A mulher com uma "hemorragia abundante" encontrava-se à porta do Hospital, com um feto morto num saco. Entre a espera nas urgências e a intervenção dos bombeiros demorou vários minutos a ser atendida
O Hospital das Caldas da Rainha terá recusado, esta segunda-feira de manhã, o atendimento a uma mulher que chegou a esta unidade, por meios próprios, a sangrar e com um feto num saco após ter sofrido um aborto espontâneo em casa. Só após a insistência dos bombeiros se terá evitado que fosse transferida para a maternidade de Bissaya Barreto, em Coimbra. Para Nuno Clode, presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal podia "estar em risco a vida dela". O especialista esteve esta segunda-feira na CNN Portugal, onde abordou este caso, e não tem dúvidas em defender que "qualquer unidade hospitalar tem a obrigação de, perante uma situação de hemorragia aguda, independentemente da especialidade que eventualmente nos estejamos, tem a obrigação de pelo menos de avaliar a pessoa e perceber se é uma situação que precisa de algum suporte de vida e decidir, ou não, do envio para uma unidade mais diferenciada e que esteja mais próxima".
Segundo apurou a TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal) a mulher, de 31 anos, que estaria grávida de três meses, foi atendida mais de meia hora depois, mas só após a insistência dos Bombeiros Voluntários das Caldas da Rainha, que evitaram que fosse transferida para a maternidade de Bissaya Barreto, em Coimbra. Segundo conta Nelson Cruz, comandante dos Bombeiros, a mulher, que se dirigiu pelos próprios meios para o hospital, não foi de imediato admitida e foi aconselhada a ligar para o 112 mesmo estando às portas do hospital. Após vários contactos, os bombeiros chegaram ao local e depararam-se com a mulher dentro do carro “com uma hemorragia abundante e com o feto num saco”, tendo classificado a situação como grave e pedido ajuda ao CODU. Só 30 minutos depois é que a mulher conseguiu ser atendida no hospital.
Segundo Nuno Clode, não existe um protocolo após um aborto e, por isso, "é uma situação que deve ser avaliada. Nós os médicos, em princípio, devemos saber resolver, independente da especialidade, uma situação em que uma mulher está numa hemorragia aguda e que pode estar em risco a vida dela. Pelo menos a avaliação, a estabilização e o envio da mulher para um hospital mais diferenciado", explica o presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal.
Insistindo que "qualquer unidade hospitalar tem a obrigação de, perante uma situação de hemorragia aguda, independentemente da especialidade que eventualmente nós estejamos a falar, tem a obrigação de pelo menos de avaliar a pessoa e perceber se é uma situação que precisa de algum suporte de vida e decidir ou não do envio para uma unidade mais diferenciada e que esteja mais próximo". E não tem dúvidas em defender que "os hospitais têm de estar abertos para resolver este tipo de circunstâncias, independentemente da especialidade que esteja em causa".
Apesar de tudo preferiu não comentar a decisão da unidade hospitalar, remetendo essa justificação para a própria entidade.
Sobre o envio de grávidas para outras unidades hospitalares ou até para o privado, Nuno Clode até concorda. "De referir que esta atitude de enviar doentes grávidas para Coimbra, mesmo que sejam de longe, porque são situações programadas e que precisam de alguma forma de algum tipo de assistência que só poderá existir num determinado hospital, me parece de facto adequado".
Tal como, "a questão que se põe, e da mesma forma se passa em relação ao apoio dos hospitais privados em relação aos partos no Serviço Nacional de Saúde, também não é nada novo. Está estipulado perante algumas circunstâncias, os doentes deverão ser reencaminhados para os hospitais privados". "Isso acontece desde há seis meses, pelo menos, talvez mais, e agora foi reativado perante a situação de emergência em termos de apoio à população que nós temos no nosso país", acrescenta.
"Maternidades planeadas não estão a dar respostas"
E como se justifica uma situação destas? "O que está a acontecer neste instante é que as grávidas são as mesmas, as maternidades que estavam planeadas para esta população não estão a dar resposta por causa de falta de recursos médicos". E para o especilista "tudo isto é expectável, não tem nada de novo. Isto é uma questão meramente de planeamento e de organização". "Até o momento acho que têm corrido razoavelmente bem, com um grande esforço da saúde", ressalva.
Mas de fora da equação e da permanente dúvida,Nuno Clode faz questão de alertar: "Nós não nos podemos esquecer é que há toda uma, algo que não é contabilizado, nomeadamente em relação ao grau de ansiedade que estas mulheres vivem e naquilo que significa não ter o planeamento no seu momento de parto. Porque é uma coisa que toda a grávida deseja, aproxima-se do fim e portanto saber o que é que lhe vai acontecer".
"Há uns tempos atrás saberia mais ou menos qual era o hospital, neste momento não sabe, telefona e logo vê o que é que lhe pode acontecer, inclusive podem lhe dizer que está a muitos quilómetros de distância. Isto não é o que é desejável. É apenas criar mais um fator de ansiedade numa situação que, já por si, é uma situação que pode criar bastante ansiedade da mulher".
O presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal não tem dúvida que "alguma coisa tem de ser feita e alguma coisa terá de ser reorganizada. Isto já o ano passado tinha sido falado: em concentração de urgências, que seria de concentrações de locais de urgências para optimizar os recursos humanos, que de facto não são ilimitados. As pessoas têm os seus limites e a esta altura do verão as pessoas todas precisam descansar, os médicos também. Obviamente, tudo isto tem de ser programado com antecedência, com espaço e provavelmente com alguma coragem política, que é aquilo que é necessário", conclui.
Conselho de Administração da ULS do Oeste nega que tenha sido recusada "admissão" da utente
Contactado pela TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal), o Conselho de Administração da ULS do Oeste confirmou por escrito que a utente se dirigiu ao Hospital das Caldas da Rainha "pelos seus próprios meios" e que ao chegar "teve conhecimento pelo cartaz afixado na porta da Urgência de Ginecologia/Obstetrícia que esta não estava a funcionar". Presumem depois que esta tenha contactado o 112 e aguardado "na viatura respetiva pelas indicações telefónicas".
Na mesma resposta confirma que "foram acionados os bombeiros" para ir ao encontro da utente e que esta foi admitida de imediato pelas 08:04 da manhã. Negando, por isso, que llhe tenha sido recusada "a sua admissão", nem se registaram insistências de admissão. Para o Conselho de Administração da ULS do Oeste "a utente foi prontamente admitida quando houve conhecimento de que estava a aguardar, a situação mereceu o atendimento necessário e ficou em vigilância".
Elza Banza, presidente do Conselho de Administração Hospital Caldas da Rainha, acabou por falar aos jornalistas e garantiu também que "não houve nenhuma recusa, nós temos procedimentos muito claros sobre essa matéria. recusas de admissões, mesmo quando os serviços não estão a funcionar. Ninguém no hospital tinha informação que a doente estava com uma hemorragia", afirmou.
"Logo, nós não podemos fazer nada se não temos conhecimento. O que se passou, de facto, foi que a doente foi em primeiro lugar às consultas externas, foi-lhe indicado que teria que se dirigir à urgência, na urgência deparou-se com o cartaz, em que diz que o serviço não está a funcionar e que deve ligar para a linha de saúde 24 ou 112, o que fez. Não temos registro nenhum, por isso, como é óbvio, não posso confirmar tal informação. A doente foi, logo que o hospital teve conhecimento e o INEM entrou em contato, a doente foi assistida. A doente foi admitida, a doente foi assistida", concluiu.
Também contactado pela TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal), o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) confirmou que recebeu "uma chamada pelas 07:21" pedindo apoio para "uma mulher de 31 anos gávida, que se encontrava junto à urgência do Hospital das Caldas da Rainha".
Após uma traigem telefónica foi pedido o apoio dos bombeiros que às 07:33 contactou o CODU para "transmitir os dados da observação realizada no local". Acabando o CODU por ligar para o hospital para que a "utente pudesse ser admitida e avaliada e se determinar se existiam condições para o transporte para Coimbra".
A médica obstetra do Hospital de Coimbra acedeu "em observar a utente" tendo o CODU comunicado essa informação aos bombeiros pelas 07:50. Quase 40 minutos depois foram os bombeiros a informar o CODU que a utente tinha sido admitida.
Entretanto, foi também conhecido que a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) decidiu abrir um inquérito a este caso. Fonte do gabinete da ministra da Saúde disse à Lusa que o inquérito já foi aberto e atribuída para o mesmo uma equipa multidisciplinar. A ministra da Saúde, por seu lado, está a acompanhar o caso “desde a primeira hora”, adiantou a mesma fonte oficial.