Polónia inaugurou "o maior escudo de mísseis" da NATO capaz de intercetar mísseis balísticos como aquele que caiu em Dnipro, lançado a partir da Rússia. Basta acertar "mil quilómetros ao lado" e os ataques em curso facilmente atingem a base militar norte-americana que acabou de abrir portas na Polónia
A Polónia inaugurou este mês aquele que será um dos primeiros alvos da Rússia em caso de conflito com os EUA, segundo o major-general Agostinho Costa. Trata-se da base norte-americana de defesa antimísseis de Redzikowo, situada no norte da Polónia, perto da costa do Báltico.
Esta nova base norte-americana integra aquilo que a NATO designa como “o maior escudo de mísseis” da Aliança Atlântica, o chamado Aegis Ashore, que inclui uma outra base militar em Deveselu, na Roménia, que está operacional desde 2016, e uma componente naval, com navios Arleigh Burke no mar Báltico.
A Polónia inaugurou-a com pompa e circunstância, numa cerimónia que contou com a presença de altas figuras de Estado, como o presidente polaco, Andrzej Duda, e o almirante da Marinha dos EUA, Stuart B. Munsch. Para a Polónia, este é um “marco significativo na história da segurança” do país mas também dos EUA e da NATO.
Segundo a NATO, este sistema antimíssil Aegis Ashore “é puramente defensivo”. A nova base militar em Redzikowo inclui mísseis antibalísticos SM-3 (Standard Missile-3), bem como o lançador MK-41-VLS e o radar AN/SPY-1. Na prática, este sistema seria capaz de intercetar o míssil balístico lançado pela Rússia na quinta-feira contra Dnipro.
Daí que Moscovo o considere um “objetivo prioritário para potencial neutralização”. Em conferência de imprensa esta quinta-feira, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, considerou que a inauguração desta base militar é “mais uma provocação desestabilizadora dos EUA e dos seus aliados da NATO” e avisou que a infraestrutura está na mira das forças russas.
“Dada a natureza do nível de ameaça das instalações militares ocidentais, a base de defesa antimísseis de Redzikowo, na Polónia, há muito que foi incluída na lista de alvos prioritários para possível destruição”, indicou Maria Zakharova.
No entender do Kremlin, esta nova base militar enquadra-se numa nova tentativa de “aproximar as infraestruturas militares da NATO das fronteiras da Rússia”, aumentando “o nível global de risco nuclear”.
A Polónia desmentiu as declarações de Maria Zakharova, garantindo que não há armas nucleares na nova base norte-americana em Redzikowo, e interpretando estas “ameaças” da Rússia como “um argumento para reforçar as defesas aéreas da Polónia e da NATO”, observou a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros polaco.
No entender do professor Tiago André Lopes, especialista em relações internacionais, estas acusações por parte da Rússia têm como objetivo “legitimar” o eventual uso de armas nucleares, ao abrigo da sua nova doutrina nuclear, que foi atualizada esta semana. “Se houver ali equipamento militar, a Rússia, ao abrigo da sua nova doutrina, considera aquilo um alvo legítimo”, explica à CNN Portugal.
Apesar das ameaças, “é óbvio que esta base na Polónia não vai ser alvo de ataque nos próximos dias ou semanas”, afirma Tiago André Lopes, observando que, se tal acontecesse, “seria um ataque direto contra a NATO” e “a Rússia não mostrou ainda vontade de entrar numa confrontação direta” com a Aliança Atlântica. Além disso, acrescenta, “não é claro que os aliados da Rússia na Organização de Cooperação de Xangai estivessem disponíveis, para já, para um embate entre as duas alianças militares”.
Nesse contexto, o professor de relações internacionais olha para estas ameaças por parte da Rússia como “uma escalada retórica para instrumentalizar a opinião pública”. Isto porque, “se a opinião pública começar a ser avessa a estas questões de defesa, por exemplo até em relação à abertura desta base, torna-se menos fácil apoiar a manutenção e funcionamento da mesma”, explica.
A verdade é que a Rússia sempre olhou para esta base como uma ameaça. A infraestrutura começou a ser construída em 2002 como uma forma de a NATO se defender das ameaças do Irão. Desde então, sofreu vários avanços e recuos, até ficar finalmente operacional em julho deste ano.
“Este é um passo importante para a segurança transatlântica e a capacidade da NATO de se defender contra a crescente ameaça de mísseis balísticos”, assinalou o então secretário-geral da Aliança Atlântica, Jens Stoltenberg. “Mísseis balísticos têm sido amplamente usados em conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente. Como uma Aliança defensiva, não podemos ignorar essa ameaça”, acrescentou.
Ao contrário do professor Tiago André Lopes, o major-general Agostinho Costa entende que estas ameaças russas são para ser levadas a sério, até porque, diz, “estamos em guerra” com a Rússia. “Só quem estiver em negação é que não percebe. Já nem se pode dizer que estejamos numa guerra híbrida, estamos num conflito com a Rússia. Até agora, estávamos em todas as dimensões, exceto na confrontação direta entre forças. Neste momento, temos norte-americanos e ingleses a bombardear a Rússia e temos russos a lançar mísseis intercontinentais contra a Ucrânia”, diz, referindo-se ao uso, por parte das forças ucranianas, de mísseis de longo alcance ATACMS Storm Shadow fornecidos pelos EUA e pelo Reino Unido, respetivamente.
"É só acertar mil quilómetros ao lado e eles caem em Redzikowo", observa o major-general Agostinho Costa. Seria o chamado "momento 'ups'" que "de vez em quando acontece nas guerras", descreve o professor Tiago André Lopes, que explica que o contrário também pode acontecer, com a Ucrânia a poder vir a lançar um "ataque fora do limite imposto por Washington", o que, presume, obrigaria a "Rússia a mobilizar-se de forma diferente".
Nesse contexto, “se houver um conflito entre a Federação Russa e os EUA”, teoriza o major-general, a “primeira etapa” de confrontos “começa no espaço” para “neutralizar a rede de satélites que controla estes mísseis” que estão na base militar de Redzikowo. “Só depois é que é lançado um ataque com mísseis balísticos, como aquele que vimos ser lançado em Dnipro”, presume o também especialista em estratégia militar.
Segundo o major-general Agostinho Costa, “isto não fica por aqui”. “Já vimos que a resposta [da Rússia] vai ser assimétrica. Vimos agora esta demonstração de força - não tínhamos visto ainda nenhum míssil intercontinental atingir a Ucrânia. Portanto, a Ucrânia lança seis ATACMS e depois leva com um míssil de ogivas múltiplas. Há uma certa diferença na escala”, compara. “Vamos ver o que é que acontece ali pelos mares arábicos e companhia, porque isto não se fica por aqui.”