Ansiosas, abandonadas e inseguras. É assim que, aos olhos dos psicólogos, as grávidas se sentem perante o atual estado dos serviços de urgência de Ginecologia e Obstetrícia dos hospitais portugueses. A saúde emocional está fragilizada e isso pode trazer consequências físicas e psicológicas, até depois do parto. Mas há boas notícias: é possível controlar a angústia
Urgências fechadas, encaminhamentos para hospitais a centenas de quilómetros de casa, dificuldade em marcar consultas, impossibilidade de fazer as ecografias obstétricas nos timings recomendados. As grávidas portuguesas sentem-se “ansiosas”, “abandonadas” e “inseguras”, alertam os psicólogos, que pedem mais atenção para as mulheres e casais nesta fase da vida, já ela física e emocionalmente complexa.
“Olho para as notícias e penso nisso mesmo, em como é que elas sentem”, começa por nos confidenciar a psicóloga Catarina Lucas, assim que atende a chamada. A especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, mostra preocupação perante o impacto que o caos que se vive nos serviços de urgência de Ginecologia e Obstetrícia tem no bem-estar da grávida e até mesmo na sua saúde. “O impacto disto é significativo, o período de gravidez é já gerador de ansiedade e medos”, explica.
A incerteza é vista pelos especialista como principal gatilho para um aumento da ansiedade nesta fase e Débora Bento Correia, psicóloga clínica do Coletivo Transformar, diz mesmo que não saber qual “a disponibilidade dos cuidados de saúde, sobretudo onde e como serão atendidas em casos de emergência”, faz com que as grávidas vivam mais angustiadas, reféns de “um sentimento de vulnerabilidade, medo e insegurança”, sobretudo aquelas “que já estão em fases mais avançadas da gestação”.
Numa análise a este caos vivido nos serviços de Ginecologia e Obstetrícia de alguns hospitais, sobretudo na zona de Lisboa, a psicóloga Ana Carina Valente fala-nos também de “uma sensação de insegurança e falta de acolhimento” vividas pelas grávidas, sobretudo quando sentem que “os recursos à sua volta não [as] protegem”. A psicóloga vai ainda mais longe e diz mesmo que “esta situação acaba por reforçar algumas desigualdades sociais, nem todas [as grávidas] têm a possibilidade de ir ao privado” e que “tudo isto cria um efeito bola de neve no mal-estar emocional”.
Catarina Lucas alerta que há grávidas que sentem que lhes foi “tirado o tapete”, deitado por terra todo o “planeamento” feito para um dos momentos mais importantes das suas vidas. “Há muita incerteza”, repete. “Tudo o que as grávidas não querem é lidar com a ideia de ‘onde afinal vou ter o meu filho?’”.
Impacto vai além das emoções
A gravidez pode, por si só, ser um período causador de “extrema ansiedade para algumas mulheres”, como explica Débora Bento Correia, com o parto a ser o momento de maior inquietação para a maioria. No entanto, e perante adversidades como aquelas que se vivem em alguns hospitais públicos, estes “sintomas ansiosos” podem agravar-se numa mulher com “um quadro de ansiedade já existente”, havendo nestes casos “um maior risco de entrar num ciclo ansioso” ao longo de toda a gravidez, continua Miguel Ricou, psicólogo e presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Catarina Lucas, que tem um consultório em nome próprio em Lisboa, coloca ainda nesta equação o facto de as grávidas se sentirem “mais isoladas e longe do suporte emocional”, sobretudo quando são encaminhadas para unidades longe da sua área de residência, como tem acontecido com as grávidas de Leiria, cujos partos estão a ser feitos no Porto e em Coimbra, o que, em alguns casos, implica viagem de cerca de 200 quilómetros. E sobre este ponto, Débora Bento Correia continua: “o fecho de maternidades e urgências obriga estas mulheres a procurarem alternativas com as quais podem não estar familiarizadas, o que pode aumentar a perceção de risco e o medo do desconhecido pelo facto de terem que recorrer a um novo ambiente e profissionais com a qual não estavam tão confortáveis”, aumentando os níveis de ansiedade e mal-estar emocional. Mas a verdade é que a grávida raramente tem esse controlo. A não ser que já tenha decidido ter o bebé num hospital privado, acaba por saber onde vai ter assistência ou onde vai dar à luz no próprio momento e depois de pesquisas online ou chamadas para a linha de apoio à grávida alocada ao SNS 24. “Em casos mais extremos estas circunstâncias podem ser percebidas como uma forma de abandono o que origina sentimentos de desamparo e desvalorização, impactando negativamente a autoestima destas mulheres e a sua confiança em cuidarem de si mesmas e do bebé”, continua Débora Bento Correia, alertando para “o risco de depressão pós-parto” que toda esta situação pode trazer a algumas grávidas.
Ainda do ponto de vista cognitivo, Miguel Ricou considera que um estado constante de ansiedade durante a gravidez “aumenta a sensação de preocupação” e faz com que as grávidas “se sintam em maior perigo”, aumentando “a sensação de urgência, que resulta num aumento do mal-estar geral”. O psicólogo é ainda rápido a dizer que as consequências de tudo são também físicas. “Basta perceber o que faz a ansiedade, aumenta a atividade fisiológica da pessoa, aumenta o ritmo cardíaco, a respiração”.
Segundo o site do Serviço Nacional de Saúde, a ansiedade pode causar tensão muscular, tremores, tonturas e formigueiros. Há o risco de “hipertensão gestacional e parto prematuro”, assim como de “distúrbios do sono e, em alguns casos, até depressão pré-natal”, adianta Débora Bento Correia, aconselhando o acompanhamento psicológico, seja por parte da grávida, como do casal ou de quem pretende engravidar e sente que este cenário atual tem um impacto negativo no seu bem-estar.
O stress e a ansiedade ao longo de toda a gravidez, acrescenta Miguel Ricou, “podem trazer implicações físicas até no próprio trabalho de parto”, mas o psicólogo apressa-se também a passar uma mensagem às grávidas: “Independente das coisas não estarem como deve ser, temos de mostrar que as coisas continuam a funcionar”. O especialista defende que esta situação caótica que se vive em alguns hospitais deve ser vista com olhos de ver e resolvida o quanto antes, mas apela à calma, dizendo que esta é uma forma de a grávida e do casal se sentirem protegidos. “É evidente que não podemos vender que está tudo bem, mas é preciso conseguir transmitir tranquilidade e que vai haver resposta à altura”, diz, aconselhando as grávidas a confiar na “responsabilidade dos profissionais de saúde”.
Como pode a grávida proteger-se
O segredo está no controlo, nem que seja “ilusório” e parcial, diz Catarina Lucas. “O ser humano precisa de sentir algum controlo, até ilusório, para ter recursos para conseguir gerir [os imprevistos]”, explica.
Neste cenário em concreto, o controlo passa pela informação, mas quanto baste. Os psicólogos com que a CNN Portugal falou dizem em uníssono que as grávidas não devem ignorar as notícias, mas devem consumi-las com moderação e brio, uma pouco à semelhança do que foi aconselhado em tempos de pandemia: saber o que se passa sem ficar refém do que se passa, obtendo informação suficiente para que as grávidas sintam alguma segurança face ao que não depende delas.
Ana Carina Valente é também defensora de uma informação “filtrada”, a necessária para estar a par da situação, mas sem se sentir sugada por ela. A especialista aconselha ainda as grávidas a “perceber quais os recursos que efetivamente têm”, quais os hospitais próximos, para onde ligar e a quem pedir socorro em caso de necessidade, aquilo que diz ser “um plano ativo” que traz algum controlo e tranquilidade. A psicóloga aconselha ainda “saber dentro da nossa rede quem nos pode apoiar, partilhar o que estamos a sentir e ter um profissional de saúde que nos ajude”.
Também Débora Bento Correia considera que “procurar informação clara e precisa sobre as opções de saúde disponíveis na sua área de residência e fora dela é fundamental para diminuir a incerteza”. A psicóloga do Coletivo Transformar destaca ainda como formas de proteção e preparação as “técnicas de relaxamento, como a meditação, a respiração consciente e yoga pré-natal”, que defende que podem “ser eficazes na redução da ansiedade”. E deixa ainda um conselho para quem está prestes a dar as boas-vindas a um bebé ou planeia fazê-lo em breve: “Estabelecer expectativas realistas sobre o processo de gravidez e o parto” é determinante para evitar a frustração e a ansiedade, até porque, “considerando o cenário atual”, manter algum realismo “pode ajudar a mitigar frustrações e angústia”.
Procurar o acompanhamento junto de um profissional de Psicologia ou Psiquiatria é também um conselho deixado pelos profissionais, embora seja conhecida a dificuldade no acesso através do setor público da saúde.
Casal deve apoiar-se e evitar "ciclo de negatividade"
O caos dos serviços de Ginecologia e Obstetrícia, que já se tem vindo a sentir nos últimos verões, não causa apenas mal estar emociona à grávida, pode também afetar o parceiro ou parceira e “aumentar o distanciamento emocional e criar um clima de insegurança dentro da relação”, lembra Débora Bento Correia. “A outra pessoa não carrega [o bebé], mas sofre”, atira Catarina Lucas, que defende uma comunicação aberta e honesta entre o casal nesta fase mais crítica. “Os casais estão grávidos”, adianta, em tom de concordância, Ana Carina Valente, aconselhando “o apoio e ajuda mútua” e “procurar respostas em conjunto” como forma de minimizar a ansiedade vivida. “É preciso uma escuta ativa e empática e não esconder os sentimentos”, continua a especialista.
Todos os conselhos deixados acima para as grávidas, dizem os psicólogos, são válidos para o casal e Miguel Ricou pede mesmo que os casais evitem entrar num “ciclo de negatividade”, que procurem, dentro do caos, algo positivo que dê alento e que traga, sobretudo, tranquilidade à grávida. “Aqueles que acompanham de perto e estão em contato perceberem que é fundamental passar mensagens de tranquilidade e apoio à grávida”, adianta o psicólogo.
Para quem está neste momento à espera da chegada do bebé ou para quem pretende aumentar a família em breve - que acaba por ficar também suscetível a tudo o que se está a passar - Débora Bento Correia aconselha “manter uma comunicação transparente e constante”, em que ambos “possam expressar os seus medos, preocupações e dúvidas”, algo que considera “essencial para garantir que ambos se sintam apoiados e compreendidos, fortalecendo o vínculo e reduzindo o impacto emocional negativo que possam eventualmente sentir pelas circunstâncias externas”.