Estas gravuras 'enlouqueceram' os arqueólogos. Eram, afinal, brinquedos pré-históricos feitos por crianças

CNN , Katie Hunt
11 dez 2022, 11:00
Gravuras (CNN)

É impossível saber ao certo como é que as crianças pré-históricas brincavam com as corujas, mas muitas das ardósias têm perfurações que poderiam ter permitido às crianças inserir penas reais na parte superior

Ao longo do século passado, foram descobertos milhares de pedaços de ardósia gravados com imagens de corujas em túmulos e fósseis por toda a Península Ibérica.

Acredita-se que estes artefactos tenham cerca de 5.000 anos, e há mais de um século que o seu significado tem vindo a enlouquecer os arqueólogos. Muitos achavam que representavam deusas e tinham um propósito ritual. No entanto, as novas pesquisas e resultados publicados sugerem uma função mais prosaica: eram brinquedos feitos por crianças.

Víctor Díaz Núñez de Arenas, o coautor do estudo e investigador do departamento de história da arte da Universidade Complutense de Madrid, disse que a aparência informal das gravuras fez com que a equipa duvidasse da sua natureza ritualística. Além disso, muitas delas foram encontradas em casas e outros sítios arqueológicos, ou seja, contextos arqueológicos pouco comuns na realização de rituais.

Para testar a ideia de que eram brinquedos, a equipa de investigação examinou 100 das placas de ardósia, documentando quais os traços particulares das corujas desenhadas na gravura: tufos de penas, penas com padrões, um disco facial plano, um bico e asas.

De seguida, os investigadores compararam-nas com 100 imagens de corujas desenhadas no início deste ano por crianças dos 4 aos 13 anos de idade numa escola primária do sudoeste de Espanha. O professor pediu aos alunos que desenhassem uma coruja em menos de 20 minutos, sem quaisquer outras instruções.

A espécie comum chamada pequena coruja (Athene noctua) pode ter sido a fonte de inspiração para algumas placas de ardósia gravadas. Aqui são mostradas duas corujas bebés. Créditos: Juan J. Negro/Relatos Científicos

“A semelhança destas placas com os desenhos feitos pelas crianças de hoje é muito notável”, disse Díaz Núñez. “Uma das coisas que nos revelaram sobre as crianças daquela época é que a sua visão do que é uma coruja é muito semelhante - senão idêntica - à que as crianças de hoje têm”.

É impossível saber ao certo como é que as crianças pré-históricas brincavam com as corujas, mas muitas das ardósias têm perfurações que poderiam ter permitido às crianças inserir penas reais na parte superior.

Os desenhos de corujas feitos pelas crianças de hoje em dia são semelhantes às corujas nas placas, disseram os investigadores. Créditos: Juan J. Negro/Relatórios Científicos

Para além de serem utilizadas como brinquedos, as gravuras das corujas poderão ter ajudado as crianças a aprenderem uma competência pré-histórica valiosa.

“A gravura destas placas proporcionou aos mais jovens uma atividade com a qual aprenderam a utilização das diferentes técnicas de talha e gravação da pedra, essenciais para a criação de outros objetos, tais como facas ou pontas de flecha, que eram utilizadas para tarefas funcionais do quotidiano. Poderá ter sido uma forma de identificar e eleger os membros mais habilidosos da comunidade para esculpir pedra”, afirmou o investigador do estudo.

Díaz Núñez de Arenas disse que as corujas poderiam também ter desempenhado um papel ritual, possivelmente dando às crianças a possibilidade de participar em cerimónias comunitárias tais como enterros, ao oferecer os seus brinquedos ou bonecos como tributo aos entes queridos falecidos.

Esta placa de ardósia com uma gravura de uma coruja fazia parte do estudo. Créditos: Juan J. Negro/Relatórios Científicos

A arqueóloga Brenna Hassett, uma investigadora da University College London que não estava envolvida no estudo, concordou que muitos objetos antigos descritos como ritualísticos poderiam ter múltiplos propósitos e usos. Acrescentou também que não há muito conhecimento sobre como as crianças da pré-história brincavam, e que este continua a ser um campo relativamente pouco estudado.

“Não podemos esquecer que muitas coisas teriam sido feitas com materiais perecíveis, tais como cordel, pele e madeira, sendo essa uma das razões pelas quais é tão raro encontrar algo que seja incontestavelmente um ‘brinquedo’”, disse Hassett, autora do livro “Growing Up Human: The Evolution of Childhood”.

Estas placas não são os únicos potenciais brinquedos mais antigos conhecidos no registo arqueológico. Segundo Díaz Núñez de Arenas, foram encontradas figuras de animais em túmulos de crianças na Sibéria com cerca de 20.000 anos de idade, que também foram interpretadas como sendo brinquedos. O mesmo acontece com os taumatrópios encontrados em cavernas francesas há cerca de 36.000 anos, disse Hassett.

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