O entendimento entre os Estados Unidos e a China sobre a suspensão parcial de tarifas não representa apenas um gesto de cooperação comercial. É muito mais do que isso. Trata-se de um passo determinante na definição de estratégias distintas para a reorganização da economia global. Donald Trump e Xi Jinping procuram reforçar a influência económica e geopolítica, mas com abordagens diferentes.
Do lado norte-americano, Trump mantém a política de “tarifas recíprocas”, enquadrada numa lógica que combina inflação controlada com redistribuição regressiva. A política tarifária permite criar um ambiente em que determinados setores conseguem aumentar margens de lucro. Este efeito resulta da capacidade de transferência de custos para os consumidores. Em termos macroeconómicos, trata-se de uma abordagem que beneficia empresas com maior poder de mercado, mesmo que implique custos sociais para as classes com menor rendimento disponível.
A suspensão das tarifas por 90 dias não indica um recuo na política comercial dos Estados Unidos. Trata-se de uma medida tática, orientada para estabilizar os mercados, estimular bolsas de valores, calibrar a inflação e criar margem de manobra negocial com parceiros estratégicos, incluindo o Reino Unido e países do Golfo Pérsico. Nestes países, Trump procura garantir investimentos em setores como a energia e a tecnologia. O objetivo é reforçar alianças que contrariem o avanço económico da China nestas geografias.
Xi Jinping, por outro lado, tem centrado a sua atenção na América Latina e nas Caraíbas. O anúncio de uma nova linha de crédito de 9 mil milhões de dólares, feito na cimeira China-CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), insere-se numa estratégia mais alargada de internacionalização do yuan e de consolidação da China como parceiro económico preferencial. O objetivo principal é reduzir a influência tradicional dos Estados Unidos na região e fomentar o comércio em moeda chinesa.
Enquanto os Estados Unidos utilizam a política tarifária e a diplomacia comercial para garantir vantagens imediatas em setores estratégicos, a China aposta numa abordagem baseada em investimentos estatais, crédito externo e acordos bilaterais. Os dois países procuram aumentar a dependência estrutural de países terceiros às respetivas economias.
A coincidência entre a suspensão das tarifas e o reforço da presença chinesa na América Latina não é casual. A China reforça as suas relações comerciais com o Brasil e outros países latino-americanos, aumentando a compra de bens agrícolas e promovendo o uso do yuan em transações internacionais. Esta estratégia responde à crescente desconfiança de várias economias emergentes face às instituições financeiras ocidentais.
Do lado americano, o acordo com a China também não ocorre nesta fase por mero acaso. A visita de Trump à Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar, acompanhada de propostas de investimento e flexibilização de restrições tecnológicas, é estrategicamente muito relevante. Através de concessões como o fornecimento de semicondutores, o governo norte-americano tenta recuperar influência nestes países e conter o avanço do eixo China-Rússia-Irão.
O alívio tarifário de 90 dias permite uma estabilização temporária e conjuntural interessante para as duas partes, mas não altera a natureza competitiva da relação bilateral. A trégua atual permite a ambos os países consolidar posições em diferentes regiões do mundo, mantendo as suas estratégias em curso para influenciar os principais vetores da ordem económica internacional.
Portanto, nesta fase, China e Estados Unidos ajustam as suas ações com base em interesses estratégicos. A interdependência económica entre Estados Unidos e China pode ir adiando uma rotura completa, mas jamais será suficiente para evitar a disputa pela liderança global.