A Rússia parece ter um exército muito mau. E isso não é bom para os civis ucranianos

CNN , Zachary B. Wolf
19 mar 2022, 16:08
Fumo de um tanque russo destruído pelas forças ucranianas na berma de uma estrada na região de Lugansk

Os relatos dos problemas militares e da inaptidão da Rússia durante a sua invasão de três semanas à Ucrânia são demasiados para serem enumerados. Mas é precisamente a sua incompetência que pode tornar esta guerra tão devastadora

A prova dos problemas militares da Rússia está num vídeo de carros de combate russos, em fila, a serem destruídos por ucranianos e em relatos de mortos russos em combate, que já podem ser entre três mil e mais de dez mil.

Se esse número de mortes for acima de dez mil – não sabemos, de facto – significaria que as mortes russas até à data podem ser superiores às mortes de militares norte-americanos em combate durante os 20 anos no Iraque e no Afeganistão, embora o número total de mortos nesses conflitos não se limitasse às mortes de militares norte-americanos.

Há inúmeros relatos de soldados russos que ficaram surpreendidos por saber que foram enviados para a guerra.

A CNN falou com russos que foram feitos prisioneiros de guerra na Ucrânia. Quase uma dezena deles apareceu em conferências de imprensa - presenças públicas que podem ser questionáveis sob as Convenções de Genebra, que proíbem os países de humilhar desnecessariamente os prisioneiros de guerra.

Soldados arrependidos

A CNN decidiu publicar entrevistas com pilotos russos capturados. A CNN era o único órgão de comunicação presente na sala e, em nenhum momento, os Serviços de Segurança Ucranianos, que também estavam na sala, intervieram ou se dirigiram à CNN ou aos prisioneiros para perguntarem ou responderem a questões específicas. A entrevista foi realizada em russo.

Um deles, um piloto chamado Maxim, começou a sentir muita raiva e remorsos pelo que a Rússia fez.

“Não se trata apenas de desmilitarizar a Ucrânia ou derrotar as Forças Armadas Ucranianas, agora cidades de civis pacíficos estão a ser destruídas”, disse Maxim. “Não sei o que pode justificar as lágrimas de uma criança, ou ainda pior, as mortes de inocentes, de crianças.”

Há relatos de que os soldados russos ficaram abismados quando souberam que tinham invadido um país em vez de participarem apenas em exercícios de treino. Outros abandonaram os seus postos.

Porque é que o exército russo tem um desempenho tão fraco?

Entre as análises mais detalhadas que enumeram as fraquezas da Rússia está uma excelente conversa entre o aposentado general David Petraeus, que foi diretor da CIA e comandou as tropas norte-americanas nas guerras do Iraque e do Afeganistão, e o jornalista Peter Bergen.

Petraeus enalteceu a determinação dos Ucranianos: “Eles lutam pela sobrevivência nacional, pela pátria e pelo seu modo de vida, e estão em vantagem pelo facto de conhecerem bem o território e as comunidades.”

Mas ele também descreveu que as falhas do exército russo começam pelo facto de uma parte dele - um quarto, segundo uma estimativa – ser composto por conscritos e não por soldados profissionais.

Os EUA também têm um serviço militar obrigatório para todos os homens norte-americanos, caso venha a ser necessário um recrutamento militar. Mas enquanto o recrutamento americano está em suspenso desde o Vietname, os jovens russos podem ter de servir nas Forças Armadas durante um ano. Isso não é suficiente para o treino básico e o ingresso numa unidade, disse Petraeus.

Os russos tiveram problemas com informações, comunicações e veículos que ficaram presos em engarrafamentos, presos na lama e que avariaram.

“Em todas as áreas de avaliação, os russos - a começar pela sua análise de informações, pelo conhecimento do campo de batalha e do adversário, bem como todos os aspetos da campanha e as operações de pequenas unidades – provaram ser lastimavelmente incompetentes”, afirmou Petraeus.

Apesar de terem 150 mil tropas envolvidas na Ucrânia, não é suficiente para ocupar Kiev, quanto mais o país inteiro, disse ele.

Um exército russo incapaz não é necessariamente uma boa notícia

“Os militares fracassados podem ser ainda mais perigosos do que os bem-sucedidos”, escreveu Kori Schake, diretora de política externa e de defesa no American Enterprise Institute, no “The Washington Post”.

É precisamente a sua incompetência que pode tornar esta guerra tão devastadora, disse ela.

“Há receios de que a inaptidão e a falta de profissionalismo que as forças russas demonstraram nas primeiras três semanas do conflito estejam a tornar o conflito consideravelmente mais brutal para os civis do que um exército mais competente, e estejam a aumentar a possibilidade de a guerra se agravar.”

A estratégia agora é aterrorizar

O aposentado brigadeiro-general Mark Kimmitt foi questionado na CNN sobre o aparente uso indiscriminado de armas imprecisas nas zonas civis, algo que ele afirmou que deve ser intencional.

“A função deles é aterrorizar a população. Eles estão a tentar garantir que as cidades são bombardeadas, que as pessoas veem este tipo de choque e querem que as cidades se rendam. Querem cercá-las. Querem bombardeá-las. Querem que as pessoas passem fome, e, depois, os russos irão atacar. Isto é intencional, e quer se trate de bombas não guiadas ou de armas de precisão, isso não interessa.”

Fotos de um teatro bombardeado que acolhia crianças em busca de refúgio na cidade de Mariupol, de uma maternidade bombardeada e de edifícios residenciais bombardeados renovaram os pedidos de processos de crimes de guerra. Mas também evidenciam o desespero por parte dos russos.

“Para mim, como leigo na matéria, não discuto sobre crimes de guerra porque é claro que os russos recorreram a isso”, disse à CNN James Clapper, antigo diretor dos serviços de informação. “E a razão para isso, obviamente, prende-se com o facto de terem fracassado num ataque tático convencional, como tal, recorrem ao que podem fazer, que é a destruição injustificada e a morte de civis inocentes.”

O medo pode funcionar nos dois sentidos

Tendo em conta os relatos de soldados capturados, é evidente que esta guerra apanhou muitos russos de surpresa. Os ucranianos podem tirar partido disso na sua estratégia defensiva.

“O que os ucranianos têm de fazer é incutir medo a todos os soldados e fazê-los acreditar que a cada esquina está um civil ou um elemento do exército que os vai atacar”, disse Evelyn Farkas à CNN, que foi oficial do Pentágono durante a Administração Obama.

Pedido de reforço

Petraeus disse que não era claro para ele como os russos conseguiam revezar os soldados nas funções de combate, tendo em conta as rotas de abastecimento bloqueadas e o seu nível de empenho.

Um indicador poderá constar de um relatório do ministério de Defesa japonês, que disse aos EUA que viu navios russos do lado asiático do país a viajar com veículos de combate, talvez para reforçar a frente da Ucrânia.

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