Economista João Rodrigues dos Santos diz que a aproximação vai sufocar patrões e desincentivar a produtividade da classe média. A solução é um “choque fiscal corajoso” da parte do Governo
O salário mínimo é definido por decreto, o salário médio é apenas um valor indicativo para as empresas, o Governo pretende aumentar os dois até ao fim da legislatura, aproximando-os ainda mais, e isso é um risco. Desde logo, para os trabalhadores, que poderão sofrer uma limitação nas progressões (mais aqueles que vão receber um valor perto do salário mínimo). O alerta é do economista João Rodrigues dos Santos.
“Se avançarem os aumentos, a classe média vai sentir uma bastonada. Tal como as empresas. Portanto, de nada vale. E ainda menos valerá se a inflação absorver esses aumentos. Se absorver, a qualidade de vida da população irá diminuir. E é difícil prever o que vai acontecer à inflação, estamos muito dependentes do resultados das eleições norte-americanas e do escalar do conflito no Médio Oriente. Vivemos um período de incerteza quanto à inflação”, explica à CNN Portugal
Mas recordemos o que é que propôs Luís Montenegro aos parceiros sociais na quarta-feira passada, na proposta para um novo acordo de rendimentos até 2028, final da legislatura. É vontade do primeiro-ministro que o salário mínimo, atualmente em 820 euros, aumente para 870 euros (valor bruto) no próximo ano - seguindo-se um aumento anual de 50€: 920 euros em 2026, 970 euros em 2027 e, finalmente, 1.020 euros em 2028. É uma subida média de 5,6% ao longo dos quatro anos.
Já quanto ao salário médio, o referencial é de 4,7% em 2025, 4,6% em 2026 e 4,5% nos dois anos seguintes, atingindo o salário médio os 1.886,29 euros no fim da legislatura (no segundo trimestre de 2024 foi 1.640 euros; em 2023 era 1.505 euros).
Analisados os crescimentos, e objetivos do Governo, é facilmente percetível que em 2028 o salário mínimo representaria 54% do salário médio. E significa igualmente que, percentualmente, o salário mínimo vai subir sempre acima do referencial do salário médio, achatando a curva entre os dois.
Num país em que um quinto dos trabalhadores recebe o salário mínimo, um país em que o salário médio (16.943 euros/ano) está bem distante da média da União Europeia (28.217 euros) e ainda mais distante dos líderes da tabela, Suíça (85.582 euros), Islândia (53.885 euros) e Luxemburgo (49.035 euros), João Rodrigues dos Santos não parece ver nas promessas e vontades do Governo uma solução boa. Seja para trabalhadores, seja para empresas.
Para os trabalhadores, se o salário mínimo sobe a uma taxa superior ao salário médio, a diferença entre os dois salários estreita-se e as progressões acabam limitadas, a hipótese de aumentos é improvável e a maioria dos trabalhadores estará mais próximo de receber o salário mínimo — os que recebem pouco mais acabarão por ver os salários reduzidos pela inflação.
Por outro lado, os patrões alertam que não estando o aumento do salário mínimo condicionado ao crescimento do PIB, e não se tendo registado um aumento da produtividade em Portugal nos últimos anos (o nível de produtividade do trabalho em Portugal é 28% inferior à média da Zona Euro e afunda há seis anos consecutivos), as empresas acabarão sufocadas se o Estado não lhes der outros benefícios (desde logo de alívio fiscal) em troca.
“Em Portugal temos um problema sério, que é o da produtividade. Somos menos produtivos do que a maioria dos países europeus. Só criando riqueza — e a riqueza vem também da produtividade — é possível traduzir essa riqueza adicional em mais rendimento do trabalho”, esclarece João Rodrigues dos Santos. Para este economista, mesmo sem riqueza nem produtividade, “assistimos ao aumento do salário líquido”, e como os patrões “não vão abdicar dos lucros e estão esmagados fiscalmente”, a única forma “viável” de fazer um aumento assim é "através de um choque fiscal, um choque fiscal corajoso”.
“É preciso taxar menos os lucros das empresas, é preciso diminuir o IRC — a redução do IRC de 21% para 15% já é um começo —, só assim as empresas podem procurar inovar, estimular a produtividade e aumentar salários. E aumentando salários, aumenta a produtividade”, defende.
Para João Rodrigues dos Santos, se não aumentar a riqueza, “podemos aumentar salários à vontade que isso terá um impacto pouco significativo na vida das pessoas — e tampouco impedirá a fuga de talento jovem”. Aliás, os aumentos, apresentados desta forma, "até podem ser contraproducentes", diz. "Aproximando o salário mínimo do médio, isso vai retirar estímulo, vai desincentivar a classe média a ser produtiva, por exemplo. A população ativa perante um salário médio tão próximo do mínimo, vai sentir a dor e, se tiver até 40 anos, vai querer sair, vai procurar melhor qualidade de vida e emigrar. Portanto, é preciso afastar os dois salários, mínimo e médio. A diferença é demasiado perigosa”, alerta.
No entanto, um choque fiscal “corajoso”, que alivie os patrões, reduziria sempre a receita fiscal do Estado. Como contrariar isso? Como ter o sol na eira e a chuva no nabal. “Se o Governo não quiser aumentar os impostos sobre consumo e sobre trabalho, sobram duas soluções: diminuir a despesa pública e calibrar transferências sociais — não pode ser mais apelativo ficar em casa do que trabalhar. Claro que estas medidas, as últimas duas, quase hipotecam as perspetivas de um Governo nas eleições seguintes. Daí ser precisa coragem”, refere.