A data é simbólica: 6/6/23. Uma alusão aos 6 anos, 6 meses e 23 dias de tempo de serviço congelado que os docentes reclamam junto do Ministério da Educação. A greve foi convocada pela plataforma sindical, que integra a Fenprof e a FNE, que espera ver muitas escolas fechadas
Se o seu filho tem aulas esta terça-feira, ou mesmo provas de aferição, é muito provável que, à chegada à escola, se depare com os portões fechados. E se estiverem abertos, é bem provável que não haja qualquer atividade letiva. Os professores vão estar em greve e preveem uma “adesão maciça” a um protesto que acontece numa “data irrepetível” – 6/6/23, uma alusão perfeita aos 6 anos, 6 meses e 23 dias de tempo de serviço que os professores viram congelado e cuja reposição reclamam agora ao Ministério da Educação.
“Cada escola, de acordo com a sua realidade, poderá fechar ou não. Os pais devem estar atentos de manhã para ver se as escolas dos seus filhos vão abrir ou não, mas creio que a adesão dos docentes ao protesto será muito grande”, alerta Filinto Lima, em declarações à CNN Portugal.
O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP) lembra que a greve “já está convocada há muito tempo”, permitindo aos docentes organizarem-se, e acontece numa data carregada de simbologia, pelo que se espera uma “enorme adesão”.
A solidariedade dos diretores
Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, prevê “um grande dia de luta dos professores”, com duas “grandes concentrações”, em Lisboa e no Porto. E assegura que o protesto tem o apoio de vários diretores escolares, sendo que alguns já mostraram interesse em aderir à greve.
“Quando alguém é espoliado de algo tão importante, não se deixa ficar e os professores não se vão deixar ficar. Temos inclusive muitos diretores de escolas a ligar-nos para saberem em que termos podem fazer greve. Esta greve vai ter os professores, as direções de escolas e vai ter duas grandes concentrações em Lisboa e no Porto. Temos muitos autocarros previstos para se deslocarem para as manifestações”, adianta Mário Nogueira.
Também Pedro Barreiros, secretário-geral da FNE, antevê uma adesão sem paralelo à paralisação e às concentrações de Lisboa e Porto. “Contamos que a maioria das escolas, se não quase a totalidade, não funcionem amanhã e contamos que as concentrações do Porto e de Lisboa tenham uma grande participação. Sendo a um dia de semana, torna-se mais difícil a deslocação de pessoas, mas temos autocarros reservados e confirmados de Bragança, Mogadouro, Chaves... Mesmo aqueles que possam não vir às manifestações, vão fazer greve”, indica, salientando também “o simbolismo da data”, que “também pode fazer com que a adesão seja maior”.
A experiência recente do diretor Hernâni Pinho, do Agrupamento de Escolas de Santa Catarina, em Oeiras, não o deixa, porém, fazer antevisões muito concretas: “É muito imprevisível. Na nossa escola, ultimamente, ninguém tem feito greve. Mas acreditamos que tenha uma grande adesão.”
“Poucas ou nenhumas provas de aferição”
Esta terça-feira, é dia da prova de aferição de História e Geografia de Portugal do 5.º ano. E se em muitas escolas as provas de aferição que já tiveram lugar não aconteceram, por causa da greve a essa avaliação decretada pelo S.TO.P!, esta terça-feira o panorama deve ser ainda mais arrasador.
“Devem realizar-se poucas ou nenhumas provas de aferição. Vai ser um grande dia de luta dos professores a anteceder a greve às avaliações e depois a greve aos exames”, assegura Mário Nogueira.
Fátima Ferreira, dirigente da Associação Sindical de Professores Licenciados (ASPL), estrutura que também compõe a plataforma que convocou o protesto desta terça-feira, prevê que “a adesão seja muito, muito grande e não haja aulas ou qualquer outra atividade que não sejam reuniões de avaliação”.
A sindicalista também antecipa que muitas escolas estejam mesmo encerradas: “Se tivesse um filho em idade escolar, não o levaria à escola.”
E, aos professores, Fátima Ferreira alerta que este é um momento decisivo. “Espero que nenhum professor que considere injusta a não contabilização do tempo de serviço vá trabalhar esta terça-feira”, defende.
“Mobilização”, apesar do “desgaste”
O movimento Missão Escola Pública promete fazer-se representar nas concentrações do Porto, às 10:30, e de Lisboa, às 15:30, num dia que consideram “importante” e “emblemático”.
“Temos encontrado uma grande mobilização nas escolas. Notamos algum desgaste por parte dos professores, porque já são muitos meses de luta. Mas consideram que o dia de amanhã [terça-feira] tem um grande simbolismo e estão a mobilizar-se para aderirem à greve e estarem presentes nas concentrações”, confirma Cristina Mota, uma das porta-vozes do movimento.
O presidente da ANDAEP, Filinto Lima, também reconhece o desgaste dos docentes, “até pelo esforço financeiro” que as greves comportam, e lembra aos sindicatos que é preciso deixar de lado “egos exacerbados que também dificultam a luta dos professores”.
“Isso não é positivo e até pode ser prejudicial. É uma luta coletiva, não é uma luta individual”, avisa Filinto Lima.
Júlia Azevedo, dirigente do Sindicato Independente dos Professores e Educadores (SIPE), garante, por sua vez, que “os professores ainda não baixaram os braços e continuam a lutar”. “Sabemos que mesmo a opinião pública, pais e Encarregados de Educação estão do nosso lado, porque sabem que há falta de professores e que ninguém quer ir para esta profissão e isso preocupa-os”, considera.
A sindicalista do SIPE não tem expectativas que as reivindicações dos professores sejam atendidas depois da greve desta terça-feira, mas está convicta que “é uma questão de tempo”. “De tempo e de resiliência”, remata.
O apelo ao apoio dos pais
O grupo Rumo à Assembleia nasceu espontaneamente no WhatsApp e tem cada vez mais adesões. É um grupo “apartidário e sem qualquer ligação a nenhum movimento sindical”. Manuela Almeida confirma o desgaste dos docentes, mas também a força da luta.
“Uma vez que são nove sindicatos, uma plataforma com um número considerável de associados, a adesão vai ser considerável. Julgo que muitas escolas poderão fechar. E julgo que os pais já estão alertados para essa realidade, porque esta manifestação e esta greve foi há muito anunciada”, considera Manuela Almeida.
A professora, com mais de 30 anos de tempo de serviço, está convencida da compreensão dos pais pela luta dos docentes. “Os pais sabem que quem está a prolongar esta luta não são os professores. Sabem que quem está a arrastar esta luta até ao infinito é o Ministério. Mas os pais podem estar tranquilos e tranquilizar os seus filhos, porque nós trabalhamos acima de tudo para os nossos alunos. São eles que nos dão ânimo para nos mantermos nesta profissão. Nós lutamos por nós, mas também por melhores condições na escola pública”, argumenta.
“Apelamos ao apoio dos pais. Por favor, não falhem e juntem-se à nossa luta. Julgo que essa será a pedra que falta para o Ministério tomar uma decisão.”
E aos alunos, Manuela pede que “estudem para os exames”, garantindo que “os professores estão atentos aos seus alunos, sobretudo aos que têm o seu futuro em decisão”.
Sem serviços mínimos decretados
A greve desta terça-feira foi convocada pela convergência sindical que engloba nove estruturas e sindicatos de professores (FNE, SIPE, ASPL, Fenprof, PRÓ-ORDEM, SEPLEU, SINAPE, SINDEP e SPLIU) e não tem serviços mínimos decretados.
A grande linha vermelha dos sindicatos é a reposição, ainda que de forma faseada, do tempo de serviço congelado (6 anos, 6 meses e 23 dias), mas os professores alertam também para “outros problemas que afetam os docentes em exercício e estão na base da crescente falta de professores nas escolas”, como o fim de vagas e quotas para passagem de escalão.