O que julho, agosto e setembro de 2025 contam sobre a "falha grave de informação" no caso da grávida e da bebé que morreram

3 nov, 14:58
Ana Paula Martins (António Cotrim/Lusa)

Ao contrário do que a ministra da Saúde disse no Parlamento, Umo Cami, guineense de 36 anos grávida de 38 semanas, estava mesmo a ser seguida no SNS

A Fita do Tempo

 
DEZEMBRO DE 2024 Umo Cani, de nacionalidade guineense, obtém autorização de residência em Portugal.
 
JULHO DE 2025Umo Cani inscreve-se nos cuidados de saúde primários da UCSP de Agualva. No dia 14 tem uma consulta de vigilância da gravidez.
 
AGOSTO DE 2025Tem uma consulta no dia 14 de vigilância da gravidez. Está na 26.ª semana de gestação.
 
SETEMBRO DE 2025Tem um consulta de Obstetrícia no Hospital Amadora-Sintra.
 
29 DE OUTUBRO, QUARTA-FEIRA Grávida de 38 semanas, dirige-se assintomática à ULS Amadora/Sintra para uma consulta de rotina, onde é detetada hipertensão ligeira. Teve alta com indicação para internamento às 39 semanas de gestação (semana seguinte).
 
31 DE OUTUBRO, SEXTA-FEIRA DE MADRUGADA 00:28: INEM recebe pedido de ajuda (grávida de 38 semanas com falta de ar). 00:36: CODU aciona Ambulância de Socorro. 00:54: Equipa da ambulância informa CODU de Paragem Cardiorrespiratória (PCR). VMER do HFF é acionada. 01:14: Equipa médica da VMER chega e inicia Suporte Avançado de Vida (SAV). 01:48/01:50 (Entrada no Hospital): Grávida dá entrada na Urgência de Obstetrícia da ULS Amadora/Sintra, em PCR (1h20m após o pedido de ajuda). 01:56: Realizada cesariana de emergência. A bebé nasce "com prognóstico muito reservado", a mãe acaba por morrer. A bebé morre no dia seguinte.

31 DE OUTUBRO, SEXTA-FEIRA DE TARDEA ministra da Saúde, Ana Paula Martins, afirma que a mulher que morreu trata-se de "uma grávida que, efetivamente, não teve acompanhamento até à data em que entrou pela primeira vez no Amadora-Sintra, já com 38 semanas”.

2 DE NOVEMBROO hospital corrige a informação inicialmente dada pela ministra e esclarece que Umo Cami tinha sido afinal acompanhada pelo SNS. 

3 DE NOVEMBROPresidente do conselho de administração do hospital apresenta a demissão.

O caso voltou a colocar a ministra da Saúde sob pressão e entretanto o próprio hospital, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) abriram inquéritos para apurar responsabilidades. E já há uma demissão, conhecida esta segunda-feira: a do presidente do conselho de administração do hospital.

O hospital emitiu uma declaração na sexta-feira em que garantia que foi seguido todo o "protocolo clínico". No mesmo dia em que foi revelada a morte, a ministra da Saúde Ana Paula Martins esteve no Parlamento e disse que a mulher que tinha morrido tratava-se de “uma grávida que, efetivamente, não teve acompanhamento até à data em que entrou pela primeira vez no Amadora-Sintra, já com 38 semanas”. 

O conselho de administração da Unidade Local de Saúde Amadora/Sintra veio emitir entretanto uma correção às declarações da governante: afinal a grávida estava a ser acompanhada desde julho de 2025, nos cuidados de saúde primários da UCSP de Agualva, onde realizou duas consultas de vigilância da gravidez, nos dias 14 de julho e 14 de agosto. A grávida realizou ainda consultas de Obstetrícia no Hospital Amadora-Sintra nos dias 17 de setembro e 29 de outubro.

A família de Umo Cami reagiu entretanto. Em declarações à CMTV, a cunhada explica que a grávida já estava em Portugal há quase um ano e começou a ser acompanhada no Centro de Saúde de Agualva-Cacém.

Segundo a familiar, em setembro a utente foi reencaminhada para o Hospital Amadora-Sintra, onde teve duas consultas. Na última visita que fez, dois dias antes da morte, apresentava hipertensão, mas foi mandada para casa. Quando começou a sentir-se mal, a cunhada, residente em Portugal há quase 20 anos e com domínio da língua portuguesa, ligou para o 112. Os registos a que a CNN Portugal teve acesso indicam que entre a primeira chamada e a quarta e última antes da chegada do socorro passaram quase 30 minutos.

Registo das chamadas realizadas pela família da grávida para o 112, na madrugada de sexta-feira, 31 de outubro. 

A família, através de documentos, garante ainda que a grávida tinha autorização de residência desde 27 de dezembro de 2024 e que estava a ser acompanhada desde antes das 26 semanas, estando inscrita no Centro de Saúde de Agualva-Cacém desde 14 de julho de 2025. Segundo os familiares, não houve consultas antes dessa data devido à falta de vagas no SNS.

Mensagem divulgada pela família da grávida que morreu no Amadora-Sintra.

Esta segunda-feira chegou a notícia da demissão do presidente do conselho de administração. Por sua vez, Ana Paula Martins fala em "falha grave de informação". 

“No domingo, o senhor presidente do conselho de administração da Unidade Local de Saúde, Amadora Sintra, informou-me de que uma parte da informação que tinha sido dada era incompleta. Ou seja, que a informação que eu tinha veiculado e que me tinha sido dada não era a informação total”, começou por explicar a ministra. “Nessa mesma altura, o senhor presidente do conselho de administração, exatamente porque esta falha é uma falha que é considerada grave, pôs o seu lugar à disposição e eu aceitei a demissão.”

Em comunicado, o hospital fez saber que "as informações adicionais vieram a ser conhecidas apenas em momento posterior, não tendo, por conseguinte, sido do conhecimento do presidente do conselho de administração à data da comunicação inicial, nem podendo, portanto, ter sido transmitidas à tutela". A declaração sublinha ainda que Carlos Sá "reafirma o seu entendimento de que a responsabilidade política e pública é pessoal, indelegável e insuscetível de diluição".

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