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Professor Universitário e Doutor em Cibersegurança

A Nova Ordem Digital. 007– Olhos em todo o lado!

28 fev 2022, 14:00

A Nova Ordem Digital é uma rúbrica para ler na página da CNN Portugal

Ontem de forma inesperada fez-se um silêncio preocupante na Ucrânia. Sem Internet para mostrar o que viam, não houve espaço para o mundo do OSINT se posicionar.

Depois do grupo Anonymous ter estado continuamente a expor o que encontrou nos servidores dos serviços governamentais russos e nos emails governamentais da Bielorrússia, lá se começaram a fazer chamadas telefónicas aos responsáveis governamentais, numa espécie de provocação que mostra que embora a RT tenha uma realidade alternativa para dentro e fora da Rússia, a mentira tem perna curta e não há segredo que fique bem escondido. Na realidade o problema é com quem está na cúpula russa e não com o seu povo, esse, se porventura vier a rua em grupos de milhares para se manifestar, encontrará à sua espera um conjunto de autocarros para os levar. Mas quando digo levar não o digo a todos, mas sim a um conjunto selecionado de indivíduos que consegue furar a censura e fazer chegar com recurso ao TOR, informação preciosa que na Ucrânia a questão não é o resgatar duas novas repúblicas, mas sim invadir, destruir e conquistar uma nação.

Dentro do campo de ação ninguém conseguiu pregar olho na espectativa de poder ajudar como fosse possível. Europa fora, dento de salas na DarkWeb e grupos do Discord, batalhões de homens e mulheres analisam à exaustão as imagens recebidas para passar o resultado em minutos aos soldados ucranianos presentes. Não, não é qualquer um que entra e recebe informação. É necessário enviar provas cabais que se está vivo e mostrar a credencial militar entre outros elementos.

No meio da tensão, Mykhailo Fedorov relembra a Elon Musk que Marte é importante, mas aqui no planeta Terra há uma tentativa de sobrevivência humana.

Horas depois chega o sistema de satélites de baixa altitude de Elon Musk, o StarLink, e uma eternidade curta depois os Minilinks e os pratos de rádio apontam para o céu. Repentinamente volta a haver Internet e começam a chegar vídeos e imagens do que se passa fora de Kiev onde também é Ucrânia.

 

Manifestação contra a invasão da Ucrânia em São Petersburgo, na Rússia. Foto: Dmitri Lovetsky/AP

As imagens chegam e todas apontam para o mesmo. Apesar de umas escaramuças e uns bombardeamentos há um estranho recuar das hostilidades, terá sido sol de pouca dura pois ontem de manhã com precisão de relógio, foi detetada uma coluna militar com 5 quilómetros de comprimento e todos os tipos de veículo são exaustivamente identificados.

Esta perda de comunicações saiu cara para quem se está a defender do invasor, há um certo lag entre o que acontece, o que realmente se passa e a ajuda dos grupos de hackers e analistas é fundamental; há muito para perceber e há muito para rever duplamente antes de avançar com uma informação. Uma má nota custa uma vida humana, tanto de quem vai reconhecer como de quem é reconhecido. O ambiente é tenso, sente-se o receio de ser localizado, mas também há o sentido de missão, de utilidade, amplamente simbiótico dentro da comunidade cibernética.

É com minúcia de relojoeiro que se avançam nas atividades. Tudo é calculado, tudo importa, desde uma placa de rua, sinal de transito ou poste de luz. Do lado russo o objetivo é igual e por isso pede-se para remover os nomes das ruas da Ucrânia. A cada detalhe ou objeto identificado a imagem passa para a fase seguinte nesta linha de montagem com centenas de pessoas. Agora, foi identificado um candeeiro, sabe-se que na sombra está um tanque e que este é uma espécie de engodo pois as imagens aéreas tiradas da plataforma de incêndios da NASA permitem fazer uma análise de calor, fica-se a saber que perto estão mais 4 escondidos. A resposta é dada ao operador 4040022, este leva a mensagem ao seu comando e pouco depois um drone passa pelo ar ou um militar segue com uma arma antitanque portátil; a missão está feita. Os russos esperam tanques e encontram tropas a pé e os impensáveis drones pelo ar numa Ucrânia que se tinha como fraca. Ambos, letais como tudo.

Este jogo de vida real é uma rotina que nunca termina e que já mostou o seu valor. Horas antes da coluna imensa que se dirigia a Kiev aparecer nas notícias, já esta havia sido prontamente identificada e relatada. Mas rapidamente deixa de ser importante. Importante é agora reagir ao 65º Batalhão de Redes dos Anonymous que conseguiu extrair aproximadamente 40 mil ficheiros do Instituto Nuclear Russo. São precisos tradutores e mais uma vez entra na linha de montgem uma imensidão de informação. Horas depois estava traduzida e seguia caminho.

Do lado oposto a resposta é rápida ao aviso que a AMD deixaria de vender na Rússia. Hackers russos entraram e retiraram milhões de documentos das infraestruturas informáticas da empresa norte americana... e assim o jogo da vida real continua.

Se este momento na história cibernética tivesse um nome ou título provavelmente seria “007, Olhos em todo o lado”. Mas não é um filme, é uma triste realidade e quem entra neste jogo tem de dormir à noite com o que faz e vê. É uma dor comum.

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