Foi dia de debate no Parlamento. O primeiro desta legislatura. Houve irritações, ironias, interrupções e incredulidades
O primeiro-ministro reiterou a confiança na ministra da Saúde numa altura em que existe uma crise nas urgências de vários hospitais, nomeadamente nas especialidades de Obstetrícia e Ginecologia. No primeiro debate de política geral desta legislatura, António Costa vincou esta quarta-feira no Parlamento que a responsabilidade dos atos do Governo era sua: “Só há uma pessoa que escolhe os membros do Governo, sou eu”, respondeu ao deputado do PSD Paulo Mota Pinto. E assumiu assim a responsabilidade pelo que se passa no SNS.
André Ventura insistiu na questão. De seguida, o primeiro-ministro não respondeu, alegando que o deputado do Chega "repetiu a pergunta" feita momentos antes pelo líder parlamentar do PSD e que "seria indelicado para com a câmara estar a consumir tempo para voltar a repetir a resposta" que deu a Paulo Mota Pinto, nomeadamente que "só há uma pessoa que escolhe os membros do Governo" e que o próprio Costa assume a responsabilidade "por tudo o que fazem os membros do Governo" por si escolhidos.
Depois, perante a insistência do deputado do Chega - que queria saber se o primeiro-ministro "ficou satisfeito com as respostas" dadas por Marta Temido num debate de urgência sobre a crise nas urgências -, António Costa respondeu: "Eu não convido os membros do Governo para os avaliar em função do que eles respondem à Assembleia da República mas pelo trabalho que realizam".
A interpelação do Chega ao primeiro-ministro ficou marcada por momentos tensos em que os dois iam trocando intervenções de poucos segundos cada, chegando mesmo André Ventura a dizer que não se lembrava "de um desrespeito tão grande à figura do Parlamento como esta".
Depois de André Ventura ter perguntado várias vezes ao primeiro-ministro se viu a prestação de Marta Temido no Parlamento, António Costa respondeu negativamente. E acrescentou: "Se não estivesse tão exaltado e tão preocupado em abrir os telejornais e naqueles números que adora fazer para as televisões, teria reparado que na sexta-feira passada estive todo o dia a ouvir os diferentes grupos parlamentares, incluindo o seu, sobre a questão da adesão da Ucrânia à União Europeia. E não tenho o dom de estar a falar simultaneamente com as pessoas, a ouvir as pessoas e a seguir os debates parlamentares através da televisão", justificou.
As intervenções de poucos segundos com insistências de Ventura e respostas cirúrgicas do primeiro-ministro repetiram-se em relação a outros temas e no final da sua intervenção o líder do Chega acusou António Costa de um "brutal desrespeito" pelo parlamento e disse que a maioria absoluta do PS "tornou-se uma prepotência absoluta".
As falhas inaceitáveis
Apesar de defender Marta Temido, António Costa admitiu que existem problemas no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Em resposta a Paulo Mota Pinto, o primeiro-ministro afirmou que as falhas de serviços na Saúde "não são aceitáveis". "Obviamente que não considero aceitáveis estas falhas", disse, depois de o social-democrata o ter questionado sobre o funcionamento de um "SNS de terceiro mundo".
Sobre a atuação do Governo, Costa dissse que aumentou o investimento e o número de profissionais no SNS, nomeadamente na área de Obstetrícia/Genecologia, com mais 13,7% de especialistas. "É necessário termos uma reorganização da rede", admitiu o primeiro-ministro, referindo-se aos tempos de férias, pontes e feriados, algo que dizer ter sido uma das causas dos problemas recentemente registados.
Um Portugal mais rico
"Portugal não empobreceu, enriqueceu." As palavras são do primeiro-ministro e referem-se ao período dos últimos seis anos, todos de governação socialista. Interpelado mais uma vez pelo facto de o país crescer abaixo dos seus concorrentes de leste, António Costa apontou para um crescimento que foi acima da média em todos os anos do seu Governo, à exceção de 2020 e 2021, marcados pela pandemia.
De resto, e apontando um número em concreto, o primeiro-ministro disse mesmo que, nesse período, Portugal cresceu 20% no Produto Interno Bruto per capita.
"Ao contrário do que a direita gosta de dizer, Portugal não empobreceu", afirmou, depois de uma questão do deputado do Livre Rui Tavares.
É o que António Costa chama "ciclo de convergência", depois de 16 anos em que, segundo o primeiro-ministro, Portugal esteve em "divergência" com o crescimento na União Europeia.
O tema voltou a ser colocado pelo líder parlamentar do Chega. Pedro Pinto mostrou-se incrédulo com as afirmações do primeiro-ministro: "Nem acredito que ouvi aqui o senhor primeiro-ministro dizer que os portugueses estão mais ricos! Portugal tem dois milhões de pobres e quatro milhões a caminho da pobreza. Consegue dizer a estes quatro milhões que estão mais ricos?", questionou.
"Os impostos hoje pesam menos no produto do que quando a direita governava. Nós não empobrecemos, estamos a enriquecer. Menos do que estávamos, mas estamos", disse Costa. E continuou dizendo que falava do "conjunto do país", lembrando que o PIB "é uma estatística": "Por isso é que a distribuição de riqueza é essencial para a coesão do país".
O deputado do Chega insistiu no assunto, para depois António Costa dar um exemplo com carros de luxo: "A pobreza não é retórica. A pobreza não são os fantasmas que os senhores falam de pessoas que têm Mercedes e Porsches à porta".
Mais apoios e estatuto do SNS para breve
O primeiro-ministro anunciou durante o debate que o Governo vai renovar o apoio extraordinário ao cabaz alimentar por mais três meses. Questionado pelo deputado do Chega André Ventura sobre as medidas para combater o aumento do custo de vida, António Costa disse que o Conselho de Ministros vai estender este apoio, que é dado num valor de 60 euros mensais.
Além disso, e em algo a ser aprovado também em Conselho de Ministros, o chefe do Governo adiantou que um novo Estatuto do SNS será aprovado no próximo mês, algo que diz ter sido adiado pela pandemia de covid-19.
“Essa lei [de Bases do SNS] tem de ser regulamentada e ainda no princípio do próximo mês o Conselho de Ministros aprovará o estatuto do SNS, peça fundamental para a regulamentação da Lei de Bases da Saúde”, afirmou.