Kiev acusa Moscovo de ter usado míssil que levou Trump a abandonar tratado nuclear

31 out, 18:30
Míssil 9M729 (AP)

Um míssil russo percorreu mais de 1.200 quilómetros antes de atingir o território ucraniano a 5 de outubro. O ataque, segundo Kiev, foi feito com o 9M729, o mesmo míssil cuja existência secreta levou os Estados Unidos a abandonarem um histórico tratado de controlo de armas nucleares em 2019

A Ucrânia acusa a Rússia de ter utilizado, nos últimos meses, um míssil de cruzeiro cuja existência secreta levou o presidente norte-americano Donald Trump a retirar os Estados Unidos de um importante tratado de controlo de armas nucleares.

O ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Andrii Sybiha, afirmou que Moscovo tem recorrido ao míssil terrestre 9M729, o mesmo que esteve no centro da decisão de Washington, DC de abandonar o Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermédio (INF) em 2019. É a primeira vez que Kiev confirma oficialmente o uso deste armamento em combate.

De acordo com uma fonte militar citada pela Reuters, a Rússia terá lançado este tipo de míssil 23 vezes desde agosto, e já o teria utilizado em duas ocasiões em 2022.

Um dos ataques mais recentes, a 5 de outubro, terá atingido o território ucraniano depois de percorrer mais de 1.200 quilómetros, segundo a mesma fonte. O míssil pode transportar ogivas convencionais ou nucleares e terá um alcance estimado de 2.500 quilómetros, segundo dados do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), sediado em Washington, DC.

O desenvolvimento do 9M729 foi considerado uma violação direta do tratado INF, que proibia o uso de mísseis terrestres com alcance entre 500 e 5.500 quilómetros. Moscovo sempre negou estar a violar o acordo, mas a administração Trump acabou por abandonar o pacto em 2019, alegando incumprimento russo.

"Desrespeito pelos esforços diplomáticos"

Para o chefe da diplomacia ucraniana, o uso do 9M729 demonstra o “desrespeito de Vladimir Putin pelos Estados Unidos e pelos esforços diplomáticos do presidente Trump para pôr fim à guerra”.

Andrii Sybiha afirmou ainda que a Ucrânia apoia as propostas de paz apresentadas por Trump e apelou a uma pressão internacional máxima sobre Moscovo para forçar um cessar-fogo. Defendeu também que o reforço da capacidade de fogo de longo alcance da Ucrânia seria essencial para levar o Kremlin à mesa das negociações.

Kiev tem pedido a Washington, DC o fornecimento de mísseis Tomahawk, de lançamento marítimo, que não eram abrangidos pelo tratado INF. Moscovo, por sua vez, alerta que tal medida representaria uma “escalada perigosa” do conflito.

O uso do 9M729 expande o arsenal russo de mísseis de longo alcance e reforça a percepção de que Moscovo procura enviar um sinal de intimidação ao Ocidente, sobretudo num momento em que Donald Trump tem procurado reposicionar-se como mediador para uma eventual solução de paz.

A Rússia testou recentemente outros armamentos estratégicos, incluindo o míssil de cruzeiro nuclear Burevestnik e o torpedo nuclear Poseidon, intensificando os receios no Ocidente sobre uma possível escalada nuclear.

John Foreman, antigo funcionário  britânico de defesa em Moscovo e Kiev, sublinha que “se se confirmar que a Rússia está a utilizar mísseis de alcance intermédio, potencialmente nucleares, em território ucraniano, isso constitui um problema de segurança europeia, não apenas ucraniana”.

Imagens analisadas pela Reuters mostram fragmentos de mísseis com a inscrição 9M729 entre os destroços de um ataque russo a 5 de outubro, que atingiu um edifício residencial em Lapaiivka, matando quatro pessoas.

Jeffrey Lewis, especialista em segurança global no Middlebury College, analisou as imagens e confirmou que as peças e a estrutura correspondem ao modelo do 9M729, reforçando a probabilidade de se tratar desse tipo de míssil.

Segundo Douglas Barrie, analista do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, o 9M729 permite à Rússia realizar ataques a partir de locais seguros, mais recuados no seu próprio território, uma vez que o sistema é móvel e fácil de ocultar.

O investigador destaca ainda que, embora Moscovo possa estar também a testar o desempenho do sistema em ambiente de guerra, a utilização repetida - 23 vezes em apenas alguns meses - revela um objetivo operacional concreto e não meramente experimental.

Europa

Mais Europa