou a apelar a TODAS as empresas de viagens do mundo para se juntarem a nós e excluírem tudo o que tenha que ver com a Rússia dos seus respetivos serviços até que esta invasão horrível e não provocada tenha fim", escreveu Eckoff numa publicação no LinkedIn.

Outros operadores estão a tomar medidas semelhantes. Charles Neville, diretor de marketing da JayWay Travel, um fornecedor norte-americano de viagens personalizadas a vários destinos na Europa de Leste, disse à CNN Travel que já não promove nem reserva viagens para a Rússia, Ucrânia e Bielorrússia.

No seu conjunto, as viagens a esses países representam menos de 5% do volume de negócios da empresa, disse Neville, e a empresa manteve-se em contacto próximo com os clientes que já tinham reservas relativamente a opções para adiarem ou reorganizarem as suas viagens.

Muito mais complexa, no entanto, é a questão complicada para a JayWay Travel de saber se voltará eventualmente a promover viagens para a Rússia – uma tarefa especialmente difícil para organizações que têm funcionários com experiência em primeira mão e uma história familiar de opressão por parte de regimes perigosos.

"Temos um colega na Ucrânia e fornecedores [locais] a quem isto está a acontecer neste momento e eles pensam – desculpe a linguagem – ‘Que se lixe a Rússia. Porque voltaríamos a mandar pessoas para lá?'", disse-nos Neville. "Creio que é uma discussão que muitas empresas turísticas terão de ter. Ou seja, há muito poucas empresas que mandam pessoas para a Coreia do Norte. É assim que vai ser com a Rússia?"

Cruzeiros desviados

Os operadores de cruzeiros foram das primeiras empresas de viagens a anunciar o desvio dos itinerários com paragens na Rússia, contando com grandes operadores como a Norwegian Cruise Line Holdings, Viking e Carnival Corporation, a empresa-mãe de nove linhas de cruzeiros.

Entre os operadores que anunciaram mudanças semelhantes incluem-se a Atlas Ocean Voyages, um novo ator no mercado, a MSC e a Sea Cloud, uma marca boutique, disse à CNN por e-mail Colleen McDaniel, editora-chefe da Cruise Critic, um dos principais recursos online da indústria dos cruzeiros.

Muitos itinerários incluem São Petersburgo, por vezes descrita como a “capital cultural” da Rússia e que, segundo a direção de turismo local, atraiu 10 milhões de visitantes em 2019.

Desviar itinerários para evitar mau tempo ou destinos onde irromperam conflitos para manter os passageiros e a tripulação em segurança não é incomum na indústria dos cruzeiros.

No entanto, os recentes desvios para longe da Rússia também refletem uma posição decididamente humanitária. A Carnival Corporation, por exemplo, terminou o seu anúncio de 26 de fevereiro, feito no Twitter, com a afirmação “Somos pela paz”.

McDaniel disse que isto está alinhado com os valores fundamentais de muitos passageiros de cruzeiros. “Isto reflete o que vimos nas nossas administrações e também nas redes sociais, onde os passageiros declaram que vão também falar com os seus dólares", disse ela.

Entretanto, a Royal Caribbean International, dona da Royal Caribbean, Celebrity e Silversea, emitiu na terça-feira uma declaração a anunciar o cancelamento dos seus destinos com paragens na Rússia, confirmou um porta-voz da RCI por e-mail à CNN Travel.

A Saga Cruises e a Hurtigruten Expeditions têm navios com paragens agendadas para portos na Rússia no verão e estão a continuar a monitorizar a situação, segundo McDaniel.

#StandWithUkraine

Pelo menos um grupo turístico da Europa de Leste está a cumprir o popular hashtag #StandWithUkraine. A ANTRIM, uma organização não lucrativa que representa o sector privado da indústria do turismo na Moldávia (que partilha com a Ucrânia a sua fronteira leste com quase 1200 km), anunciou no Instagram que tem planos para disponibilizar hotéis, pousadas e restaurantes ao fluxo de refugiados que entra no país a fugir da guerra.

"Caros vizinhos ucranianos [sic], estamos convosco nestes tempos difíceis. Os tristes acontecimentos no vosso país obrigaram-vos a atravessar a nossa fronteira. Esperamos que as fronteiras e muros do nosso país vos façam sentir em segurança", escreveu a agência que direcionou os refugiados para o seu website ou para o centro de informação turística em Chisinau. Uma publicação posterior dava pormenores sobre como doar para uma conta criada pelo Ministério das Finanças para prestar apoio financeiro.

A plataforma de arrendamento Airbnb também anunciou na segunda-feira ter planos para oferecer alojamento temporário até 500 mil refugiados ucranianos.

Entretanto, esta semana, o Ministro do Turismo da Grécia, Vassilis Kikilias, anunciou planos para criar 50 mil postos de trabalho no sector do turismo para refugiados ucranianos ou expatriados gregos.

Outras demonstrações de solidariedade para com a Ucrânia são visíveis em marcos turísticos por todo o mundo.

Já vários dos monumentos mais famosos do mundo se iluminaram com as cores azul e amarela da bandeira da Ucrânia. Entre eles: o Empire State Building em Nova Iorque, o London Eye, a Torre Eiffel, e o Coliseu de Roma.

Em Berlim, as Portas de Brandemburgo brilharam com as cores azul e amarela da bandeira ucraniana durante o fim de semana. E, no domingo, mais de 100 mil pessoas passaram pelo famoso marco alemão durante uma das maiores manifestações contra a invasão russa.

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