"O rácio dos EUA contra o ISIS é de 4,5 civis mortos por cada terrorista que morreu. O nosso número em Gaza é melhor": entrevista exclusiva ao embaixador de Israel

16 jan, 16:55

Oren Rosenblatt é o novo embaixador de Israel em Portugal. Com o cessar-fogo prestes a iniciar-se, contesta o número de mortos que tem sido avançado pelas autoridades de Gaza. Sobre Trump, que está quase a tomar posse, é lacónico: "Ele é duro com os terroristas"

A primeira entrevista do novo embaixador do Estado de Israel a uma televisão portuguesa foi concedida em exclusivo à CNN Portugal, numa altura em que o novo representante diplomático do Estado hebraico chega ao nosso país com importantes desafios. Entre os mais importantes: convencer a opinião pública portuguesa de que a operação militar levada a cabo como resposta aos massacres dos grupos islamistas liderados pelo Hamas - e que deixaram pelo menos 1200 mortos a 7 outubro de 2023 - tem sido executada de acordo com o Direito Internacional. Oren Rosenblatt falou ainda à CNN Portugal sobre Trump e a postura do Presidente-eleito perante o atual conflito. E sublinha ainda que a Faixa de Gaza deve ser "livre de terroristas"

 

As medidas de segurança na Embaixada de Israel, no centro de Lisboa, pouco mudaram desde que o país entrou em mais um conflito com os palestinianos e em mais um conflito com o Hamas. Os israelitas estão acostumados a viver em estado de alerta de forma permanente e entrar em contacto com uma instituição do Estado Hebraico recorda-nos dessa condição.

Fomos recebidos pelo novo embaixador de Israel em Portugal. Oren Rosenblatt estudou Direito na Universidade Bar Ilan, na região de Telavive. Já foi um dos porta-vozes do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel e embaixador em Luanda mais de oito anos. Fala Português com correção e foi na nossa língua que nos concedeu uma entrevista. 

A conversa aconteceu quando faltam dias para que Donald Trump, aliado incondicional de Israel - e das suas políticas expansionistas -, regresse à Casa Branca, depois de uma presidenciais que reforçaram o poder do republicano contra todas as batalhas judiciais que venha a perder perante a Justiça dos Estados Unidos. 

"As palavras de Trump são contra os terroristas"

Donald Trump prometeu, mais do que uma vez - antes do anúncio do cessar-fogo entre o Hamas e Israel em Gaza - que, se os reféns não fossem libertados, iria lançar um "inferno em toda a região". Oren Rosenblatt defende as palavras de Trump e diz que devem ser entendidas no contexto negocial e que Israel "está a negociar com terroristas."

"Para nós, é muito importante esta atitude, porque os terroristas também ouvem estas palavras do Presidente Trump", afirma o embaixador israelita.

"Estas palavras de Trump não são palavras contra países democratas. São palavras contra os terroristas e nós pensamos que é muito importante falar e levar a cabo ações duras contra os terroristas. 

Mas as palavras que o embaixador Rosenblatt define como "duras" também podem ser lidas na imprensa israelita e chegam do seio da coligação conservadora, liderada por Benjamin Netanyahu. O ministro das Finanças, Belazel Smotrich, dirigente do Partido Nacional Religioso-Sionismo Religioso (extrema-direita), disse que era preciso "perder o medo à palavra ocupação", referindo-se à Faixa de Gaza. Recentemente, Smotrich disse  também que Israel devia fazer pelos civis palestinianos o "mínimo necessário exigido pelo Direito Internacional".

Confrontado com palavras que chegam de um Governo que representa, Oren Rosenblatt justificou a possibilidade de que um membro da coligação se expresse dessa forma porque assim se convive na arena política em Israel.

"Ele pode dizer o que ele quiser e essa é a nossa maneira de viver em democracia. Nós precisamos de lá ficar, não sei quanto tempo, mas o primeiro-ministro disse que Israel não vai ter aldeias na Faixa de Gaza."

"Estamos habituados a estar isolados na comunidade internacional"

O embaixador de Israel também foi confrontado com o crescente isolamento de Israel perante a comunidade internacional, não só em relação à consecutivas condenações nas Nações Unidas, mas também no que diz respeito ao agravamento das críticas em países europeus, com exceção da Alemanha. 

"Isso não é novo para nós. Desde a criação do Estado de Israel, as Nações Unidas votam sempre contra Israel. Desde antes da Guerra dos Seis Dias, desde antes de 1967, sempre votaram contra nós. Não gostamos disso, mas também não temos alternativa, nós vamos sobreviver", sublinha.

"O Estado de Israel foi criado porque o povo de Israel queria criar o Estado de Israel e isso é que é importante", acrescenta o embaixador Rosenblatt, ao ser confrontado com as críticas de que foi alvo o seu colega Gilad Erdan, representante de Telavive na sede das Nações Unidas e que triturou um exemplar da Carta da ONU em plena assembleia e que exigiu a demissão de António Guterres, depois de o secretário-geral ter dito que os ataques de 7 de outubro deviam ser entendidos no contexto de um conflito maior. 

No dia em que gravámos a entrevista, o embaixador Rosenblatt perguntou-nos quando iríamos falar das relações entre Israel e Portugal ou da comunidade israelita presente no nosso país, especialmente no Porto, cidade com a qual diz ter relações muito antigas.

Mas este primeiro encontro com o líder da representação diplomática israelita em Lisboa ficou dominado pelos temas que têm mantido o país - e os palestinianos - nos títulos da imprensa. E havia um aspeto da ofensiva israelita em Gaza que não podia ser evitado. O elevado número de mortos - mais de 46 mil, de acordo com as autoridades de saúde em Gaza, números que a ONU acredita serem fiáveis e que são regularmente citados pelos grandes media internacionais, independentemente do seu posicionamento editorial perante o conflito que opõe israelitas e palestinianos.

"O nosso rácio de vítimas é melhor"

O novo embaixador de Israel defende que os números de mortos em Gaza devem ser vistos em termos de rácio mas rejeita os números de vítimas que têm sido avançados. Oren Rosenblatt explica que se refere aos números em termos de proporção.

"Nós falamos de um para um. Um civil para um terrorista. Se, por exemplo, 20.000 ou 25.000 terroristas foram mortos e menos civis foram mortos, isso é um para um. Na História do mundo há guerra assim. Na guerra dos americanos contra o ISIS [autoproclamado Estado Islâmico] em Mossul, no Iraque, lá o número [o rácio] é de 4,5 civis mortos para cada terrorista. O nosso número é melhor."

Quando confrontado com a possibilidade de que, ao haver 46 mil mortos - como dizem as autoridades de saúde em Gaza - 23 mil sejam militantes armados, o embaixador diz que, como não estão em Gaza, é difícil conhecer a realidade no terreno.

"Nós não estamos na Faixa de Gaza, em toda a Faixa de Gaza, nós não estamos nos hospitais, por isso não sabemos quantos morreram. Mas esses são os números dos terroristas e nós sabemos que eles têm dados falsos, muitas vezes. Por isso, sabemos que, quando a CNN fala sobre os números, devem dizer que são números de acordo com os terroristas", argumenta.

"Nós não sabemos exatamente quantas pessoas morreram e os palestinianos também não sabem exatamente."

Defende a solução de dois Estados

Oren Rosenblatt diz que explicar a possibilidade da criação de um Estado para os palestinianos é um assunto complexo, mas que, desde os acordos de Oslo, de 1993, que os israelitas têm a ideia de dois países para dois povos. E que essa tem sido a posição do Governo de Israel, vinca - mas refere que, ao longo dos anos, os palestinianos não parecem querer viver em paz com os israelitas. "A realidade, triste mas que é a realidade, é que a maioria dos palestinianos não quer isso."

O embaixador de Israel diz ainda à CNN Portugal que a questão sobre se o povo palestiniano existe ou não é uma questão que deve ser colocada aos próprios palestinianos.

Oren Roseblatt considera que os conflitos internos na Cisjordânia - território palestiniano ao qual se referiu várias vezes como Judeia e Samaria - e entre os partidos no poder na Cisjordânia e na Faixa de Gaza podem sugerir que a identidade do povo palestiniano está mais fragmentada do que costuma ser aceite a nível internacional. 

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