O novo governo toma hoje posse. E terá em mãos muita coisa para resolver. Pedimos a especialistas e agentes em várias áreas, que se cruzam com a governação, para identificarem aquela que seria a sua prioridade se estivessem no executivo. São ideias que Luís Montenegro e a sua equipa podem usar como inspiração
Saúde | Sofia Baptista: médico de família para todos
Para a médica investigadora e professora universitária da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, “é estratégico e urgente garantir que todos os utentes têm médico de família”, porque “os cuidados de saúde primários são esteio e porta de entrada no SNS”.
“A evidência científica mostra que esta continuidade de cuidados se associa a diminuição de mortalidade, diminuição dos internamentos, maior satisfação dos pacientes e redução de custos e da sobrecarga dos hospitais”, argumenta.
E como lá chegar? “Defendo que seja continuada a aposta em unidades de saúde familiar modelo B e, quando não for possível resposta no SNS em tempo adequado, encontrar complementaridade no setor privado e social”. Para reter médicos desta especialidade, diz, é fundamental uma “reflexão aprofundada” sobre remunerações, progressão na carreira e flexibilidade de horários.
Educação | Cristina Mota: retirar burocracia aos professores
Esta professora e porta-voz do movimento Missão Escola Pública começa por lembrar que todos os governantes tiveram professores que os ajudaram a chegar ao cargo que agora ocupam.
É por esse papel na sociedade que insiste na “valorização da classe docente”, que “tem de passar, obrigatoriamente, pela vertente remuneratória”, para que a tabela salarial dos professores se aproxime do topo da Administração Pública, “abandonando o vergonhoso 49º lugar que atualmente ocupa”.
“E porque tempo também é dinheiro”, se fosse primeira-ministra esta professora procuraria libertar os colegas da carga burocrática, dos “relatórios inúteis, tarefas administrativas e reuniões sem sentido”, que retiram tempo para aquilo que é essencial: o ensino e a relação com o aluno.
Para Cristina Mota, este seria o caminho “para atrair mais jovens para a profissão docente, recuperar os professores que, exaustos e desmotivados, abandonaram a profissão e garantir que os que ainda se mantêm no sistema não o abandonam”.
Habitação | Vera Gouveia Barros: ter informação para tomar decisões
A economista, especializada em matérias de habitação, há muito que tinha uma ideia para a sua primeira medida: “sentar o Instituto Nacional de Estatística à mesa com entidades como a Autoridade Tributária e o Instituto dos Registos e do Notariado”.
E para que serviria? “Para desenvolver, a partir de informação que já é hoje recolhida, um conjunto de indicadores relacionados com o direito à habitação”. Só com dados fiáveis, diz, é possível traçar uma estratégia para um problema estrutural como é a habitação: “É que boas medidas de política pública começam com um bom diagnóstico”.
“Termos dados sobre o stock de contratos de arrendamento (e não apenas o fluxo) e sobre as respetivas rendas, taxas de esforço, prazos, número de (não) renovações; sobre a caracterização socioeconómica e demográfica de inquilinos, senhorios e compradores; saber qual a percentagem de transações que envolve intermediação imobiliária”, inventaria.
Justiça e Combate à Corrupção | Nuno Cunha Rolo: uma agenda anticorrupção com todos a contribuir
O jurista e ex-presidente da Transparência Internacional Portugal sabe bem qual seria a primeira medida: “lançar uma Agenda TIBA – Transparência, Integridade, Boa governação e gestão e Anticorrupção – envolvendo toda a sociedade portuguesa no diagnóstico e formulação de propostas”.
E aproveita para traçar já quatro pilares:
1.Justiça pronta: tolerância zero à morosidade, inacessibilidade e burocratização, e capacitar, digitalizar e simplificar o sistema judicial.
2.Estado aberto: transparência ativa e integridade efetiva em todas as organizações, aplicáveis aos bens, recursos e processos de decisão.
3. Bom governo: implementação de regras, recomendações e boas práticas governativas e gestionárias em matéria, sobretudo, de imparcialidade, prestação de contas, participação, responsividade e eficácia de resultados.
4. Sociedade livre de corrupção, com liberdade, conhecimento e responsabilidade: ética, integridade, proteção dos denunciantes boa liderança, e literacia financeira, em IA e inovação, obrigatórias nos currículos do ensino básico e secundário.
Defesa | Ana Miguel dos Santos: um novo e mais integrado conceito de segurança
Para a especialista em matérias de Segurança e Defesa, presença assídua na antena da CNN Portugal, a primeira medida seria “lançar a construção de um verdadeiro conceito estratégico de segurança nacional, através de um sistema coordenado e integrador que reúna Forças Armadas, Forças de Segurança, Proteção Civil e Serviços de Informação, capaz de ultrapassar o atual modelo fragmentado e de assegurar uma resposta mais eficaz, eficiente e racional por parte do Estado”.
Ana Miguel dos Santos argumenta que este conceito permitiria “alinhar estruturas e competências dispersas, promovendo uma maior articulação operacional e uma utilização mais criteriosa e económica dos recursos disponíveis”, bem como responder de uma forma mais adequada às novas formas de ameaças como a desinformação, o terrorismo ou o crime transnacional.
Permitiria ainda, diz, encarar “fenómenos menos abordados, mas estruturalmente desestabilizadores, como os fluxos migratórios descontrolados ou a crescente vulnerabilidade de infraestruturas críticas, incluindo cadeias energéticas e sistemas de comunicação”.
Política Externa | José Filipe Pinto: colocar Portugal no centro do mundo para garantir segurança e imigrantes
O especialista em Relações Internacionais, que é professor catedrático na Universidade Lusófona, deixa logo o aviso: “no âmbito da política externa não adianta avançar uma medida avulsa”.
“Por isso, se fosse primeiro-ministro, a primeira e principal medida passaria por definir uma política capaz de compatibilizar e rentabilizar as dimensões europeia e lusófona”, define.
O objetivo é claro: Portugal tem de se afirmar como “uma mais-valia” para a União Europeia e para a NATO enquanto país lusófono e desempenhar o mesmo papel na “lusosfera” por pertencer à comunidade europeia.
Para tal, muito contribuiria o Oceano Atlântico “enquanto pilar da segurança” da União Europeia e da NATO.
“E como o país necessita de controlar a política de imigração, privilegiaria os imigrantes lusófonos oriundos dos trópicos em detrimento dos que chegam dos meridianos orientais”, acrescenta.
Economia | Filipe Grilo e João Rodrigues dos Santos: reformas no IRC e na administração pública
Trouxemos uma visão dupla para esta área, para perceber como se poderia desenvolver a economia portuguesa daqui em diante.
Do Porto, o economista Filipe Grilo, do Porto Business School, apostaria em “simplificar o regime do IRC, eliminando os 121 benefícios fiscais atualmente em vigor” para “reduzir a taxa de IRC em três pontos percentuais de forma fiscalmente neutra” e eliminar “distorções que favorecem a engenharia fiscal em vez da produtividade”.
De Lisboa, o economista João Rodrigues dos Santos, da Universidade Europeia, focaria as suas atenções numa “reforma da administração pública”. “É a principal via realista para reduzir a despesa do Estado e, com isso, criar espaço para uma descida sustentada da carga fiscal sobre famílias e empresas. Só com menos impostos se libertam os salários, o investimento e a produtividade, que são os pilares de um circulo virtuoso de crescimento económico e justiça social”, argumenta.
Impostos | Luís Nascimento: garantir competitividade pelo IRC, IRS e regresso da diáspora
Este fiscalista, sócio da Ilya, explica que a sua primeira medida enquanto primeiro-ministro “teria de ser concretizar a promessa de ‘competitividade fiscal e internacional de Portugal’”.
Para lá chegar, diz, há três prioridades: redução do IRC, redução do IRS e reforço de incentivos ao regresso a Portugal da diáspora portuguesa.
“O objetivo tem de ser o de colocar Portugal como país prioritário na atração de capital humano e do investimento internacional, acabando com o estigma de Portugal ser atualmente o quarto pior sistema fiscal da OCDE em termos de competitividade”, argumenta.
Turismo | Gonçalo Rebelo de Almeida: incentivos para que turistas passem mais tempo em Portugal
Para o administrador do grupo hoteleiro Vila Galé, a prioridade seria “encontrar soluções para a acessibilidade aérea na região de Lisboa”. E isso passa por fazer mais do que o avançar com novo aeroporto na capital, aguardado há décadas.
“O país não pode comprometer o crescimento durante os próximos 12 anos apenas a aguardar a nova solução aeroportuária. Terão de ser encontradas soluções alternativas, ainda que temporárias, como sejam: um aeroporto complementar, aumento da capacidade do existente, desvio de parte do ‘hub’ da TAP para Porto, incentivos para aumento de estadia média, benefícios para passageiros que fiquem em Portugal em detrimento dos que apenas estão em trânsito”, sugere.
E conclui: “a limitação da capacidade em Lisboa não afeta apenas esta região, mas têm impacto negativo nas outras regiões, em particular no Alentejo e Centro, Açores e Madeira”.
Agricultura | Firmino Cordeiro: um pacto para rejuvenescer o setor
O diretor-geral da AJAP - Associação dos Jovens Agricultores de Portugal não começaria do zero. “Se fosse primeiro-ministro, na sequência da apresentação pelo anterior Governo da grande estratégia ‘Água que Une’ e do ‘Pacto Floresta 2050’, ambos estruturantes para os setores agroflorestal e pecuário, priorizava o grande ‘Pacto - Inovação Portugal Rural’”.
Trata-se de um instrumento, diz, para “dinamizar os territórios rurais e apoiar o rejuvenescimento de todas as atividades económicas e a dinamização social e cultural destes territórios”.
Ambiente | Alexandra Azevedo: um plano efetivo para reduzir emissões poluentes
A prioridade seria um “plano de redução de emissões de gases com efeito de estufa. A presidente da Quercus lembra que têm sido aprovados vários instrumentos com o objetivo de reduzir estas emissões. “Contudo, simultaneamente, o Estado tem tomado medidas avulsas contraditórias que aumentam emissões, como a flexibilização da lei dos solos e o Simplex ambiental”, remata.
Por isso, argumenta, “torna-se essencial um plano intersectorial que permita operacionalizar de forma coerente as diversas medidas necessárias, como apoio à efetiva proteção do solo, diversificação da floresta e redução da área de eucalipto, redução de voos, eletrificação de toda a ferrovia, reequacionar projetos de elevada intensidade energética e destruidores do território, como o ‘data center’ em Sines, a barragem do Pisão ou a mineração de lítio”.
Diversidade e Inclusão | Mónica Canário: reforço nas redes de apoio às vítimas de violência doméstica
A coordenadora de projetos da Associação Portuguesa para a Diversidade e Inclusão aponta para o combate à violência doméstico e de género “através do reforço das redes de apoio às vítimas, de formação especializada e de campanhas de prevenção desde a escola”.
Mónica Canário aproveitaria ainda para implementar a “nova Lei da Transparência Salarial, incentivando as empresas a adotar práticas justas e equilibradas, que também incluíssem políticas de promoção da paridade nos cargos de liderança, através de metas claras e medidas de incentivo à diversidade nas organizações”.
Inteligência Artificial | Paulo Dimas: tecnologia a entrar nas escolas para ajudar todos
O presidente executivo do Center for Responsible AI sabe o que faria se chegasse ao poder em matéria de Inteligência Artificial: "se eu fosse primeiro-ministro, a minha primeira medida seria lançar um grande plano de ação nacional para o uso de Inteligência Artificial Generativa nas escolas, a partir do primeiro ciclo, envolvendo professores e alunos”.
O especialista argumenta que tal permitiria aos professores “libertar tempo de tarefas repetitivas”, dando-lhes mais margem para estar com os alunos. Já para estes últimos, permitiria “uma aprendizagem personalizada até ao limite da sua curiosidade”.
Cultura | Ricardo Neves-Neves e SillySeason: reforçar para chegar a todos
Na área da Cultura, trazemos duas visões, uma singular, outra em coletivo. Ambas de quem faz do Teatro a sua vida.
Primeiro Ricardo Neves-Neves, encenador e fundador da companhia Teatro do Elétrico: “partindo do princípio de que a Educação, a Arte e a Cultura são uma arma, se fosse primeiro-ministro, a minha primeira medida seria direcionar o solicitado aumento orçamental na área da Defesa para escolas, teatros e museus”.
Já o coletivo SillySeason – composto por Cátia Tomé, Ivo Saraiva e Silva e Ricardo Teixeira – também apostaria numa maior dotação orçamental da Cultura, assumindo-a como um “bem-comum”.
“Para que todas as pessoas pudessem ter acesso à arte e à cultura - independentemente da sua escolaridade, condição financeira, etnia, etc. - de uma forma democratizada, ao mesmo tempo que se permitia uma pluralidade das propostas artísticas que refletem sobre o agora e pensam um futuro, dando acesso a um maior número de artistas de desenvolver o seu trabalho”, argumentam.
Até porque “um país sem pensamento artístico é um país morto”.