"Na mente dos assessores de Zelensky olha-se para Portugal e vê-se um candidato a presidente do Conselho Europeu. Isso pesa"

13 mai 2024, 15:13
Zelensky discursa no Parlamento português. Foto: DR

Presidente da Ucrânia vem a Portugal “nos próximos dias”, uma visita há muito esperada que devia ter acontecido em setembro mas que, por motivos operacionais, teve de ser adiada

Portugal está na rota da “ofensiva diplomática” da Ucrânia porque Zelensky não quer sair da próxima reunião da NATO “com uma mão cheia de nada”, diz o major-general Isidro Morais Pereira. A visita de Zelensky tem ainda outros enquadramentos: o major-general Agostinho Costa sublinha que o líder ucraniano "sabe" bem das capacidades de Portugal e dá como exemplo "drones fornecidos por uma empresa portuguesa que têm sido relevantes" na guerra. E as capacidades portuguesas podem estender-se em breve ao Conselho Europeu, numa eventual presidência de António Costa.

Além de Lisboa, Volodymyr Zelensky vai a Madrid, onde, segundo o “El País”, vai assinar um acordo bilateral de segurança - e esse deverá ser também um dos resultados concretos dos seus encontros com as autoridades portuguesas, ainda que possa resultar num texto “extremamente vago” e “não muito concreto”, como os acordos já firmados com Itália e o Reino Unido, adianta ainda Agostinho Costa.

“O que interessa é a postura diplomática e a intenção. Esta iniciativa começou já há algum tempo. Zelensky tem vindo a celebrar um conjunto de acordos de segurança bilaterais, começando com o Reino Unido, depois Polónia, Alemanha, Dinamarca, Países Baixos, EUA naturalmente – e virá a Espanha e a Portugal com o grande objetivo de galvanizar os apoios político-diplomáticos para manter robusto o apoio à Ucrânia.” 

Esse é, para Agostinho Costa, “o grande objetivo” da visita de Zelensky, até porque ambos os países são atualmente preponderantes no contexto da futura adesão da Ucrânia à União Europeia (UE). “Estou a especular, mas na mente dos assessores de Zelensky olha-se para Portugal e vê-se um candidato a presidente do Conselho Europeu e isso pesa, além de o atual alto comissário para os Assuntos Externos ser espanhol – são dois países com uma voz relevante na UE.”

Além disso, com estas visitas Zelensky “mata dois coelhos com um só tiro” porque “reforça a frente no plano europeu” e também no que toca à NATO, reforça Agostinho Costa. Com a próxima cimeira da aliança marcada para julho, em Washington - e dado que, face à guerra em curso, a Ucrânia não se pode tornar Estado-membro para já -, o presidente ucraniano procura obter garantias de que algo de concreto sairá desse encontro.

“Foram criadas grandes expectativas pelos países ocidentais quanto a uma possível adesão, ou pelo menos ao estabelecimento de um calendário tendente à adesão. Citando Jens Stoltenberg, a questão não é se a Ucrânia vai aderir, mas quando", explica o major-general Isidro Pereira. "Aquilo que Zelensky está a fazer antes da cimeira é, no bom sentido, uma ofensiva diplomática para que em Washington se possa avançar já com um horizonte temporal para a Ucrânia ser considerada um membro de pleno direito."

No fundo, adianta o militar, Zelensky “vem pedir a Portugal que o apoie neste objetivo, para não sair de Washington com uma mão cheia de nada, para sair da cimeira com algo palpável que possa levar para a Ucrânia como uma vitória, para poder dizer aos ucranianos ‘Valeu a pena o esforço, vale a pena continuarmos a lutar, isto já é mais do que uma esperança, já é uma realidade, vamos ganhar a guerra porque no ano tal vamos finalmente ter uma organização que nos vai dar segurança para o futuro e abrigar de novas aventuras russas no nosso território’.”

Antes do encontro em Washington haverá primeiro a Cimeira de Paz na Suíça, em meados de junho, e esse deverá ser outro dos tópicos na agenda de Zelensky em Lisboa, adianta Ricardo Borges de Castro, conselheiro sénior do European Policy Center. “Nessa cimeira, o Presidente Zelensky gostaria de ter o maior número possível de Estados do ‘Sul Global’ representados, pedindo ajuda a Portugal para sensibilizar o Brasil e outros países da CPLP a participar”, explica. “Aliás, o Brasil já participou numa reunião exploratória com outros países organizada pelos suíços.”

"Portugal tem alguma capacidade e Zelensky sabe-o"

No plano político-diplomático, Portugal pode dar muito à Ucrânia, como “subscrever a entrada na UE sem grandes restrições e dar um apoio inequívoco à entrada na NATO”, explica Isidro Pereira. Mas Kiev também está “naturalmente disponível para receber mais apoio financeiro e militar” e aí Lisboa “pode ainda ceder material à Ucrânia”. O major-general dá como exemplo “as viaturas M-113 que temos em Santa Margarida – algumas a funcionar e, no caso das que não estão, podemos mandar vir as peças dos EUA. Temos capacidade de manutenção e podemos mandá-las para a Ucrânia, até porque um dos objetivos do Exército português é substituir essas viaturas, que já fizeram a guerra da Coreia”.

Nalgumas áreas, “a nossa indústria vai fabricando coisas interessantes, desde os fardamentos a equipamentos individuais de proteção e até alguns drones com alguma qualidade, além desse material em Santa Margarida ao qual se pode devolver operacionalidade” para complementar as viaturas já enviadas para a Ucrânia. “Podemos dar ainda mais coisas e, ao abrigo desse acordo bilateral de segurança, algumas dessas situações podem ser protocoladas” durante a visita de Zelensky.

“No plano militar, em boa verdade, Portugal pode sobretudo apoiar na formação de pessoal, fundamentalmente na transmissão de conhecimento e formação”, acrescenta Agostinho Costa. “Portugal é um país que marca a sua posição” neste ponto e a prová-lo está, por exemplo, o facto de “a GNR ter o comando da atual missão da UE de formação de polícias com natureza militar”.

“Apesar de a base tecnológica e industrial de Portugal não ser comparável à da Alemanha, do Reino Unido, de França, não podemos esquecer, por exemplo, que há drones fornecidos por uma empresa portuguesa que têm sido relevantes [na guerra da Ucrânia], nomeadamente na Crimeia”, explica Agostinho Costa. “Portugal tem alguma capacidade e Zelensky sabe-o.” 

Até se conhecer o potencial acordo bilateral a ser assinado em Lisboa, o grande foco está para já num reforço do consenso ocidental de apoio à Ucrânia, o grande motor desta visita. “Zelensky procura sobretudo galvanizar apoios para agora e para o futuro”, destaca Agostinho Costa. “A Ucrânia vai precisar de bastante apoio diplomático se passarmos para um período de negociações [com a Rússia] – porque esta guerra não há de ser eterna.”

Europa

Mais Europa
IOL Footer MIN