O xeque-mate ao PS. O perigo do Chega. E o chumbo. Os cenários para um Orçamento sem garantias de aprovação

9 out 2024, 07:00
Luís Montenegro na conferência "O Futuro dos Media"

O primeiro-ministro vai entregar a proposta de Orçamento do Estado para 2025 sem garantias de que o mesmo seja aprovado. Descida transversal do IRC continua a separar Governo e socialistas

Sem mais negociações com o Partido Socialista (PS). Sem qualquer negociação com o Chega. E sem acordo com os socialistas em relação ao IRC. A proposta de Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) “está fechada” e deverá ser aprovada em conselho de Ministros esta quarta-feira para ser entregue amanhã na Assembleia da República, garantiu ontem o primeiro-ministro. A decisão de Luís Montenegro, que diz que se mantém confiante numa aprovação do Orçamento, devolve a pressão ao PS que terá, agora, de decidir se deixa passar a proposta do Governo ou vota contra, colocando uma eventual viabilização nas mãos do Chega, de André Ventura.

“O primeiro-ministro apresentou-se muito confiante de que vai ter um Orçamento aprovado. Com o PS não há acordo nem desacordo, mas já deixou claro que no IRC não vai ceder. Como essa é uma bandeira de Pedro Nuno Santos, isto transfere para o líder dos socialistas o ónus da responsabilidade de um possível não aprovação do Orçamento. Isto é como que um xeque-mate de Luís Montenegro a Pedro Nuno Santos”, afirma o politólogo José Filipe Pinto.

Em entrevista à SIC realizada esta terça-feira, Montenegro disse que a proposta de OE2025 prevê uma descida da taxa máxima do IRC de 21% para 20%, mas garantiu que o Governo não assume nenhum compromisso de que não irá descer mais a taxa de IRC até ao final da legislatura, tal como foi exigido pelo PS no final da semana passada. Na altura, em resposta a uma proposta que Luís Montenegro considerava “irrecusável”, os socialistas apresentaram uma contraproposta onde deixavam duas alternativas ao Governo. Na primeira, o PS estaria disponível para viabilizar o OE mesmo que o mesmo previsse uma redução do IRC de 21% para 20%, mas “com a condição de que, de 2026 até ao fim da legislatura, o desagravamento fiscal em sede de IRC” fosse feito através de um Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento. Ou seja, com o compromisso do Governo de que não haveria novas descidas da taxa de IRC até 2028. A segunda alternativa era de que haveria viabilização do OE se no próximo ano não houvesse uma descida da taxa do IRC, usando em alternativa o mesmo Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento. “Se o Governo quiser prosseguir, de 2026 em diante, a sua estratégia fiscal de redução da taxa estatutária do IRC para 17%, não terá naturalmente o apoio do PS”, salientavam os socialistas.

Alternativas que Luís Montenegro não aceitou até porque na proposta que o Governo tinha feito aos socialistas, a 3 de outubro, o primeiro-ministro deixava claro que já tinha cedido no IRC. Depois de defender no programa eleitoral e no programa de Governo uma descida do IRC de 21% para 15%, aceitava uma descida menor, mas que teria de atingir os 17%, ou seja, uma redução de quatro pontos percentuais ao longo da legislatura.

Ainda assim, esta terça-feira, o líder social-democrata piscou o olho ao PS, admitindo que o documento não fica diminuído “com as cedências ao PS” e admitiu que em matéria de IRC a proposta do Governo irá contemplar duas condições socialistas que permitirão às empresas melhores condições fiscais se reforçarem os capitais próprios e se procederem a aumentos salariais mais significativos que os definidos em concertação social. Ao mesmo tempo, Montenegro reconheceu que a solução final negociada com o PS para o IRS jovem “é mais equilibrada” do que a do Governo e, como tal, fará parte da proposta de Orçamento a enviar ao Parlamento. Em matéria de IRS Jovem, recorde-se, Luís Montenegro já tinha recuado em relação à sua proposta inicial, adotando a filosofia em vigor do IRS Jovem criado pelo Governo socialista. A única diferença é que após as negociações, os socialistas defendiam que a medida não deveria ser usada por mais de sete anos, o Governo previa 13 anos e admite, agora, que a proposta final ficará nos 10 anos.

Pedro Nuno Santos aguarda proposta

Quase em simultâneo com o ‘não’ de Luís Montenegro, Pedro Nuno Santos reunia-se com os deputados socialistas para avaliar o que poderá o PS fazer na votação do Orçamento. Uma reunião que ainda decorria na madrugada desta quarta-feira e onde, perante opiniões divergentes dos vários deputados, Pedro Nuno Santos atirou a decisão sobre o sentido de voto no Orçamento para depois da entrega do diploma do Governo no Parlamento e depois de reunir a Comissão Política Nacional do partido. Certo é que se o PS vier a viabilizar a proposta de Orçamento nas condições anunciadas por Luís Montenegro, não deixará de ser um recuo em relação à contraproposta apresentada na passada sexta-feira.

“As eleições não serão o cenário ideal e essa deverá ser a grande condicionante por parte de Pedro Nuno Santos. O PS terá de definir um alinhamento que seja benéfico às ambições do partido e que não incompatibilize um cenário de eleições”, explica a politóloga Paula Espírito Santo.

Caso Pedro Nuno Santos decida não ceder, o Orçamento só poderá ser aprovado com o voto favorável do Chega. E o partido deu sinais de que estaria disposto a seguir esse caminho. Na tarde desta terça-feira André Ventura admitiu disponibilidade para deixar passar o OE2025, caso o PS chumbe a proposta do Governo, sublinhando que o partido tem uma “posição responsável”.

Em resposta, Luís Montenegro até admitiu que o Chega aprove o Orçamento, mas afasta qualquer negociação com André Ventura, acusando o Chega de se ter comportado “como um catavento” ao longo de todo o processo de negociação. “Qualquer negociação entre o Governo e o Chega (…) está afastada de todo. Não vai acontecer, não é possível haver um diálogo produtivo com quem muda de opinião tantas vezes, com quem se transformou num catavento nesta discussão do Orçamento do Estado e, portanto, não se apresentou à altura sequer de poder negociar com o Governo”, defendeu Montenegro na mesma entrevista.

Paula Espírito Santo concorda com a avaliação feita pelo primeiro-ministro, admitindo que contar com o apoio do Chega para a aprovação do Orçamento pode ser perigoso para o Governo, uma vez que o partido “toma várias posições no mesmo dia” e poderá encontrar uma justificação para não aprovar o documento no último momento para tentar obter concessões. “O Chega não será de confiar, porque a credibilidade política não é elevada”, defende.

Para os especialistas, a decisão de Luís Montenegro de rejeitar negociar com o Chega é “uma jogada hábil” do Governo que demonstra que o primeiro-ministro está numa posição “muito confortável” que lhe permite dizer que não está refém de André Ventura e que não fez qualquer concessão ao partido.

“A acontecer, o voto do Chega não resulta de uma negociação com o Governo. Isso dá ao governo a autoridade de quem negociou com o parceiro privilegiado, o PS, e este não se mostrou disponível para negociar quando o único ponto de discórdia era um ponto percentual do IRC. Por outro lado, permite-lhe dizer que não está refém do Chega. A recusa de negociação com Chega é uma jogada hábil”, explica José Filipe Pinto.

Existe ainda um terceiro cenário, que passa pelo chumbo da proposta de Orçamento do Estado para 2025, com os votos contra do PS e sem o voto a favor do Chega. Este cenário poderia precipitar o país para um governo a duodécimos, algo que o primeiro-ministro rejeitou, o que apenas deixa como alternativa a realização de novas eleições legislativas, as terceiras em três anos.

Mas lançar o país para novas eleições poderá ter elevados custos políticos para os partidos que sejam vistos como os responsáveis de um novo cenário de instabilidade política.

“O país não vai perceber que um ponto percentual de IRC seja responsável pela não aprovação do orçamento. Se se verificar este terceiro cenário, os grandes derrotados são o Chega e o PS. O cenário mais provável é de que seja aprovada. Admito que o PS anuncie primeiro que vai votar contra, mas as pressões vão continuar dentro do PS para que reveja a posição. Os resultados do PS serão muito baixos se o PS for responsável pelo chumbo do Orçamento”, refere José Filipe Pinto.

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