opinião
Diretor Executivo de Conteúdos da TVI

A verdade elástica de António Costa

7 dez 2021, 20:15

A demissão de Eduardo Cabrita e um aproveitamento do primeiro-ministro na opinião de Pedro Benevides

Opinião impopular: não partilho da ideia, cada vez mais em voga, de que os políticos são todos uns mentirosos que aldrabam meio mundo em troca de simpatia e poder. 

Também não sou propriamente ingénuo: sim, querem votos e querem poder, e têm hoje sofisticadas máquinas de comunicação que manipulam a mensagem a ponto de transformar a verdade num conceito adaptável às circunstâncias.   

Entre um ponto e outro há nuances que não são irrelevantes.

Dito isto, há qualquer coisa de errado com declarações recentes do nosso primeiro-ministro.

Depois de muito resistir e defender até ao limite um ministro politicamente desastrado, a realidade impôs-se e António Costa entrou em modo pragmático: com o ar mais despreocupado, anunciou aos jornalistas que se “fechou um ciclo”. Cabrita demitiu-se, está feito, acabou, não há nada para ver aqui.

Mas havia, claro. Costa aproveitou um ponto manifestamente baixo deste fim de legislatura e transformou-o numa oportunidade para fazer campanha eleitoral.

Forçado a uma mini-remodelação de emergência, aos jornalistas explicou que já antes tinha planos para renovar o governo, com "um novo modelo, mais adequado aos tempos desafiantes que temos pela frente e com competências mais transversais, sendo mais compacto”.

O problema com as declarações de Costa não está aqui (era uma informação já antes apurada pela equipa de Política da TVI e da CNN). O problema está nas múltiplas declarações que antecederam esta cândida postura.

Das várias vezes que a hipótese de remodelar lhe foi colocada, renegou-a sempre e até explicava porquê: “Continua a ser totalmente justificável a atual estrutura, porque o esforço que vai implicar a execução do Plano de Recuperação e Resiliência, mais o Portugal 2030, mais a execução do programa do Governo, não aconselham a qualquer mudança na estrutura, pelo contrário”. Pelo contrário.

Fim da presidência da UE, eleições autárquicas, a conversa vinha sempre à baila e a resposta era a mesma: “O que o país pede é que prossigamos o trabalho que temos vindo a fazer de combater a pandemia, em apoiar este esforço extraordinário que as empresas e os trabalhadores têm feito para enfrentarmos a crise económica”.

Ora, tanto quanto sei, os “tempos desafiantes” são exatamente os mesmos que há um par de meses. Não houve grande evolução na execução do PPR nem do programa de governo, a crise económica não acabou, empresas e trabalhadores ainda precisam de apoio e a pandemia continua a deixar em pânico os decisores políticos e as instituições.   

Todos temos direito a mudar de ideias, mas falar agora da necessidade de um executivo mais compacto com os mesmíssimos argumentos e no mesmo cenário que, semanas antes, serviam para justificar o maior governo de sempre, carece de uma explicação mais detalhada.

Caso contrário, agilizar a saída de um ministro que antes se tentou colar ao chão, e rejeitar agora paradigmas que antes se propagandeava, parece-me a mim mais um daqueles casos em que os políticos adaptam a verdade, a torcem bem torcidinha, em função das circunstâncias e das necessidades do momento. E isto sou eu, que tenho uma visão benevolente.

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