Durante quase um ano, 68 cientistas de 15 países, que passaram a pente fino dados sísmicos, de satélite e do terreno, bem como simulações de ondas de tsunami, tentaram resolver o enigma
Tudo começou com o degelo de um glaciar que provocou um enorme deslizamento de terras, o que desencadeou um megatsunami de mais de 190 metros de altura na Gronelândia, em setembro passado. Depois veio algo inexplicável: uma misteriosa vibração que abanou o planeta durante nove dias.
Durante o último ano, dezenas de cientistas de todo o mundo tentaram descobrir o que era este sinal.
Agora têm uma resposta, de acordo com um novo estudo publicado na revista Science, que constitui mais um aviso de que o Ártico está a entrar em “águas desconhecidas”, à medida que os seres humanos fazem subir cada vez mais as temperaturas globais.
Alguns sismólogos pensaram que os seus instrumentos estavam avariados quando começaram a captar vibrações vindas do solo, em setembro, referiu Stephen Hicks, coautor do estudo e sismólogo da University College London.
Não se tratava da rica orquestra de sons agudos e estrondos que se poderia esperar de um terramoto, mas mais de um zumbido monótono, explicou à CNN. Os sinais de terramotos tendem a durar minutos; este durou nove dias.
Ficou perplexo, foi “completamente sem precedentes”, afirmou.
Os sismólogos localizaram o sinal a leste da Gronelândia, mas não conseguiram determinar um local específico. Contactaram então colegas dinamarqueses que tinham recebido relatos de um tsunami provocado por um deslizamento de terras numa parte remota da região chamada Fiorde de Dickson.
O resultado foi uma colaboração de quase um ano entre 68 cientistas de 15 países, que passaram a pente fino dados sísmicos, de satélite e do terreno, bem como simulações de ondas de tsunami, para resolver o enigma.
O que aconteceu chama-se um “risco em cascata”, referiu Svennevig, e tudo começou com as alterações climáticas causadas pelo homem.
Durante anos, o glaciar na base de uma enorme montanha que se ergue a cerca de 4.000 pés acima do Fiorde de Dickson esteve a derreter, como acontece com muitos glaciares no Ártico, que está a aquecer rapidamente.
À medida que o glaciar diminuía de espessura, a montanha tornava-se cada vez mais instável, até que acabou por ruir a 16 de setembro do ano passado, fazendo cair na água rocha e detritos suficientes para encher 10.000 piscinas olímpicas.
O megatsunami que se seguiu - um dos mais fortes da história recente - desencadeou uma onda que ficou presa no fiorde estreito e curvo durante mais de uma semana, balançando para a frente e para trás a cada 90 segundos.
O fenómeno, designado por “seiche”, refere-se ao movimento rítmico de uma onda num espaço fechado, semelhante à água a espirrar para trás e para a frente numa banheira ou num copo. Um dos cientistas até tentou (e não conseguiu) recriar o impacto na sua própria banheira.
Embora os seiches sejam bem conhecidos, os cientistas não faziam ideia de que pudessem durar tanto tempo.
“Se eu tivesse sugerido há um ano que um seiche poderia persistir durante nove dias, as pessoas abanariam a cabeça e diriam que isso é impossível”, contou Svennevig, que comparou a descoberta à descoberta repentina de uma nova cor no arco-íris.
Foi este seiche que criou a energia sísmica na crosta terrestre, segundo os cientistas.
É talvez a primeira vez que os cientistas observam diretamente o impacto das alterações climáticas “no solo sob os nossos pés”, afirmou Hicks. E nenhum lugar ficou imune; o sinal viajou da Gronelândia à Antárctida em cerca de uma hora, acrescentou.
Ninguém ficou ferido no tsunami, embora tenha arrastado património cultural centenário e danificado uma base militar vazia. Mas este troço de água encontra-se numa rota muito utilizada pelos navios de cruzeiro. Se um deles estivesse lá na altura, “as consequências teriam sido devastadoras”, escreveram os autores do estudo.
A Gronelândia Oriental nunca tinha sofrido um deslizamento de terras e um tsunami como este, referiu Svennevig. Isto mostra que novas áreas do Ártico estão a “ficar online” para este tipo de eventos climáticos, acrescentou.
À medida que o Ártico continua a aquecer - nas últimas décadas, a região aqueceu quatro vezes mais depressa do que o resto do mundo - os megatsunamis provocados por deslizamentos de terras podem tornar-se mais comuns e com consequências mortais.
Em junho de 2017, um tsunami no noroeste da Gronelândia matou quatro pessoas e arrastou casas. A ameaça vai para além da Gronelândia, sublinhou Svennevig; existem fiordes com formas semelhantes noutras regiões, incluindo o Alasca, partes do Canadá e a Noruega.
O que aconteceu na Gronelândia em setembro passado “demonstra mais uma vez a desestabilização em curso de grandes encostas de montanhas no Ártico devido ao aquecimento climático amplificado”, afirmou Paula Snook, geóloga de deslizamentos de terra na Universidade de Ciências Aplicadas da Noruega Ocidental, que não esteve envolvida no estudo.
As recentes derrocadas de rochas no Ártico, bem como nas regiões alpinas, são “um sinal alarmante”, referiu à CNN. “Estamos a descongelar solo que esteve num estado frio e congelado durante muitos milhares de anos”.
Ainda há muita investigação a fazer sobre as avalanches de rocha, que também são afetadas por processos naturais, advertiu Lena Rubensdotter, investigadora do Serviço Geológico da Noruega, que também não esteve envolvida no estudo.
No entanto, acrescentou, é “lógico supor que vamos assistir a colapsos de rochas mais frequentes nas encostas de permafrost à medida que o clima aquece nas regiões árcticas”.
A descoberta de fenómenos naturais que se comportam de formas aparentemente não naturais realça como esta parte do mundo está a mudar de forma inesperada, acrescentou Svennevig.
“É um sinal de que as alterações climáticas estão a empurrar estes sistemas para águas desconhecidas”.