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O insustentável peso da vitória

27 mai 2023, 15:19

Dez mil homens recrutados nas prisões e dez mil mercenários contratados. Juntos, vinte mil mortos ao serviço do grupo Wagner para tomar Bakhmut. E estas são apenas as contas de Yevgeny Prigozhin. Porque na cidade caíram também muitos soldados regulares russos, na mais longa batalha desta guerra. 

Bakhmut foi vendida por Moscovo como uma etapa estratégica, destinada a estabelecer uma plataforma para seguir em frente na província de Donetsk. Um nó logístico capaz de apoiar futuras batalhas ainda mais complexas em Sloviansk e Kramatorsk. Cidades maiores do que Bakhmut, que antes da guerra tinha pouco mais de 70 mil habitantes. 

Mas os últimos dez meses mostraram que esta cidade não passou de um sorvedouro de vidas humanas e de um processo de demolição. A reivindicação da conquista de Bakhmut, a “Trituradora de Homens”, foi saudada por Vladimir Putin como uma “libertação”. Mas, na verdade, não resta firme pedra sobre pedra, numa cidade esvaziada de habitantes e povoada por fantasmas. Bakhmut já não existe. Tornou-se um não lugar. Um aterro apocalíptico de si própria. 

O próprio patrão do grupo Wagner, que usou esta batalha como palco de uma guerra contra as elites militares russas, transfigurou-se em Bakhmut. Numa entrevista publicada no seu canal de Telegram, Prighozin disse que chamá-lo “Chef de Putin” era uma estupidez porque nem sequer sabe cozinhar. “Carniceiro de Putin” é mais apropriado, assumiu. Com um aviso a Moscovo: se as coisas não mudarem, a Rússia arrisca a derrota na guerra e uma nova revolução interna, ao estilo de 1917. 

“Recomendo à elite da Federação Russa: seus filhos da puta, peguem nos vossos filhos e mandem-nos para a guerra. Quando forem a um funeral e começarem a enterrá-los, as pessoas irão dizer: agora é justo.” Palavras desconcertantes, a que juntou outro recado sobre a Ucrânia: “Falamos de desnazificação. Nós fizemos deles uma nação conhecida em todo o mundo”. 

E Prigozhin continua: “Se no início da operação especial eles tinham uns 500 carros de combate, agora têm 5 mil carros de combate, se tinham 20 mil homens para lutar, agora têm 400 mil. De que forma os desmilitarizámos? Na verdade fizemos o contrário”. 

E o mercenário, que diz que os ucranianos perderam 50 mil homens em Bakhmut, elogia-lhes o espirito combativo e até uma  “atitude filosófica” em relação às baixas sofridas. “Fazem-no para alcançar um bem maior - tal como nós fizemos na Grande Guerra Patriótica, mas de uma forma tecnicamente mais avançada e eficiente.” 

Prigozhin carrega em botões sensíveis na mitologia russa. O Kremlin tem vendido esta guerra pintando-a com as cores da luta soviética contra os nazis na Segunda Guerra Mundial. Mas se na altura eram os soviéticos invadidos (ucranianos incluídos) que lutavam pela sobrevivência, agora é Kiev que se bate por ela. Nada que atrapalhe a narrativa do presidente russo, que continua a insistir que esta é uma guerra que lhe foi imposta pelo ocidente. 

Se a guerra se resumisse a Bakhmut, teria sido uma vitória penosa para Moscovo. Porque, por mais baixas que tenha imposto a Kiev, perdeu na cidade mais homens do que os que caíram no Afeganistão numa década de guerra. E o Afeganistão foi uma derrota pesada. 

Não há derrotas boas. Mas há vitórias amargas. E a conquista de Bakhmut aparecerá nos livros como sinónimo de vitória pírrica. Além disso, os ucranianos dizem que esta batalha ainda não acabou. E, como em qualquer guerra, não basta declarar vitória, é preciso uma declaração de derrota. E que a vitória sirva para alguma coisa.  

Depois da reivindicação da conquista, Prigozhin manda agora retirar os seus homens e entrega Bakhmut a Putin. Sem triunfalismos, nem desfiles na Praça Vermelha, a primeira vitória significativa de Moscovo em muitos meses repousa agora esmagada sob o peso dos escombros da cidade. É o insustentável peso desta guerra.

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