A Grécia está pronta para trabalhar seis dias e estes seis argumentos provam que pode deitar tudo a perder

6 jul 2024, 08:00
17. Navagio Bay, Grécia

Numa altura em que vários países discutem a redução da semana de trabalho para quatro dias, o governo conservador da Grécia decidiu seguir em sentido oposto. Má decisão, dizem os especialistas. E estas são as principais razões

Sem ganhos na produtividade e na redução da taxa de desemprego, com o risco de alimentar uma “fuga de cérebros” e aumentar o fosso entre ricos e pobres. É assim que os especialistas portugueses encaram a decisão da Grécia de aumentar a semana de trabalho para seis dias. De 40 para 48 horas. Uma mudança que, apesar de ter adesão voluntária, diz quem sabe do assunto, vem em “contraciclo”.

“Esta decisão da Grécia é um bocado anacrónica. E parte de uma mentalidade retrógrada: a ideia de que quanto mais tempo nos dedicamos ao trabalho, melhores serão os resultados. Isso é falso”, argumenta Gabriel Leite Mota, economista, especializado na área de Economia de Felicidade.

É “contraproducente” e um “contra-incentivo”, junta. Analisemos então esta decisão em seis argumentos com a ajuda dos especialistas.

Argumento 1: produtividade

Um dos argumentos do governo grego para esta mudança é o do aumento da produtividade. Os especialistas na área do trabalho dizem que não é bem assim, sobretudo quando os estudos sobre a semana de trabalho com quatro dias têm mostrado ganhos neste indicador.

“Todos os estudos mostram que a produtividade efetiva não aumenta”, alerta Liliana Dias, psicóloga especializada em bem-estar nas organizações.

Porque uma coisa é estar mais tempo no trabalho, outra é aproveitá-lo da melhor forma possível. E daí a distinção feita pelo economista Pedro Braz Teixeira: “A produtividade horária não muda com isto, a produtividade total é que aumenta, porque essas pessoas trabalham mais horas e, logo, produzem mais.”

“Esta medida fica muito ao lado da realidade. Não é verdade que, aumentando as horas de trabalho, se aumente a competitividade. Bem pelo contrário”, acrescenta Gabriel Leite Mota.

Este economista lembra que os estudos sobre as semanas de trabalho com quatro dias confirmam uma “redução do absentismo”, o que acaba por representar melhorias na gestão do pessoal e poupanças na contratação de substitutos.

Argumento 2: "fuga de cérebros"

Num país como a Grécia, onde a salário mínimo está nos 830 euros, aumentar a jornada de trabalho pode representar outro risco: o da “fuga de cérebros”.

O aviso é de Gabriel Leite Mota, insistindo que o governo grego alimenta uma visão para “empresas com baixo valor acrescentado”.

“Os setores que trazem valor à economia são setores de ponta, que necessitam de recursos humanos qualificados, que são altamente móveis”, e, portanto, disputados por outros empregadores em todo o mundo. Se se defrontam com uma semana de trabalho maior, esse argumento pode pesar na decisão de sair do país.

Argumento 3: fosso entre ricos e pobres

“Mesmo sendo voluntário, todos os estudos mostram que quem vai aderir vai fazê-lo por motivos económicos”, antecipa a psicóloga Liliana Dias. Para vincar um aspeto: uma medida como a grega vai acentuar o fosso entre quem ganha mais e menos.

São mais horas de trabalho sim, na expectativa de uma vida um bocadinho mais desafogada. Mas com “custos ao nível da saúde e da disponibilidade para a vida pessoal e social”. “Vai aumentar o agudizar das desigualdades”, reforça. Quem ganha mais, à partida, não precisa de se submeter.

Visão algo diferente tem o economista Pedro Braz Teixeira, considerando que não se acentua o fosso “se as pessoas que ganham mais não querem trabalhar mais horas e as que ganham menos querem, acabam os salários [destas últimas] por se aproximar”. 

Ainda assim, concorda que tal é à custa do esforço adicional daqueles que menos têm. “Se em Portugal também fossemos falar com os trabalhadores a perguntar o que querem, se reduzir para 35 horas ou ter um aumento de 15%, a maioria preferia os 15%.”

Kyriakos Mitsotakis, primeiro-ministro da Grécia (AP Photo/Paul White)

Argumento 4: economia paralela

Com a subida da inflação, houve quem tenha procurado um segundo emprego, às vezes em registo informal - o chamado biscate. O governo grego argumenta que, com esta medida, quer melhorar as condições de um trabalho único, enquanto combate a economia informal. 

“Quanto ao trabalho não declarado, que chamamos de trabalho informal, não creio que se resolva assim. Resolve-se antes com maior inspeção”, aponta Rita Garcia Pereira, advogada especialista em Direito do Trabalho.

Da psicologia vem outra visão, para mostrar que ter um segundo trabalho pode ser mais positivo do que concentrar o esforço apenas no principal.

“A ciência mostra que, quando a pessoa tem outra atividade, isso beneficia a sua produtividade no lugar de trabalho principal. Traz aumento de motivação. O facto de fazermos sempre a mesma atividade não é recuperador. Uma atividade diferente e que estimule outras exigências, mesmo que seja trabalho, acaba por nos recuperar melhor”, refere.

Argumento 5: desemprego

Com uma taxa de desemprego acima dos 10%, os especialistas alertam que não será esta medida a atenuar o indicador daqui em diante.

“Se a empresa usar os trabalhadores que tem, não vai recrutar mais”, resume Pedro Braz Teixeira.

E há uma possível explicação para esta decisão: ao alargar o horário de trabalho, as horas extraordinárias - que, em Portugal, por exemplo, são mais caras do que as obrigatórias - poderiam ficar a um custo mais acessível para as empresas.

“Se há necessidade de trabalho suplementar de uma forma quotidiana, isso significa que têm de contratar mais pessoas. Porque lá na Grécia, como cá em Portugal, a necessidade de trabalho suplementar assenta em motivos excepcionais”, junta Rita Garcia Pereira.

Argumento 6: exceção

O prolongamento do horário de trabalho na Grécia só se vai aplicar a determinados setores, como fábricas ou pequenas empresas, assim como a empresas que prestam serviços ininterruptos.

Com uma exceção: os setores do turismo, hotelaria e restauração, um dos motores da economia grega. Gabriel Leite Mota acredita que, ao aplicar uma carga horária superior a um setor com “falta de mão de obra”, o Governo grego arriscar-se-ia a aumentar ainda mais o problema.

“Não vem regulamentar o setor do turismo porque já trabalha por turnos e com grande intensidade na carga laboral”, arrisca também Liliana Dias.

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