Entre as "bolas de sabão" do Chega e "as amêijoas" do novo ministro, imigração dominou o debate do Programa do Governo

17 jun, 20:45
O primeiro-ministro, Luis Montenegro (E) acompanhado pelo ministro Adjunto e da Reforma do Estado, Gonçalo Saraiva Matias (C) e pelo ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel (D) na sessão plenária de apresentação do Programa do XXV Governo Constitucional, na Assembleia da República, em Lisboa, 17 de junho de 2025. (Lusa)

Tema da imigração acabou mesmo por ser o assunto dominante num dia em que o Governo apresentou o seu programa no Parlamento

Foi um dia carregado de contradições e momentos inesperados na Assembleia da República durante o debate do Programa do Governo, que marca o arranque do novo Executivo de Montenegro. Entre a economia, as duras críticas à política de imigração e uma insistente discussão sobre a reforma do Estado, não faltaram episódios para lá do convencional - até as amêijoas à bulhão pato ou ovelhas entraram no debate parlamentar.

“Foi um dia caricato”, resumiu Rodrigo Taxa, do Chega, ao enumerar um painel improvável de temas que passaram pelo plenário. “Num dia em que o PCP defendeu a Palestina mas nunca criticou a Rússia, em que o Livre elogiou quem madruga para trabalhar, embora a sessão só tenha começado às 10:00 e Pedro Nuno tenha chegado ao Parlamento às 12:20, e em que o PAN, que equipara pessoas a animais, falou de um alegado abusador de ovelhas sem sequer considerar que poderiam estar apaixonados.”

Leitão Amaro compara o Chega a "bolas de sabão". A culpa é do discurso "raivoso" no tema da imigração

O tema da imigração acabou mesmo por ser o assunto dominante numa tarde longa de intervenções. O Chega, pela voz de Vanessa Barata, pediu a “suspensão do reagrupamento familiar”, alertando para uma eventual chegada de “três milhões e meio de imigrantes” que sobrecarregariam serviços públicos e forças de segurança.

Dados que para Leitão Amaro, ministro da Presidência que tem a seu cargo a pasta “cara” ao Chega, são “uma mentira”. "Os senhores lembram-me com essa taxa de invenção e de mentira e, sobretudo, de discurso raivoso, bolas de sabão. Vê-se, são atrativas, toca-se, rebenta-se e não há nada", atirou. "Quando este primeiro-ministro há um ano fechou a maior porta escancarada reduzindo 60 % os pedidos de residência, o que fez o Chega? Nada", respondeu ainda. 

"Os senhores, utilizando a linguagem do Chega, deviam ter vergonha de instrumentalizar, manipular, e degradar debate e a vida das pessoas", concluiu.

O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, intervém na sessão plenária de apresentação do Programa do XXV Governo Constitucional, na Assembleia da República, em Lisboa, 17 de junho de 2025. Lusa

Por sua vez, o Livre, através de Jorge Pinto, rejeitou a abordagem que o Governo faz da imigração - o “alfa e ómega” dos problemas do país -, classificando esta visão de “não só falsa, como perigosa”.

"Fazer da imigração o alfa e ómega de todos os problemas do país é não só falso, como perigoso. Nós não vamos alinhar. O Livre não mudará um centímetro da sua posição no que diz respeito à defesa da decência e da dignidade de todos os imigrantes porque, como nós, são seres humanos", defendeu o deputado do Livre, acrescentando que os imigrantes não são “nem heróis, nem santos, nem demónios”, são “seres humanos com os seus falhanços, problemas, mas certamente também com as suas virtudes".

Do lado do PS, Isabel Moreira criticou ainda a discussão levantada pelo primeiro-ministro sobre a possibilidade de perda de nacionalidade, acusando-o de “chegar ao nível zero”, lembrando que tal medida é inconstitucional.

“Essa ideia [de perda de nacionalidade] já foi trazida pelo Chega várias vezes e o PSD chumbou-a sempre, e bem, porque, como sabem, é inconstitucional. Não há perdas automáticas de nacionalidade e só se perde por vontade do próprio", começou por dizer.

"É inconstitucional como o PSD disse várias vezes. Isso é chegar ao nível zero, estarmos a discutir a possibilidade de uma sentença acessória de perda de nacionalidade e desta vez por ideia do primeiro-ministro".

Ministro surpresa do Governo puxa dos galões para apresentar a sua Reforma do Estado

O ministro da Reforma do Estado, Gonçalo Saraiva Matias, apresentou-se pela primeira vez no Parlamento para representar a pasta que o Governo de Montenegro quer que seja “a estrela da companhia”. Na sua primeira intervenção, o ministro abordou a urgência de combater a burocracia, que chamou de “inimigo silencioso” que “trava investimentos e mina a confiança dos cidadãos”. Para o governante, reformar o Estado é “um ato de justiça” que devolverá tempo e dignidade às pessoas.

"A burocracia é um inimigo silencioso que tem predominado nos corredores da administração travando o investimento, minando a confiança dos cidadãos e atrasando decisões vitais para o país. Não podemos continuar a permitir que a máquina pública seja um labirinto onde se perdem tempo, recursos e esperança", defendeu.

"Reformar o Estado é, por isso, um ato de justiça. É devolver às pessoas o tempo que lhes é tirado e, com ele, a liberdade de ter uma vida mais digna. Importa assim atacar de frente esta realidade com coragem e firmeza, realizando a reforma do Estado há muito ansiada pelos portugueses", acrescentou.

O ministro Adjunto e Reforma do Estado, Gonçalo Saraiva Matias, intervém na sessão plenária de apresentação do Programa do XXV Governo Constitucional, na Assembleia da República, em Lisboa, 17 de junho de 2025. Lusa

Na intervenção que rondou os 10 minutos, Gonçalo Saraiva Matias admitiu que o Governo quer recorrer à inteligência artificial para modernizar os serviços públicos, tornando-os mais rápidos e eficientes, sem reduzir o número de funcionários, mas sim a burocracia.

"Com o apoio das tecnologias mais avançadas, incluindo a inteligência artificial, queremos criar serviços públicos mais rápidos, mais eficientes e mais seguros que não deixem ninguém para trás", confirmou.

Declarações que não ficaram sem resposta, com o líder do Livre, Rui Tavares, a deixar um conselho, no mínimo caricato, ao ministro, para que não falhe como "já vários ministros da Reforma do Estado falharam".

"Temos de ter uma linguagem mais clara. Senão, passamos o tempo a dizer: 'É com inteligência artificial, mas não deixamos ninguém para trás; é digital, mas é próximo das pessoas...' e ficamos apenas com o conselho que alguém terá dado a Bulhão Pato no século XIX. Ele queria escrever poemas e entrar na eternidade, escreveu poemas e inventou a receita das amêijoas com a qual entrou na eternidade", sublinhou, acrescentando que “tenho a impressão que já vários ministros da Reforma do Estado falharam e eu não quero já desejar que comece a inventar a sua receita das ameijoas à bulhão pato".

O porta-voz do Livre, Rui Tavares, intervém na sessão plenária de apresentação do Programa do XXV Governo Constitucional, na Assembleia da República, em Lisboa, 17 de junho de 2025. Lusa

"Não aceitaremos retrocessos". O sério aviso do PS ao Governo

Longe da posição que outrora tinha ocupado, de líder da oposição, o Partido Socialista mostrou-se firme na defesa da proteção laboral e dos apoios sociais, advertindo que não aceitará quaisquer recuos. Pela voz do deputado Tiago Barbosa Ribeiro, os socialistas acusaram o Governo de ceder à pressão da “direita radical e liberal” ao tentar enfraquecer direitos conquistados.

“Não aceitaremos retrocessos em matéria de proteção laboral, não aceitaremos retrocessos em sede de apoios sociais, porque isso é património do país, não é património deste Governo”, afirmou o deputado socialista, sublinhando que o PS estará sempre disponível para defender estes direitos.

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