Minas à solta e uma bomba num urso de peluche. Mercenários russos ligados ao Kremlin acusados de crimes de guerra na Líbia

26 mai 2022, 09:03
Autoridades líbias desativam minas encontradas em zonas civis (Getty Images)

Grupo Wagner não tem ligações oficiais ao governo russo, mas é tido como sendo próximo de Vladimir Putin

Uma investigação da Organização das Nações Unidas (ONU) descobriu que mercenários russos que lutaram na Líbia colocaram minas em zonas civis sem marcarem a localização dos dispositivos, além de também não os terem removido após a retirada.

De acordo com um relatório ainda confidencial, mas que foi obtido pelo jornal The Guardian, e deverá ser tornado público nas próximas semanas, isto constitui numa violação do Direito Internacional.

As ações em causa foram praticadas por membros do Grupo Wagner, uma companhia militar privada que tem várias ligações ao Kremlin e que atua em diferentes regiões do mundo, como já fez no Mali, e também na Ucrânia, onde se suspeita que estes mercenários são responsáveis pela morte de civis.

O relatório da ONU liga ainda estes mercenários à colocação de armadilhas antitanque que acabaram por matar dois voluntários de uma organização não-governamental que estavam a desativar minas no país.

Existem ainda suspeitas de que uma bomba feita de morteiros e explosivos plásticos, e que foi encontrada atada a um urso de peluche nos arredores de Tripoli, também terá sido obra daqueles mercenários.

Bomba atada em urso de peluche na Líbia (Twitter)

Parte das conclusões dos investigadores basearam-se num tablet que foi deixado para trás pelos mercenários. O aparelho foi encontrado por jornalistas e posteriormente analisado pela equipa da ONU. Lá dentro tinha um documento de 10 páginas, datado de janeiro de 2020, que incluía uma lista de armas e equipamento pedido por várias unidades do Grupo Wagner. No mesmo ficheiro vêm referidos alguns nomes de código de altas patentes, havendo um “diretor-geral” que os investigadores identificaram como “muito provavelmente Yevgeny Prigozhin”, um homem de negócios ligado ao presidente da Rússia, Vladimir Putin. Em reação ao jornal The Guardian, o russo nega quaisquer ligações ao Grupo Wagner.

As conclusões deste relatório, que deverá ser tornado público dentro de semanas, aumentam a preocupação já existente com a atuação do Grupo Wagner em várias zonas de guerra.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia admite que o Grupo Wagner esteve presente na Líbia, mas garante que a posição oficial do Kremlin é de que Moscovo nada tem que ver com estes combatentes. Sergei Lavrov disse ainda que a presença dos mercenários naquele país do Norte de África foi efetuada numa “base comercial”.

Os especialistas acreditam que ainda estão presentes na Línia cerca de dois mil destes soldados, perto de dois terços do efetivo que existia há dois anos, altura em que houve uma maior tensão.

O relatório da ONU incide sobre 13 meses, desde março de 2021 até abril de 2022, sendo que as acusações da utilização de minas em áreas civis são do tempo em que o grupo apoiou uma ofensiva lançada pelo general Khalifa Haftar, um antigo comandante líbio que controla quase todo o este do país.

Esse ataque, ocorrido no início de 2020, levou o Grupo Wagner a utilizar várias armas defensivas para manter as posições. No entanto, e de acordo com o Direito Internacional, os militares deviam ter marcado as posições das minas colocadas, avisado a população para a presença das mesmas e removido as armas na operação de retirada, que aconteceu semanas mais tarde. Segundo as convenções de Genebra, o facto de o grupo não o ter feito constitui um crime de guerra.

Um dos casos concretos é a colocação de 35 minas nas zonas civis de Ain Zara, que vem descrita pela ONU: “Este falhanço em evitar, ou pelo menos minimizar, os efeitos das minas colocadas numa zona civil… torna este num método de guerra ilegal”.

Foi precisamente naquela cidade que morreram os dois funcionários que tentavam desativar minas, e que foram vítimas de um “aparelho que não estava marcado e que estava colado a um objeto inofensivo dentro de uma casa civil”.

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